Tuesday, July 24, 2007

Dar o nome

No nosso país existem muitas situações que são, no mínimo curiosas, de tão estranhas que são, sendo simultaneamente do domínio público. À boca fechada, comentam-se algumas, sabem-se outras, confirma-se umas tantas, e até se vai congeminando uma nova série de coisas verdadeiramente estrambólicas que assolam a ciência nacional. E é deta cinência nacional portuguesinha de gema e com letra minúscula que eu habitualmente falo, porque é essa que me faz mais espécie e que me faz desconfiar de todas as iniciativas salvadoras que o nosso ministro da ciência (outra vez com letra minúscula) vai apregoando. Um dos sindromas mais escabrosos é o de dar o nome às coisas.

Por dar o nome, significo assinar por baixo algo que não é da sua autoria. Na nossa ciência é coisas mais do que comum, é extremamente frequente, é inclusivamente quase um ritual iniciático para o jovem investigador. Resumindo: o júnior tem uma ideia, nos seus momentos de ócio passados no WC, amadurece-a, transforma-a num conceito inteligível, fá-la crescer e tomar forma, verte-a numa folha ou num disco rígido, prescruta, debate-a consigo e com os seus pares, e depois, para mal dos seus pecados, comunica-a ao chefe. E essa ideia, que tanto esforço, abnegação, e romantismo lhe custou é imediatamente apropriada, por que em Portugal, ao contrário de outros cantos do globo menos civilizados, só os chefes têm boas ideias. E que ideias, meus senhores, ideias fantásticas, ideias revolucionárias, ideias que garantem saltos no conhecimento, ideias que acabam com a pobreza, com a miséria, com a fome e com a doença! Estes chefes protugueses são fantásticos. Avé, chefe, que conseguiste fazer vingar o que roubaste, o que teu não era, mas que passou a ser!!!!

A isto, meus amigos, é o chamado "dar o nome". E isto é mato na ciência nacional.

Eu até gostaria de ter acesso aos dados que me confirmassem qual a autoria científica e consequentemente moral dos projectos dos grandes cientistas de renome nacional (e coloquei aqui propositadamente o termo nacional, porque aquilo que por vezes vende muito bem cá dentro não passa de uma mixórdia quando comparado com os verdadeiros cientistas internacionais...). Aí muita gente teria enormes surpresas, porque o que cá se aprova com determinada roupagem tem na sua génese gente bem capaz, que não é quem assina a folha. O argumento para fazer isto é simples: para além de haver chefes que pura e simplesmente não autorizam que os seus investigadiores o façam (sob pena de represálias, como o despedimento), há outros que utilizam o vicioso argumento de que se for o junior a assinar, o projecto tem menos probabilidades de ser aprovado. Coisa mais mentirosa não há, porque felizmente e apesar dos caciques, as avaliações começam a ser um bocadinhos mais isentas. Esta atitude é uma mina para beneficiar uns (os tais chefes...) e para prejudicar os outros, os juniores, os legítimos autores intelectuais das ideias. E distorce inevitavelmente a avaliação curricular que é a base do nosso sistema de creditação da qualidade do trabalho produzido.

Por absurdo que possa ser, um indíviduo que adopte esta atitude terá garantida a aprovação de todos os projectos que assine (note-se: assine) pelo simples facto de ter mais curriculum. Mas por absurdo que possa parecer, é este tipo de atitude que vale muita da cátedra que por ainda anda. Ai pois é...

Monday, July 2, 2007

As responsabilidades do Estado

As responsabilidades do Estado em matéria de investigação são enormes. Para além de ser, isoladamente, a maior fonte de financiamento para a Ciência nacional, o Estado detém igualmente, por intermédio do Governo, as ferramentas imprescindíveis para que a iniciativa privada passe a ser também um bom investidor na Ciência. A primeira responsabilidade, que é a ocupará este post, é cumprida de forma francamente insuficiente, não tanto pela verba dispendida mas principalmente pelas opções erradíssimas que o Estado teima em tomar, a vários níveis e que apresentarei de seguida.

Começa tudo pelos esquemas de financiamento. Enquanto o Estado previligiar o mérito meramente curricular, de forma cega e sem levar em consideração factores como a idade dos condidatos a projectos científicos, estaremos sempre na dependência de gente ultrapassada mas com nomes míticos no panorama nacional. Serão sempre os mesmos nas mesmas áreas, a ganhar os projectos, nem que estes tenham sido escritos por cientistas mais novos. Estes cientistas mais novos, e perante este estado de coisas, preferem amíude ir ao beija-a-mão para garantir a mínima hipótese de terem algum projecto aprovado, que é o mesmo que dizer ter algum dinheiro para financiarem a sua própria investigação. Há uns anos, recebi um mail que andava a circular dentro de um deerminado Laboratório Associado, em que o seu Director, um cientista senior e do topo da carreira docente pública, "pedia" aos investigadores juníores que incluíssem nos seus projectos a designada "brigada do reumático". Então eu perguntei cá para mim: "Se são tão bons, estes velhadas, para que precisam que sejam os seus alegados subalternos a incluí-los nos projectos?" O facto é que, como eu já afirmei neste espaço, a ciência portuguesa é de fachada, em que quem assina não é quem assume a verdadeira responsabilidade, e como aparência, financiam-se projectos de fulano velho sob a alçada de sicrano novo. E depois estes mesmos elementos da brigada do reumático criaram figuras assaz interessantes, como o gestor do projecto: é o indíviduo que o escreveu, que o deu por motivos hierárquicos a assinar ao seu superior, mas que assume a verdadeira responsabilidade pelo projecto em si, porque o velho não está para se chatear, ou nem sequer tem tempo. Mas tem espaço no curriculum para escrever lá mais duas linhas, na qualidade de investigador responsável pelo projecto XYZ... E no próximo concurso, o velho tem ainda mais possibilidades de ganhar um outro projecto, enquanto que o novo tem cada vez menos. É o chamado generation gap.

Depois, o Estado mesmo sabendo desta situação, já exposta anteriormente, não tem a capacidade de resolver minimamente a questão. Na minha opinião, fá-lo porque não tem interesse em comprar uma guerrilha com os cientistas seniores, dos quais depende para muita coisa. Quando mais não seja, para a copofonia científica. Como para dizer mal, está meio mundo, mas para apresentar alternativas nunca ninguém se assume, eu faço-o: porque não equacionar uma linha de financiamento de projectos científicos exclusivamente com base na idade, uma divisão sub-40, por exemplo? É que simplesmente não se pode colocar no mesmo patamar cientistas (e curricula) de 60 e de 25 anos! Mas eu advogo a criação desta linha sem haver qualquer intenção redutora ou infantilizante, nem de criar uma linha de investigação sub-alterna ou de menos qualidade. Seria somente um artifício no sentido de aumentar a equidade de condições a concurso. É que com o patrocínio do Estado eu já recebi críticas dos avaliadores dos projectos que me rejeitaram uma ideia com o argumento de que o investigador principal (eu, neste caso) é demasiado novo. Estando eu para muito além os 30, com que idade se poderá aceder a este financiamento? Em que alínea este critério se encontra no Edital dos concursos que o Estado patrocina? Como é possível que no mesmo concurso tenha ganho projectos com a classificação de excelente e tenha sido rejeitado por ser "demasiado novo"? Aqui há gato escondido com o rabo de fora.

No seguimento do ponto anterior, temos a corrupção generalizada no processo de avaliação. Como é que o Estado justifica que haja áreas científicas para as quais os jurís são os mesmos de de há 7 anos a esta parte ? Estas dados são públicos, queiram aceder ao historial das avaliações da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (www.fct.mctes.pt) e confirmem. É que à mulher de César não basta ser séria, tem de parecê-lo. E o Estado nem é, nem o parece, nem o quer fazer crer.

Depois temos a questão da regulamentação dos papeis. Em idos de 90 criaram-se os designados Laboratórios Associados, que aliavam uma maior independência de gestão dos projectos e das próprias linhas de investigação com um papel de prestação de serviços aos governos da Républica em matérias achadas de interesse nacional. Então, optou-se por chamar verdadeiras comissões instaladoras das universidades públicas, para fazerem o papel de batedores de terreno. Instalaram-se, começaram as suas actividades de formação, mas... ainda hoje lá estão, porque ocupam luigares chave, e deles não abrirão mão tão cedo. Não lhes interessa a criação de uma verdadeira carreira de investigação, pois será sempre mais um obstáculo ao exercício do poder a divisão desse mesmo poder com investigadores de carreira, cuja única ocupação é investigar, ter projectos financiados e orientar alunos. Como o dinheiro é poder no seio destas instituições, um investigador sério e competente (caso tenha muitos projectos) pode fazer perigar a posição de um professor-barão, e colocar em risco a hegemonia institucional. Sou francamente favorável à criação de uma carreira de investigação séria, baseada em pressupostos estratégicos e em garantias válidas no que diz respeito às questões laborais. Agora definirem-me investigador auxiliar como "um pós-doc com mais um bocadinho de autonomia", como um elemento da direcção de um laboratório associado me definiu um destes investigadores é que não.

Lançarei mais questões pertinentes no próximo post.