Thursday, May 31, 2007

Diphylobotrium latum

Existem muitos parasitas. Um dos casos mais interessantes que conheço é do designado Diphylobotrium latum, um parasita extremamente interessante, pois não se limitar a estar placidamente a sugar os exsudados do hospedeiro. Os exsudados são normalmente líquidos que são libertados pelos processos comuns do funcionamento biológico do hospedeiro - assim, não lhe farão grande falta. Mas o bicho de que vos falo hoje não se limita a estar agarrado a uma qualquer membrana ou parede à espera do bodo do exusdado. Tanto quanto me lembro (as minhas cadeiras de parasitologia já lá vão há um bom par de anos...), e foi exactamente esta peculiaridade que mais me fez apreciá-lo, o dito bicharoco fixa-se à mordidela, e alimenta-se do sangue do hospedeiro que flui através da ferida. E como se transmite através de peixe, nomeadamente alguns de consumo corrente em Portugal, é um bom parasita nacional. Não é exclusivo do nosso país, mas é claramente um parasita com expressão interesante entre nós. Muitos de nós são hospedeiros deste nosso amigo, sem o sabermos, e vivemos com uma sensação desagradável que permanece, durante meses, anós ou até fracções importantes da nossa vida. Bicho engraçado.

Este blog é para falar de Ciência, não SOBRE Ciência. E poderão perguntar onde quero chegar com esta prédica aparentemente a despropósito do Diphylobotrium latum. Pois bem, amigos, o cenário da ciência nacional revê-se na alegoria que fiz deste nosso companheiro de viagem. A ciência portuguesa é de parasitismo. E, à semelhança do que faz o títilo deste post, existe um estirpe de parasitas do sistema que vivem exclusivamente à custa do trabalho, do esforço, da dedicação e da entrega e do amor dos outros. Vejamos...

Quando era aluno de doutoramento, esses verdes anos..., convivi de perto com várias realidades, como a prostituição cientifica/intelectual (em que alguns se vendem às tendências do momento, para arranjar mais um dois paperzitos - isso será o tema do próximo post, comprometo-me...), com a subserviência institucionalizada, com a hipocrisia hierárquica, mas principalmente com o parasitismo que é apanágio do panorama geral.

Tive dois orientadores, um que ainda hoje muito prezo, e outro que não valia (e não vale) um caracol, para não dizer coisa pior. Fui ao engano e enganei-me, assumo, mas parece que a ciência portuguesa não é virgem nesta andanças dos orientadores enganarem os alunos. Ao longo da minha estadia no local onde me doutorei tive o desprazer de conviver com dois mundos antagónicos, um que valoriza o esforço mas sempre com os pés bem assentes na Terra (onde vive o meu orientador) e outro, feito de aparência, fragilidade intelectual e arrogância, que era onde circulava o meu outro orientador. Qualquer semelhança era pura coincidência, e anos volvidos, consigo distinguir claramente o que os separava. Se em relação a um (está fácil de adivinhar qual deles...) sempre senti estabelecer uma relação de discussão franca e aberta de ciência, com o outro a discussão era mais no sentido de eu evitar que a dita senhora (nestas coisas, desculpem-me as feministas, as mulheres são bem piores do que os homens, talvez por resquícios da oprssão que o bicho-fêmea ainda brande como bandeira da sua necessidade de emancipação) fizesse das suas, e me envergonhasse publicamente. Só lamento não lhe ter batido. E fazer das suas para mim significava vociferar, do alto da sua total (e quero frisar o termo total) ignorância científica as suas sentenças. Era absolutamente incrível que alguém de tão fraco gabarito científico se arrogasse o direito de tecer as consideraçõs que tecia, e que ouvi tecer aos meus companheiros de infortúnio. Para além nde não estar habilitada a fazer investigação na área, tinha aveleidade de achar que estava, comprometendo o futuro do grupo. E depois criava com demasiada frequencia a sensação entre os seus alunos de que estava ali para provar aos alunso que estes não tinham razão, mesmo que trabalhassem naquilo há anos e ela não conhecesse sequer os conceitos com os quais eles trabalhavam. Não falto à verdade se disser que a maioria dos meus artigos foi enviada a esta senhora depois de já terem passado por mim e pelo meu orientador, e de já terem sido aceites para publicação. Assim, todos ficávamos satisfeitos: eu publicava com o meu orientador (os reais autores dos trabalhos) e ela achava que pwercebia umas coistas e que mandava em mim - o célebre "arrotar umas postas de pescada", ou "mandar uns bitaites".

Mas ela também publicava, e aqui reside o busílis deste post. Ela também publicava, mesmo não contribuindo literalmente com nada. E não publicou tão pouco como isso, pois como eu ela tinha mais alguns alunos de doutoramento, que a desprezavam profundamente do ponto de vista intelectual. Publicou tanto que lhe deu para passar a associada, a prestar as provas de agregação, e na fase final da minha escravatura, a conseguir a cátedra. Que bom e doce parasitismo, quando corre bem. E como bom Diphylobotrium latum, não agradeceu coisíssima nenhuma, e foi a correr engordar à custa de outros hospedeiros mais ingénuos.

Compreendam que não me queixo, estou só a fazer um pequeno esforço de contextualização da temática do Diphylobotrium latum. Pois bem, hoje acho que avaliando aquilo que essa sujeita me fez, e por comparação com aquilo que eu faço aos meus alunos de pós-graduação, que ela adoptou uma postura típica de D. latum. Sem qualquer pudor, mordeu a carne, abriu a ferida e chupou o sangue. E depois largou a semente para ir colonizar novos territórios férteis. E continua a disseminar o seu dente por mais vítimas incautas, sem contribuir minimamente para o enriquecimento destas alminhas, com a total conivência do Estado e das entidades públicas de financiamento da Ciência nacional. Mas ela não é a única. O Estado quando financia deve fiscalizar o que anda a financiar. Senão corremos o risco de estarmos a pagar ilegalidades, imoralidades ou até monstruosidades. É elementar que assim seja, parece-me que só aqui é que nunca ninguém se lembrou disto.

Parece que em Portugal se institucionalizou a falsa premissa de que os trabalhos dos orientandos terão de incluir o nome dos chefes, sem que para isso os chefes tenham de contribuir. Meus amigos, isto é a mais pura das poucas vergonhas, e digo isto sendo "chefe". Desde quando alguém que não faz pode exigir a inclusão do seu nome entre os legítimos autores de um dado trabalho? Eui sei que isto pode parecer lirismo, mas para regular este tipo de situações devem existir várias alternativas.

A saber, e a instituir por quem regula a ciência paga pelo Estado:

a) um código de conduta científica, a ser adoptado por todos os que recorrem a um fundo público através da decisão de um juri
b) mecanismos de denúncia e de fiscalização independente relativos a situações reportadas
c) autonomia estatutária e regulamentar dos alunos financiados por entidades independentes (ex.: a FCT) de modo a evitar a apropriação indevida e abusiva dos recursos humanos, como alunos de doutoramento, por grupos de investigação
d) possibilidade de criação de mecanismos de sanção disciplinar e afastamento dos círculos dos concursos a financiamento quando comprovadamente houver incumprimento de qualquer uma das partes, após investigação e apuramente das circunstâncias em que o aproveitamento indevido ocorreu
e) criação de um comité de apuramente sem qualquer vínculo a instituições universitárias, de modo a garantir a isenção, careza, transparência e independência dos avaliadores relativamente aos avaliados/investigados.

Sem qualquer uma destas medidas moralizadoras, de fundo, de controlo, nunca será possível, termos uma ciência de qualidade em Portugal. A competitividade deve advir da qualidade, e não da instalação de feudos e de falsos conceitos, como da vassalagem científica, que só abrem caminho à especulação, ao célebro "curriculum a metro", à angariação de alunos de pós-graduação (esses escravos do século XXI; conheço um sujeito catedrático que tem alguns docentes que lhe devem uns favores, e que os manda para o bar da faculdade angariar alunos com falinhas mansas), ao parasitismo científico, à apropriação das ideias e da inovação, e ao estabelecimento de individualidades cristalizadas na cátedras das universidades públicas.

É que no âmbito da terapêutica é muito fácil combater o Diphylobotrium latum, e até a maioria dos parasitas: metronidazol. Aqui o fármaco de eleição é um processo em tribunal aos cabecilhas e os outros assustam-se logo todos e largam a ferida, que é com quem diz em bom português a Teta.

Friday, May 25, 2007

Somos uns desgraçados, mas enquanto houver para copos e preservativos, a vida vive-se...

Pois é, de facto todos falam, e em Portugal a Ciência é mais conversa do que outra coisa. Fala-se mais sobre submeter projectos do que submeter projectos, propriamente dito; fala-se mais sobre as obrigações do Estado, do que fazer cumprir essas mesmas obrigações; fala-se mais sobre os direitos dos bolseiros do que fazer cumprir os deveres dos bolseiros... Conversa de chacha, enfim, que vai alimentando as ambições governativas de uns, enchendo as ambições do ego de outros, e esvaziando de esperança toda uma geração de incorruptíveis. E é dessa geração que pretendo falar no post de hoje.

Este post é para falar sobre a figura do bolseiro, das suas vicissutudes, das suas limitações, das injustiças (algumas....) de que são alvo, e de todas as incongruências que na minha opinião, minam toda a credibilidade que este grupo profissional deveria ter - mas não tem

A partir do final da década de 80, começou a instituir-se a noção peregrina de que na Ciência só se entra com a bolsa, o que até certo ponto faz sentido. A entrada, seja no que for, é raramente um tempo de certezas, mas muito mais frequentemente, é uma época de aprendizagem, de iniciação, ou como tão hoje há quem goste de designar, de "formação". Portanto, tornou-se comum a especialização na aprendizagem dos futuros cientistas, que não estavam bem a desempenhar uma actividade profissional, mas sim a aprender. Era mais do que óbvio de que esta seria a priori uma situação mais do que transitória, uma mera etapa na vida dos futuros cientistas, e de que, sendo um estádio na evolução, não mereceria a atenção do legislador em termos de pequenas "minhoquices" como a questão da protecção na doença, a maternidade/paternidade, a segurança social e os demais direitos sociais. E o Estado, por intermédio da pioneira JNICT, permitiu o acesso de centenas ou até milhares de eventuais cientistas a uma verba mensal, à moda de ordenado, para que se fizesse face às necessidades individuais, como comer e comprar tabaco, alugar uma casa, enfim, um laivo de normalidade.

Mas tal como a JNICT mudou de nome ("o mundo é composto de mudança..."), também esta figura de protecção social incipiente (qual abono dos pobres) mas sómente da qual poucos beneficiavam passou de excepção a regra. O número de bolseiros, a partir da década de 90 e com o advento da JNICT travestida em FCT, disparou, e os concursos para atribuição de bolsas tornaram-se corriqueiros, ritualizaram-se e assistiu-se a uma verdadeira deificação da figura paternalista da FCT. Fez-se uma entidade patronal da noite para o dia, sem que o Estado percebesse que o enquadramento da figura de bolseiro mudara radicalmente em míseros 10 anos. De experimentadores incipientes e pouco numerosos, os bolseiros assumiram-se como a força motriz do sistema científico nacional, sem que haja sequer discussão em torno desta situação - é tão somente um dado adquirido.

Mas o paternalismo, no qual a sociedade portuguesa é pródiga (após 50 anos de fascismo, todas as formas de estupidez são naturalmente abundantes), continuou a soerguer-se na relação, no vínculo, na dependência dos bolseiros relativamente à FCT. Se é verdade, e acima de tudo legítimo, exigir direitos como consequência da assumpção de um papel de relevância (e não me canso de dizer que os bolseiros são fundamentais no SCN), também é NORMAL exigir direitos como consequência dos deveres. Em suma: os bolseiros cumprem, e sem eles o sistema pára; mas não sabem usar esse argumento em seu favor, ou quando o usam, fazem-no de uma forma tão pouco séria que nem são encarados como parceiros de negociação. Lembram-se do que o Sentieiro disse, a propósito de uma situação em que alguns bolseiros piratearam o website da FCT e divulgaram informação confidencial? "Eu não mais falarei com bolseiros" Sentieiro dixit. O patrão recusa dialogar com os empregados. Il Duce não diria melhor.

Na velha lógica do séciulo XIX, emanada do anarco-sindicalismo, aqui os bolseiros teriam uma de duas alternativas: a greve geral (que não me parece servir os interesses de quem quer que seja, principalmente os dos bolseiros, que são quase profissionais liberais - trabalham para eles, e depois a Ciência, e para os centros, e deixam esse altruísmo para segundas núpcias...) ou assumirem um papel de credibilidade, que só se conquista após se darem provas de maturidade, de objectivos a longo prazo, e de se demosntrar que se consegue assumir um compromisso responsável. Mas não é nada disto que se vê.

Vejamos os factos: existe uma associação de bolseiros, que até já existe há uns bons anos, que mais não faz do que manifestar a sua existência. É completamente autofágica, e serve para existir; não é minimamente representiva de nada, a não ser dos 30 bolseiros (num universo de, calcula-se, 8000...) que habitualmente participam nas demonstrações estalinistas de afecto para com uma causa nebulosa; enverga uma mortalha de pioneirismo balofo, que espelha aquilo que de pior existe na sociedade portuguesa, que é a ruralidade de pensamento, uma apatia envergonhada, uma reactividade pintada de inovação atenta, uma boçalidade e um vazio de ideias e de propostas medonha. E depois faz por aparecer a espaços, uma vez por ano, com actividades de psuedo-manipulação dos media, que só fazem rir de contentamente os ministros e os ministeriáveis deste país. Assim, não vão lá. Aliás, não vamos lá, nenhum dos actores da ciência.

Mas pior do que esta associação, que até tem o mérito de tomar café em grupo, é o panorama da acomodação bolseira. "Há bolsa para além da bolsa", parece ser o pensamento dominante - e isto é particularmente mau, porque não é verdade. Aquilo que era para ser transitório é hoje definitivo, e funciona como um Bojador, para além do qual (leia-se, fim da bolsa) só existe morte, abandono e desespero. Pensa-se a curto prazo, para um período igual ao da duração da bolsa. Vive-se de bolsas; há uns anos rebentou o escândalo dos titulares ad eternum do rendimento mínimo garantido, ou dos profissionais da baixa médica; estou à espera de ver a rebentar o escândalo do bolseiro por tempo indeterminado. Hoje investiga-se porque não se sabe fazer outra coisa, muitas vezes sem brilho, sem dedicação, sem vontade de investigar. "Estou aqui porque o meu curso não tem saídas, e é melhor uma bolsa do que o desemprego" - ouvi isto centenas de vezes na minha carreira. E continuo a ouvir, e tenho a certeza de que ouvirei muitas mais vezes, sem que as "vítimas" identifiquem o agressor e exijam punição adequada. É um sindroma de Estocolmo colectiva, esta patologia de que sofre a maioria dos bolseiros - gostam de apanhar chapada e de ficar placidamente a engraxar os chefes, sem pensar no dia de amanhã. É o triste fado do Calimero, século XXI: "Somos uns desgraçados, mas enquanto houver para copos e preservativos, a vida vive-se..."

E o Estado a pactuar, e a pagar. Copos e preservativos. E os curricula vitae dos orientadores a engordar. Pouca vergonha.

Wednesday, May 23, 2007

A génese da corrupção no Sistema Científico Nacional

A corrupção existe, de modo generalizado, e com o alto patrocínio do Estado. Vou dar-vos um exemplo que pedagogicamente é muito interessante, de tão ilustrativo que é:


Há já um bom par de anos, quando os paineis de avaliação dos projectos da FCT eram ainda mistos (com avaliadores portuguese e estrangeiros, simultaneamente), aconteciam as situações mais bizarras. Ainda hoje acontecem, mas nessa altura era descabido o número de vigarices.

Era extraordinário que projectos dos próprios avaliadores portugueses fossem submetidos a esses paineis. Eu sempre achei que deveria estar previsto um regime de moralização, que impediria que um avaliador submetesse um projecto à área científica que ele mesmo iria avaliar, um sistema de prevenção da corrupção em que quem avalia nunca poderia avaliar os seus próprios projectos. O pior era quando eles vinham aprovados! E não eram tão poucos como isso! E alguns dos "grandes" investigadores da nossa praça fizeram os seus curricula vitae à custa disto, curricula com os quais chegaram às cátedras, e agora mandam nisto tudo, por via da teia de influências e da contabilidade de favores que estabeleceram nesses anos dourados.


Outra situação a lógica do favorecimento ocorria quando estes mesmos avaliadores aprovavam ou faziam aprovar os projectos dos amigalhaços: ex-alunos seus de doutoramento, apaniguados, engraxadores, submissos, investigadores auxiliares, gente que vai ao beija-a-mão, dependentes e indefectíveis cães de guarda. Isto ainda hoje é prática corrente...


Voltando ao exemplo... Um destes grandes senhores, que fazia parte de um dos tais páineis, enviou um contacto a um seu colega de universidade, não do mesmo departamento, que versava mais ou menos o seguinte:


"Caro amigo, se calhar não me conhece, mas sou fulano. Gostaria de o convidar a ser um dos partners do projecto que vou submeter a concurso para financiamento à FCT, e posso desde já garantir-lhe que ele vai ser aprovado, pois eu sou membro do jurí que avaliará os projectos submetidos a essa área."


O aliciado, que não era parvo, e que se calhar ainda teria alguma réstia de escrúpulos, respondeu, igualmente via e-mail dizendo não estar disponível para essas trafulhices. E fez mais: divulgou o mail inicial, o mail corruptor, pelos pares do autor da corrupção, no seu departamento e por toda a Universidade.

Resultado: nenhum, hoje o corruptor é Presidente do Conselho Directivo da instituição onde isto ocorreu. E o painel de avaliação da FCT continua o mesmo, com a excepção de que já não conta com ele como avaliador. Mas não por ele ser corrupto, mas porque hoje os paineis da FCT são internacionais... Em que todos, sem excepção, dos avaliadores são amigos e colaboradores científicos do português que saiu, mas que obviamente mexe os cordelinhos das aprovações.

Uma curiosidade: você sabia que?... os paineis de avaliação da FCT da área de que falo, com a excepção da saída deste indivíduo de que acabei de falar, são exactamente os mesmos desde 2001? A quem serve este estado de coisas?

Pois é, só lamento é que em vez de estas discussões serem tidas aqui, não sejam tidas no MCTES, com a presença do Sr. Procurador Geral da Républica. Mas pode ser que no futuro as coisas mudem, e que alguns destyes senhores comecem a pensar duas vezes antes de enganarem toda a gente.

Tuesday, May 22, 2007

O tamanho é documento

Outro dos assuntos que urge clarificar, denunciar e resolver é a questão das dimensões faraónica de alguns grupos de investigação.

Saiu hoje no jornal Público uma notícia sobre um investigador português que recebeu um determinado prémio internacional, e na resenha biográfica deste investigador, vem a informação de que ele lidera um grupo científico de mais de 3 dezenas de investigadores. Bem, ou aqui estamos na presença de um milagre da multiplicação da caacidade de orientação, ou é mais um exemplo da (des)orientação que é tão comum em Portugal.

Os grupos de investigação, a partir de um dado número de efectivos, entram em autogestão, em que existem um orientador formal, que na prática não orienta nada, e deopois temos os desgraçadas dos subalternos, como investigadores pós-docs ou alunos de doutoramento mais experintes, que fazem o trabalho de sapa. Uns ficam com o mérito, com o curriculum vitae engordado e com a progressão na carreira docente garantida, e com mais cacau no bolso ao fim do mês, e com mais notoriedade nacional e internacional, e com mais possibilidades de ganhar novos concursos e maiores perspectivas de eternizar a exploração... E os outros ficam com a "experiência", e com a batata de se verem nelas se o trabalho dos alunos der para o torto...

Pois é, e se isto me parece incorrecto, mais ainda me parecerá se verificarmos que o Estado, que é quem financia este estado de coisas, sabe da situação e, espante-se, apoia!, pois concede bolsas a mais alunos para entrarem neste carrossel. Um "bom" chefe, aqueles dos estímulos à excelência, é o que orienta trezentos milhões de alunos, no papel, bem-entendido. Um bom chefe é aquele cuja produtividade científica seja de dezenas de artigos por ano, mesmo que nem tenha passado os olhos por eles, ou não perceba um caracol sobre a temática tratada. Um bom chefe é que aquele que aparece na televisão a dizer as maiores barbaridades, evidenciando total desconhecimento e ignorância, mas fazendo um brilharete. Um bom chefe para o Estado, é o pior chefe que se consiga imaginar, cientificamente falando.

Eu acredito que não é possível orientar mais do que 4 a 5 alunos de doutoramento, mantendo actividades docentes e coordenação de projectos. E se calhar sou optimista. Conheço eminências com 8 alunos de doutoramento, e com a responsabilidade acrescida de coordenar 3 projectos nacionais, 1 europeu, e ainda dar 370 horas de aulas anuais. Ora, isto é evidente que algo ficará por fazer, para além da mera perda de qualidade de qualquer uma destas funções. Não é humanamente possível fazer tudo isto, tão simplesmente. E o Estado paga, e continuará a pagar.

A FCT tem coisas engracadíssimas, nomeadamente no que diz respeito ao regulamento de avaliação de projectos. Existe um tecto de disponibilidade acima dos quais nenhum investigador pode estar adstrito. Nenhum investigador pode estar em mais do que 50% do seu tempo, assumindo que os restantes 50% são destinados a actividades docentes, em projectos da FCT ou similares. Pois bem, pessoalmente conheço investigadores adstritos a mais do que 150%, só em projectos nacionais!!! De quer serve regulamentar se não se fiscaliza? De que serve concorrer quando o próprio sistema serve para permitir estas coisas?

Escândalos não faltam...

Monday, May 21, 2007

Ciência da treta ou a cagança científica

Para começar a bater onde elas mais doem, vou colocar à discussão o sempre interessante tema da falsificação da Ciência nacional. Quantos de nós não saberão ou não terão já presenciado verdadeiras engordas de curricula à custa dos imvestigadores junior? Do estilo do chefe pressionar o seu aluno de doutoramento, ou mesmo um investigador pós-doc, a elaborar um projecto, e depois obrigar o aluno a indicar como coordenador responsável pelo projecto o seu chefe ou orientador? Eu considero este panorama terrivelmente lesivo dos interesses científicos e até nacionais, e por várias razões, que passo a enumerar:
a) cria uma distorção inevitável nos critérios de avaliação da ciência; os cientistas junior (chamesmos-lhe assim, sem contudo associar qualquer carga pejorativa a esta definição) nunca chegam a emancipar-se em tempo útil de orientadores e chefes, e quando são avaliados, nunca chegam a ser contabilizados os indicadores da sua real produtividade e, comsequentemente, qualidade;
b) permite a criação de chefes-parasita... e com os quais o próprio Estado é particularmente benevolente, pois isto é uma realidade conhecida até de Bento XVI! Veja-se: são normalmente docentes de Universidades Públicas, logo, funcionários públicos, a quem o Estado paga os salários; quanto mais progridem, mais ganham, e muito provavelmente ganham muito acima das suas reais qualidades - à custa de todos nós;
c) desvirtua o sistema de avaliação da Ciência, pois este sistema, ao levar em linha de conta factores "cegos" (como número de publicações e número de projectos aprovados), não avalia a real proveniência das ideias;
d) permite o estabelecimento de verdadeiros feudos, porque esta situação é de "bola de neve"; quanto mais projectos aprovados se tem (mesmo à custa de alunos ou alegados subordinados), mais probabilidades se tem de novas aprovações. Só mesmo em Portugal é que o crime compensa, à descarada!
e) cria círculos restritos de benefício e exclusão; eu explico: beneficia os amigos, exclui os não alinhados ou os inimigos, que é a mesma coisa; lembram-se do discurso do Presidente Bush, de quem não está connosco está contra nós? Pois bem, na ciência é a mesma coisa. Consequentemente, os poucos que ainda vão tendo vergonha na cara, não vão tendo financiamento para os seus projectos, logo vivem na penumbra;
f) torna-se numa fonte quase inesgotável de mão de obra terrivelmente conformada, com consequências viciosas que colocarei a debate noutra oportunidade.

Se perdermos um bom par de minutos a pensar a quem serve este cenário, poderemos, creio eu, concluir que:
- não interessa ao nosso país; se existe investimento em Ciência, esse deve ser canalizado para os mais aptos, e não para os parasitas dos mais aptos;
- não interessa aos parasitados;
- não interessa ao cidadão comum; se o público soubesse de que valores estamos a falar, rapidamente teríamos um verdadeiro motim social: os projectos financiados pelo Estado português, podem chegar até aos 200.000€. Se concluirmos que este processo de chantagem e parasitismo de que falo abarca dezenas ou até centenas de projectos, estamos a falar de um fenómeno em larga escala. E já sem contabilizar o efeito da corrupção generalizada, que é endógena ao sistema público português, de que falarei noutro tópico.

Então a quem interessa?
- aos parasitas, que são quem obviamente beneficia;
- estranhamente, ao Governo; tem sempre a possibilidade de hastear as bandeiras da produtividade, do investimento, do choque tecnológico, da interdisciplinaridade... Esquecem-se é que se, por hipótese, o sistema actual de corrupção permite ao Ministério invocar argumentos de elevada produtividade científica, caso essa corrupção e essa mentira não existissem, os mesmos índices poderiam ser facilmente multiplicados por 5 ou 10 vezes;
- aos directores dos departamentos onde estas situações ocorrem, nomeadamente nos designados Laboratórios Associados, que mais não são do que uma criação subtil da era Gago de 1ª geração, que criou terras sem lei onde todos os abusos são permitidos; estes "cientistas" de salão podem sempre usufruir da palhaçada e do show off mediático, dos beberetes, da lagosta suada à pala do orçamento de Estado e do POCTI, dos encontros com Universidades estrangeiras reputadas e de algumas despesas pagas, como telemóveis e computadores portáteis para usufruto pessoal.

Tantos temas para discussões interessantes e tão pouco tempo... e tanto previlégio escandaloso para debater.

Falai, é hora do povo se pronunciar.

Tuesday, May 15, 2007

A realidade das Ciências

Nada melhor para começar do que dar o enquadramento real, menos poético, do que este blog pretende ser. Este blog será sempre um espaço de discussão sobre Ciência (ou ciências, como no meu entendimento da pluralidade científica). Pretende igualmente debater as mais profundas causas da descredibilização do sistema científico nacional, e levantar a ponta do véu sobre casos que os cientistas conhecem já sobejamente, relacionados com factos menos claros, abusos ou compadrios na área científica. É pois um espaço descontraído, de escárnio e bemdizer, de partilha de experiências reais, e que possam servir de sinal de alerta para muita das coisas boas (mas principalmente más, que são aquelas das quais nem deveríamos ter assunto de conversa...) que se passam neste nosso meio. Como sou cientista, mas também professor, assumo ter um conhecimento suficientemente profundo para lançar temas a debate, pelo que aceito, sem falsas modéstias (que também são essas que contribuem para este marasmo travestido de chiq modernismo inútil e parasitário com que alguns cientistas vivem à custa dos programas de financiamento público) o papel de guia ao longo desta tão proveitosa viagem. Mas guiar não significa ser proprietário do caminho... E como é a falar que as pessoas se entendem, gostaria de lançar a semente para trepar o tão temido feijoeiro que nos levará ao castelo nas nuvens, de onde se espera que o Gigante, mais tarde ou mais cedo, caia com estrépito.

Monday, May 14, 2007

O início da aventura

E começa assim... Reza a história que Deus deu a capacidade de conhecer ao Homem e que este a utilizou. E desde que a começou a utilizar, até abusar dela foi só um passo. E depois de ter começado a abusar dela, começou a abusar da capacidade que outros Homens também tinham de conhecer a realidade que os circundava. Toda este blog fala disso, da capacidade de conhecer, do conhecimento, das verdades encerradas no conhecimento ainda não conhecido, nos casos conhecidos do conhecimento fraudulento, do engano, do desconhecimento, da decepção - e por isso se chama Ciência, que rima com sapiência, e troça também da falta dela. Porque ao sermos ignorantes, zombamos do Deus e do que ele nos deu, que sendo eu um indivíduo muito pouco crente, mais não é do que expediente para começar a dizer mal dos outros - talvez fosse este o último objectivo do Deus infalível, o de fazer com que em tudo o que dizemos conhecer, só nos detestemos mais e mais. A ver vamos, e até já antecipo as caras de desagrado. O Mundo afinal é tão somente o palco do ódio...

André Silva