Sunday, June 6, 2010

Comentário no Jornal Público (06/06/2010)

Os governos portugueses, de hoje e de amanhã, não vão criar condições nenhumas que impeçam a fuga de cérebros. Por uma simples razão: quantos menos os esclarecidos a cá ficar, menos reclamações e menos probabilidade de perder eleições. Vejam o exemplo da ciência: onde haveria maior possibilidade de fizar cérebros? O Estado é quem atribui maioritariamente bolsas de investigação, e que cria condições para a fixação de gente em Portugal. E o que faz? Congela carreiras nas universidade públicas, fomentando a mediocridade, o compadrio, o imbreeding, o pagamento de favores - no fundo, a total ordinarice da apropriação da coisa pública por um conjunto de pessoas, mais ou menos organizado, no sentido de retirar o maior proveito para si e para os seus. E o Ministro sabe? Claro que sabe, e compactua com isto. Então se esta é a atitude vigente, acham que irá mudar quando tanto alguns ganharam e ganham? Em comissões, em vencimentos, em ajudas de custo, em participações, em pareceres, em estatuto, em promoções?

Notícia completa em http://www.publico.pt/Sociedade/observatorio-emigracao-aconselha-governo-a-criar-condicoes-para-evitar-fuga-de-cerebros_1440738

Monday, May 31, 2010

A lata da falta de modelos

Não há dia nenhum em que não seja confrontado com charlatões. Parece uma epidemia. São tantos que já nem os conto. Fazem tanto e tão pouco que metade deste país é constituída de charlatões e a outra metade vive, de bancada, a vê-los. Um case study que justifica que sejamos investigados pelas nações Unidas.

Em terra fértil, basta a semente. Em Portugal, basta um chico esperto para fazer vingar a ideia de que a chico-espertice é um bom lema de vida. E eles multiplicam-se, ao arrepia do bom senso, da educação que os nossos pais nos deram, do que o sociedade convencionou ser o certo e o errado, do que a Igreja Católica papagueou. Enfim, hoje há gente que parece que só vive para o estrelato efémero de dizer baboseiras, e ascender a cargos de poder por isso.

A mim, ensinaram-me que os modelos devem ser impolutos, quase imateriais, e inumanos, intangíveis e inalcançaveis no seu desempenho, abnegação, dedicação, desinteresse e conduta moral inatacável. Portanto, ser modelo nunca estaria ao meu alcance, mas seria bom que perseguisse essa via, que seria garantia de um dia vindouro não ser recordado pelos meus filhos como um escroque. Seria sempre melhor viver e morrer a tentar, do que conseguir o que não me poderia estar atribuído, talvez por eu não ser suficientemente bom ou que, simplesmente, não tivesse mérito para tal. Mas deveria tentar, tentar sempre, e mesmo que fracassasse, nada me satisfaria mais do que um joelho esfolado, a tentar ser melhor. Ir mais além, superar-me, vencer com lealdade, tanto os outros, como a Natureza, e acima de tudo, vencer-me a mim mesmo.

Cresci a pensar assim, mas já com um olho na conta bancária. No entanto, honestidade é um conceito tão sólido como o ar que se respira. E mesmo que houvesse dúvidas, num momento ou noutro, bastar-me-ia cheirar o odor do modelo, do seu suor, do seu sofrimento, e a direcção do norte da justiça moral e ética foi-me sendo, sempre, revelado. E assim fui, e vou andando.

O que eu acho estranho é que haja tamanha falta de modelos em tanta gente. Alguns até conheço os pais, e fico por vezes a pensar no que ali terá falhado. Filhos de gente trabalhadora, humilde, sem ensejo de grandes vôos ou vigarices, criaram (sem educar) um filho que mais não é do que um estupor. Um maquiavélico ser de egoísmo puro, que vende a alma dos seus pais para prolongar um momento breve de fama pequena. Gente para quem a vergonha, o pudor, ou o temor de fazer fraca figura não existe. Não existe também a noção de que mentir é feio ("pimenta na língua"., onde estás tu?), de que a soberba não se usa, que a superioridade em qualquer assunto demonstra-se sem se apregoar, que a justiça deve estar a impregnar os nossos discursos. Gente oportunista, hipócrita, falsa e mentirosa, intelectualmente diminuta, capaz das maiores vilanias para se sobrepor ou para aparecer nas passerelles. gente sem qualquer réstia de moralidade, sem conhecimentos para abrir o bico - mas contudo, fazem-no. Gente pobre, estúpida e mesquinha, vaidosa, que corre a esconder as suas infinitas fragilidades, que se adapta, qual camaleão, a todos os ambientes, sem demonstrar enfado. Que forma mais sibilina de estar. Que topete. Que descaramento têm alguns destes travestis.

Tuesday, May 25, 2010

Como se regula a ditadura?

Desculpem lá, mas eu dou voltas e mais voltas e não consigo encontrar uma resposta plausível para uma questão que me atormenta. Quem elege (ou nomeia) os directores dos laboratórios (ou departamentos ou serviços) que constituem os Laboratórios Associados? Porque esta posição de chefia deve ser o órgão menos democrático, menos transparente e mais sujeito a compadrios em toda a função pública. Parece que teremos de arcar, qual karma, com estas vacas sagradas que se instalaram alguns há décadas, e que secam tudo em seu redor. Que eucaliptos científicos. Mesmo velhos, carcomidos pelo tempo, ou até loucos (conheço alguns e desenvolvi uma certa desconfiança intelectual por eles), será que se podem eternizar para além de um qualquer limite do razoável? Se gerem a coisa pública, como decerto fazem, deveriam estar sujeitos a um qualquer tipo de escrutínio. No mínimo, dos pares em eleições. Uma vez director, eternamente director? Sendo cargos de elevado desempenho (supostamente...) será que não deveria haver competição com base em competitividade para os desempenhar?

Alguém sabe como se regula esta aparente monarquia inconstitucional?

Monday, May 24, 2010

Contentes estamos nós todos...

Anda o Sr. Ministro contente, e nós também deveríamos ficar contentes: quando o Ministro dos cientistas se alegra, deve ter razão bastante para tal. Pois, mas isso seria num país à séria, não aqui nesta enxovia intelectual.

Então não é que publicámos logo aos 7 mil papers de cada vez? Campeoníssimos, é o que somos todos, uns verdadeiros exemplos de como do quase nada fazer muito. Então não é que um país que não investe nos seus jovens cientistas consegue ter aumentos explosivos (Ministro dixit) do número de publicações? Isto até parece um contrasenso sindical: "Ministro, daí-nos fome e nós trabalharemos ainda mais". Se o raio da moda pega...

Pois bem, veneno aqui vem ele. Este é o País das idiotices, e é deste pressuposto que parto para mais esta análise crítica. Os bolseiros, justiça lhes seja feita (palavra de ex-bolseiro, que aqui me confesso), são os grande obreiros deste trabalho. Eu cá escrevo projectos e artigos, e partilho de forma pouco equitativa o trabalho prático com os meus colegas assalariados da FCT. Fico triste, mas cada vez menos ponho a mão na massa... Talvez até dissesse "servos da gleba" da FCT, caso não achasse que feriria susceptibilidades. E são estes obreiros que andam desde 2002 a ganhar o mesmo, que por manifesta paixão e abnegação (pelo menos a maioria, os da "família" de um post anterior não contam para estas estatísticas) ainda se dedicam às lides do laboratório. Paixão assolapada, pois é impossível fazer isto por outro motivo que seja. Dinheiro? Nunca, nunca se ganhou tão mal na Ciência como hoje; segurança? Não, essa é para as cátedras, ou, vá lá, de associado para cima; Vaidade? Também não creio, quem é vaidoso quando passa fome? Então algo vai profundamente mal neste pequeno reino, quando um Ministro publicamente assume que está a ministeriar uma horda de competentíssimos profissionais, que pouco mais recebem no fim do mês do que pipocas. Tanto fogacho, mas tão pouco cacau. E não é com foguetório, Sr. Professor do Técnico, que se pagam as contas da luz. Mas o Senhor sabe, aliás não saberemos todos?

Portanto, não consegue esta notícia da suposta felicidade do Sr. Ministro arrancar-me mais do que um leve sorriso cínico. De quem continua a ver uma caravana de perfeito feudalismo a avançar por rotas neoliberais, e a navegar num mar instável que se encapela a cada sopro. Isto está a chegar ao escolho, e quando um dia o casco bater no fundo, teremos sempre os mesmos usurários da desgraça alheia a vociferar que o País é pequeno, inculto, pobre, atrasado, que nunca cimentou um verdadeiro sistema científico, que as empresas não têm dimensão para investir em Ciência, que temos de aproveitar é o Sol e o Mar... já quase parece conversa de Zézé Camarinha, mas a esse não lhe pagam para mandar no País, pois não? Mais vale fecharmos a tasquinha para balanço, despedir todos os cientistas de vez, saldar as dívidas para com fornecedores, e de uma vez por todas assumir que isto de fazer ciência em Portugal foi uma miragem, ou um sonho de uma noite de Verão. Efémero e leve. Mas que
ao menos não sirva para engalanar as naus, ou para fazer boas figuras. Todos sabemos quão desagradável é a realidade.

Ainda vamos a tempo, honestamente acredito, mas não é com solidariedade bacoca e da treta que ganhamos a confiança das pessoas, cientistas e bolseiros incluídos. As pessoas precisam de reconhecimento "cifrónico". E de outras coisas, que falarei na próxima oportunidade. Não acha, Sr. Ministro?

Thursday, May 20, 2010

As manadas, o seguidismo e as novas religiões

Sempre fui contra grupos acríticos, que seguem os seus Messias sem questionar, hipotecando os seus futuros de forma cega e sem acautelar a queda. E sem rede, o chão duro do cimento da vida magoa - e bem.

Na Ciência há muito que constatei a existência de rebanhos, de manadas, de seguidismos, de cães de guarda, de seitas semi-religiosas, em que pastores mais ou menos habilitados na antiga arte da pastorícia apacestam os mais frágeis, ou mais idiotas. Um dado neófito cresce, alimenta-se da massa cinzenta de uns poucos alunos, e está o guru criado, o mito eternizado, e a estupidez emoldurada em talha dourada. Criam-se assim as religiões dos tempos modernos, em que os fiéis e devotos contemplam de perto o idolatrado, o Cientista chefe, e se apaixonam pela sabedoria e cultura, qual tigre de papel, que frequentemente povoam órgãos de comunicação social e cátedras. E depois de criar a religião, faltam os apóstolos, as visões apócrifas, os livros sagrados, o conceito de pecado e de sacrilégio, e de sacramento, cria-se toda uma parafernália de pequenos nadas que servem o propósito de agradar e louvar ao Deus recém criado.

Que nojo. Muitos destes supostos mártires, daqueles que têm lugar cativo nas mais variadas conferências, seriam de facto reconhecidos com base única e exclusivamente no mérito? Quantos são uns ignorantes, bem falantes, televisionáveis, universitários do arroz de quinze, que nunca tiveram concorrência à altura, e que se instalaram porque não havia sombra e o solo era fértil? Quantos, caso tivessem hoje de provar o que valem, estariam sentados na poltrona desse Vaticano em que teimam em colocá-los? É de desconfiar quando vemos alguém que fale de tudo. Não sendo um papagaio, será decerto um charlatão, e para ver artes circenses, prefiro de longe o circo. Ao menos não sou enganado, sei ao que vou, e ainda posso ver mulheres com barba.

Mas é difícl de abalar os pedestais, principalmente quando quem os cria nem tem perfeita consciência de que está a alimentar egos, e a acariciar a vaidade destes verdadeiros mercadores de ilusões que constituem a nossa praça - com a agravante de os verdadeiros peritos ficarem na sombra, com vergonha de particpar em embustes e feiras de vaidades, ou no backstage, à espera de uma oportunidade que nunca surgirá enquanto o guru presidir à missa, ou ao festim de ignorância em que tanto gostam de participar. Algumas conferências fazem-me lembrar autos de fé: queimam-se oportunidades, para gáudio de ignorantes amedrontados de ver mais além.

Criaram monstros? Agora amanhem-se.

Sunday, May 9, 2010

Comentário no Jornal Público (09/05/2010)

(http://www.publico.pt/Ciências/mariano-gago-no-mundo-da-investigacao-cientifica-nao-ha-certezas-para-o-futuro_1436173)

Mas que tremenda hipocrisia. Isto é o total desplante. Então de quem tem um acordo vitalício com o IST podem vir este tipo de afirmações? Isto evidentemente pode ter várias leituras entre as quais se destaca a seguinte: o Ministro não publica, logo não é cientista, logo faz sentido ele poder ter um contrato sem termo. Mas há aqui algo estranho: um Ministro que há poucas semanas anunciava publicamente o fim da precariedade dos pós-docs, e que quer criar vínculos contratuais, vem agora dizer que nunca haverá estabilidade? Em que ficamos? Aliás, a premissa de que é necessaria instabilidade para produzir ciência é uma falácia. Eu acredito honestamente no contrário: alguém com um vínculo precário não está interessado em criar, mas sim em cumprir os objectivos inscritos no seu projecto particular. Se pensarmos um pouco, poderíamos estender esta lógica viciada a qualquer actividade, e passaríamos a ter uma sociedade de precários. Depois, a criação das posições de investigadores auxiliares, previstos nos esatutos das Universidade de cariz fundacional, não visam também a estabilidade? Mais uma vez, vamos sem rumo aparente, e só o Ministro sabe que lógica é esta. Visitem o blog Scientias...

A família

A família ainda é o que era... e pela família fazemos todos os sacríficios, incluindo continuar a ver a família dos outros a orientar-se à conta do dinheiro de todos e a todos prejudicando.

Mais um caso paradigmático, que me chegou aos ouvidos. Uma dada senhora, que por linhas travessas (assuntos de alcova, entenda-se) passou a fazer parte de uma dada família de supostos iluminados, docentes de uma dada universidade pública portuguesa. Como estava numa de ciência, e até nem era burra, concluiu a sua tese de doutoramento, como aliás, 99% das pessoas que se propõem fazê-lo. Esta ciência é a tal mesma ciência-chique que alguns gostam de apregoar que fazem, quando têm muito dinheiro e não precisam de contribuir para o bem estar da sociedade. Mas fazem-no, para demonstrar o quão bons católicos que são, que dedicados, que esforçados, que inteligentes, e que cidadãos exemplares, e porque se correr mal e a bolsa acabar, hélas!!, o paizinho, a empresa da família, o status social, ou a família do marido hão de vir em nosso auxílio, e resolver tudo. Bendito pára-quedas genético. E ainda dizem que o dinheiro não traz felicidade. É que neste Portugalzinho das cunhas e dos favores ainda há gente hipócrita ao ponto de se achar no mesmo barco dos que fazem certas coisas por pura necessidade ou por vocação: "vejam, eu estou ao vosso nível, eu também sou pobrezinho. Eu podia estar a receber 10000€/mês na empresa do meu pai, mas não, quero fazer ciência e estou a receber uma bolsa de 980€ mensais, mas só durante 4 anos, porque a seguir tenho mesmo de ir receber os tais 100000€/mês. Que bom que foi conviver com os pobrezinhos, tanto que aprendi a pôr a mão na massa e a trabalhar a sério, uma vez que fosse. Mas vamos lá acabar com isto, que me estão a rebocar o Aston Martin que deixei estacionado em cima do passeio."

E então, pôs-se as influências a funcionar. Nessa universidade, não há contratações há alguns anos, mas curiosamente vão entrando alguns. E recebem por isso. E esta criatura de que tenho conhecimento já lá está, sem concurso, sem reunir condições para lá leccionar, pois era uma recém doutorado sem qualquer experiência docente no momento do "convite". Mas está lá, de pedra e cal, enquanto que os sem sangue azul estão cá fora. Uns com bolsas, outros sem, uns desterrados, outros desempregados, e a maioria frustrados. Digam-me lá se não vivemos no obscurantismo.