Sunday, March 1, 2009

Comentário no Jornal Público, 1 de Março de 2009 (http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1367196&idCanal=58#Commente)

Para além de uma questão de avaliação e caracterização do cenário, que não será assim tão estranho, pelo que a investigadora garantiu cientificidade em algo que a todos nós que somos docentes do Superior já sentimos há muitos anos, eu gostaria de ver um estudo em que fosse estabelecida uma relação causal entre esta situação e os danos para o País que dela advêm. O Estado, por intermédio do Orçamento de Estado, paga o Ensino Superior Público. E depois este mesmo Ensino Superior Público, funciona como mais um factor de diferenciação social, eternizando espirais de pobreza, ou pelo contrário, conferindo títulos nobiliárquicos sempre às mesmas famílias? HÁ aqui uma enorme reflexão a fazer, há que repensar este modelo de acção social escolar, há que equacionar alternativas, há que combater as fraudes no ensino secundário privado, há que combater a influência. Porque tudo isto se repercute depois a vários níveis: eternização de classes dominantes (como a médica), frustração nos candidatos, afastando-os de carreiras para as quais até poderiam ser talhados, e um prejuízo técnico-científico gigantesco, que representa talvez a maior desgraça do nosso País. Mais em scientias.blogspot.com.

Monday, February 23, 2009

As tropelias de um investigador auxiliar

"... e é assim que o Governo quer alavancar o emprego científico. Viveram felizes para sempre."

Podia começar assim o presente post. Eu que até gosto de cascar na pseudo-esquerda que se constitui governo, essa mesma do gestapiano Santos Silva, sem que muitos eleitores se tenham apercebido em tempo útil, i.e., à boca das urnas. De aldrabice em aldrabice, de bem estruturada campanha de marketing em bem elaborada tomada de posição televisionada, cá vamos nós, sem pre a fazer um esforço por engolir a já costumeira posta de bacalhau envolta em paprika de corrupção, que isto de cá passarmos sem levarmos o que de bom tem a vida, não é viver. E de facto o nosso país é naturalmente pródigo em casos de non-sense que fariam qualquer outro cidadão do Mundo rolar de tanto rir, e desistir de trabalhar por tempo indeterminado. Talvez até seja essa a intenção de quem nos dirige, aparvalhar-nos progressivamente até à exaustão intelectual, tanto por intermédio de um discurso ora kafkiano, ora simplesmente esquizofrénico, mas que nos leva a duvidar se ouvimos bem o que pivot dos telejornais acaba sempre de anunciar.

Tenho amigos que são investigadores auxiliares, com os quais privo de forma regular. Na semana passada, estava em amena cavaqueira com um deles, quando casualmente lhe perguntei qual a sua situação. Respondeu-me que iria assinar brevemente o seu 3º contrato consecutivo como investigador auxiliar, e que depois disso, mais uma vez e invariavelmente, não sabia o que o futuro lhe reservava. Chamo a vossa atenção para a reconhecida qualidade deste investigador, que até nem é Português. Começou depois a desfiar o rosário dos disparates habituais a que o nosso Ministériozinho já nos habituou. Todos sabesmos que estes contratos são assinados a 3 + 1 + 1 (anos, leia-se). Enquanto que a ideia original teria sido umae xtensão de um contrato por 10 anos, a realidade foi de tal forma distorcida que temos esta modalidade estranha, mas que tem justificação tanto na falta de inteligência do Governo, como na sua cobardia. Toda gente sabe que contratos a prazo só se podem renovar até um máximo de 3 vezes, excepto se vier lá explícito o contrário. No entanto, e como o Governo receia ter de arcar com mais algumas centenas de funcionários públicos, e relativamente bem pagos (embora o benefício para a Nação seja largamente superior ao que se retira da maioria dos 230 deputados do Hemiciclo, que até recebem mais... e reformas por inteiro após 8 anos, tanta porcaria, doce porcaria) então engendram-se aqui uns contratos de tal maneira sui generis que não se enquadram na lei geral do País no que toca ao regime laboral. Já bastava de termos só investigadores precários, agora até temos tratamento de excepção para os nossos investigadores!! Aberrante, mas de facto de notória excepção.

Nesta coisa de contratar investigadores, houve até alguns laivos de manifestações típicas dos efeitos de alucinogéneos: por incompetência manifesta, houve pagamentos realizados a alguns investigadores auxiliares em LAs deste país que estavam manifestamente errados, para cima!!! E estes investigadores, quando se aperceberam que tinham ganho alguns (muitos) milhares de euros a mais, não fossem eles portugueses, ficaram com o dinheiro. Se calhar, apoiaram-se na jurisprudência de que "ladrão que rouba ladrão...", e ultrapassaram o sentimento de culpa que lhes assolou decerto os seus corações impolutos. Que circo... mas isto não fica por aqui. Como alguns receberam muito a mais, outros houve que não receberem nada, nem sequer o subsídio de férias a que tinham contratualmente direito. Resultado: "será tudo pago no ano vindouro", palavra de gestor da coisa pública. Pois, e foi. Mas quem paga esquece-se do mundo real, aquele a quem temos de prestar contas do que ganhamos e que se chama IRS. Pois bem, estes senhores a quem se pagou indevidamente o subsídio de férias no ano seguinte, viram o rendimento bruto aumentado, pelo que passaram a estar abrangidos por um escalão superior em sede de IRS, pelo que descontaram mais.

Mais: esses investigadores, outrora bandeiras da modernidade do Sistema Científico Nacional, são hoje encarados como indesejáveis, à luz no novo regime jurídico, fundacional, que baliza o panorama universitário público nacional. Centros que os contrataram, e que com eles assinaram contratos, passarão num horizonte próximo a ser unidades orgânicas das Universidades, e casos há em que algumas destas não querem assumir qualquer responsabilidade em manter esta gente. É claro que podemos aqui especular porquê: excesso de qualidade dos investigadores, impossibilidade de estarem sob a alçada do feudalismo vigente (não pertencendo à carreira docente, não estão sujeitos aos caprichos e chantagens das cátedras), independência científica, salários que serão mais um encargo, alguma dose de irreverência saudável. Enfim, são hoje olhados de soslaio por serem aquilo que se pretendia que fossem: bons.

Que circo.

Friday, February 20, 2009

Voltei de lá

Voltei de lá, que é como quem diz, voltei de um longo período de ausência em que simplesmente achei não ter suficiente inspiração para continuar na senda da denúncia. Não porque houvesse falta de motivos (essses são sempre bastantes e assaz interessantes - onde já se viu que a porcaria pudesse acabar?), mas cheguei a um ponto de equacionar o porquê da coisa. Neste caso, o porquê desta "coisa" de chamar os bois pelos nomes. Como todos, sem excepção, somos acometidos por uma imenso cansaço e vontade de parar, principalmente quando achamos que corremos sozinho, fiz esta licença sabática exactamente no sentido de re-avaliar o cenário que me fizera empreender a viagem. Reflecti, vi, apreendi, aprendi, e eis-me chegado novamente ao ponto de partida. E porquê? Exactamente pelo facto de que nunca estivemos tão mal. Ou seja, voltei de lá. De onde estive. Do atoleiro em que a Ciência tarda em erguer-se.

Para além de todas as situações embaraçosas, hilariantes, dramáticas, trágico-cómicas, absurdas, enternecedoras que vivi e que descrevi, nada ultrapassa as mais recentes revelações. Então não é que andam aí investigadores que ganharam posições no âmbito do programa Ciência 2008 que se doutoram no dia em que saem os resultados das contratções desse mesmo programa? Então não é que hoje até há doutorados sem licenciatura? Mas o que se passa no reino da macacada? Vamos por partes...

Licenciatura era, no meu tempo, condição sine qua non, para candidatura a um doutoramento. Aliás, era necessário compilar um gigantesco dossier de quase 2 kg de papel, fazendo prova das nossas alegadas habilitações literárias para que os Conselhos Científicos das instituições de ensino superior acreditassem que éramos quem reclamávamos ser. Legitimamente, diga-se de passagem. Não é por querer ser astronauta que o posso ser. Então, criaram-se regulamentos de acesso ao grau de Doutor que impediam o cançonetismo nacional (para não dizer "os verdadeiros artistas") de lá chegar. Pois bem, é que há artistas e "artistas", e há artistas mais dotados do que outras para algumas artes. Há artistas tão bons que chegam ao ponto de não concluirem licenciaturas, e conseguir uma aprovação (vá lá saber-se como, talvez depois do almoço...) de algumas pessoas que deviam estar mais atentas, ou menos sujeitas a cunhas, e que permitem que sejam aceites como alunos de doutoramento. E como em Portugal a exigência é muitas das vezes letra morta, quando se inicia um doutoramento e se tem resistência para aturar a parvoíce da burocracia das instituições públicas, e os maus humores de chefes e azedumes de funcionários admisnitrativos, é quase meio caminho andado para se chegar ao fim. E o fim é apoteótico: grau de Doutor. Por extenso, como convém, para enganar a populaça.De capa e espada.

Depois, a outra metade da alarvidade. Cuidado que nós andamos atentos, parece é que as autoridades não. Senão vejamos: o Compromisso com a Ciência prevê a contratação de doutorados prevê a contratação de gente para suprir as necessidades do sistema científico nacional. O Programa Ciência 2008, apontado como a panaceia por parte do Governo no que diz respeito ao emprego científico, foi apresentado publicamente por um Sr. Sentieiro. Nessas apresentações feirantes foi divulgado como a golden opportunity para doutorados que o fossem há mais de 3 (três, por extenso, para não acharem que me equivoquei a teclar), e a malta acreditou; abriram-se vagas, e a malta concorreu; criaram-se expectativas, e a malta acreditou; foram-se os prazos, e a malta desesperou; saíram os resultados, e malta caiu nela, de que de facto a vida em Portugal não sai do trilho do costume. E com ares de escândalo. Não é que os mesmos pseudo-licenciados concorrem, ganham as vagas, e defendem o doutoramento, e exactamente nesta cronologia??? Não andemos a enganar o povo, e lembrem-se de Guy Fawkes: há-de haver sempre pólvora, para mandar pelos ares a trampa que alguns insistem ser. É só uma questão de tempo.