Monday, July 2, 2007

As responsabilidades do Estado

As responsabilidades do Estado em matéria de investigação são enormes. Para além de ser, isoladamente, a maior fonte de financiamento para a Ciência nacional, o Estado detém igualmente, por intermédio do Governo, as ferramentas imprescindíveis para que a iniciativa privada passe a ser também um bom investidor na Ciência. A primeira responsabilidade, que é a ocupará este post, é cumprida de forma francamente insuficiente, não tanto pela verba dispendida mas principalmente pelas opções erradíssimas que o Estado teima em tomar, a vários níveis e que apresentarei de seguida.

Começa tudo pelos esquemas de financiamento. Enquanto o Estado previligiar o mérito meramente curricular, de forma cega e sem levar em consideração factores como a idade dos condidatos a projectos científicos, estaremos sempre na dependência de gente ultrapassada mas com nomes míticos no panorama nacional. Serão sempre os mesmos nas mesmas áreas, a ganhar os projectos, nem que estes tenham sido escritos por cientistas mais novos. Estes cientistas mais novos, e perante este estado de coisas, preferem amíude ir ao beija-a-mão para garantir a mínima hipótese de terem algum projecto aprovado, que é o mesmo que dizer ter algum dinheiro para financiarem a sua própria investigação. Há uns anos, recebi um mail que andava a circular dentro de um deerminado Laboratório Associado, em que o seu Director, um cientista senior e do topo da carreira docente pública, "pedia" aos investigadores juníores que incluíssem nos seus projectos a designada "brigada do reumático". Então eu perguntei cá para mim: "Se são tão bons, estes velhadas, para que precisam que sejam os seus alegados subalternos a incluí-los nos projectos?" O facto é que, como eu já afirmei neste espaço, a ciência portuguesa é de fachada, em que quem assina não é quem assume a verdadeira responsabilidade, e como aparência, financiam-se projectos de fulano velho sob a alçada de sicrano novo. E depois estes mesmos elementos da brigada do reumático criaram figuras assaz interessantes, como o gestor do projecto: é o indíviduo que o escreveu, que o deu por motivos hierárquicos a assinar ao seu superior, mas que assume a verdadeira responsabilidade pelo projecto em si, porque o velho não está para se chatear, ou nem sequer tem tempo. Mas tem espaço no curriculum para escrever lá mais duas linhas, na qualidade de investigador responsável pelo projecto XYZ... E no próximo concurso, o velho tem ainda mais possibilidades de ganhar um outro projecto, enquanto que o novo tem cada vez menos. É o chamado generation gap.

Depois, o Estado mesmo sabendo desta situação, já exposta anteriormente, não tem a capacidade de resolver minimamente a questão. Na minha opinião, fá-lo porque não tem interesse em comprar uma guerrilha com os cientistas seniores, dos quais depende para muita coisa. Quando mais não seja, para a copofonia científica. Como para dizer mal, está meio mundo, mas para apresentar alternativas nunca ninguém se assume, eu faço-o: porque não equacionar uma linha de financiamento de projectos científicos exclusivamente com base na idade, uma divisão sub-40, por exemplo? É que simplesmente não se pode colocar no mesmo patamar cientistas (e curricula) de 60 e de 25 anos! Mas eu advogo a criação desta linha sem haver qualquer intenção redutora ou infantilizante, nem de criar uma linha de investigação sub-alterna ou de menos qualidade. Seria somente um artifício no sentido de aumentar a equidade de condições a concurso. É que com o patrocínio do Estado eu já recebi críticas dos avaliadores dos projectos que me rejeitaram uma ideia com o argumento de que o investigador principal (eu, neste caso) é demasiado novo. Estando eu para muito além os 30, com que idade se poderá aceder a este financiamento? Em que alínea este critério se encontra no Edital dos concursos que o Estado patrocina? Como é possível que no mesmo concurso tenha ganho projectos com a classificação de excelente e tenha sido rejeitado por ser "demasiado novo"? Aqui há gato escondido com o rabo de fora.

No seguimento do ponto anterior, temos a corrupção generalizada no processo de avaliação. Como é que o Estado justifica que haja áreas científicas para as quais os jurís são os mesmos de de há 7 anos a esta parte ? Estas dados são públicos, queiram aceder ao historial das avaliações da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (www.fct.mctes.pt) e confirmem. É que à mulher de César não basta ser séria, tem de parecê-lo. E o Estado nem é, nem o parece, nem o quer fazer crer.

Depois temos a questão da regulamentação dos papeis. Em idos de 90 criaram-se os designados Laboratórios Associados, que aliavam uma maior independência de gestão dos projectos e das próprias linhas de investigação com um papel de prestação de serviços aos governos da Républica em matérias achadas de interesse nacional. Então, optou-se por chamar verdadeiras comissões instaladoras das universidades públicas, para fazerem o papel de batedores de terreno. Instalaram-se, começaram as suas actividades de formação, mas... ainda hoje lá estão, porque ocupam luigares chave, e deles não abrirão mão tão cedo. Não lhes interessa a criação de uma verdadeira carreira de investigação, pois será sempre mais um obstáculo ao exercício do poder a divisão desse mesmo poder com investigadores de carreira, cuja única ocupação é investigar, ter projectos financiados e orientar alunos. Como o dinheiro é poder no seio destas instituições, um investigador sério e competente (caso tenha muitos projectos) pode fazer perigar a posição de um professor-barão, e colocar em risco a hegemonia institucional. Sou francamente favorável à criação de uma carreira de investigação séria, baseada em pressupostos estratégicos e em garantias válidas no que diz respeito às questões laborais. Agora definirem-me investigador auxiliar como "um pós-doc com mais um bocadinho de autonomia", como um elemento da direcção de um laboratório associado me definiu um destes investigadores é que não.

Lançarei mais questões pertinentes no próximo post.

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