Friday, November 9, 2007

Comentário no Jornal Público 9/11/2007

Vou dar início a uma nova prática: sempre que comentar ciência em órgãos de comunicação social, colocarei aqui o post correspondente. Vou começar a fazê-lo porque lamentavelmente, o jornal Público, com um editorial outrora isento, alinho muito convenientemente pelo diapasão socrático, o que é o mesmo que dizer que, no âmbito da nossa Ciência, cala muitas vozes dissonantes. Como a blogosfera (ainda) é relativamente livre, escrevo simultaneamente aqui.

Como comentário à notícia que dava conta de uma acusação do Sr. Reitor da Universidade de Lisboa ao Ministro da Ciência, sobre a questão da desorçamentação das universidades em detrimento dos acordos firmados com instituições americanas (disponível em http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1310104&idCanal=58):

"Eu encho-me de rir com a surpresa que o Sr. Jornalista quer fazer criar nos leitores. Toda a gente sabe que o meio universitário está absolutamente corrompido, a começar no MCTES e na Direcção Geral do Ensino Superior e a acabar nos alunos, sejam eles de licenciatura ou de pós-graduação. É um sistema que não é avaliado decentemente, que não estimula a concorrência e a competitividade sãs, que favorece o amiguismo e o compadrio... Há situações que são verdadeiros casos de polícia. Só que nada disso é novo, e o jornal Público (bem como muita da comunicação social portuguesa; já agora, tenhm por favor a decência de não me censurarem, como já aconteceu quando estou tão bem disposto como hoje) não investiga porque não quer!!!! Eu já me disponibilizei para dar dados, que funcionariam como provas irrefutáveis do total comprometidmento de muitos professores e cientistas da nossa praça com prática ilícitas ou moralmente condenáveis, e o que é que o Público fez? Rigorosamente nada. Ao menos que nos valham os blogues, como o scientias.blogspot.com que escrevo, que vai servindo para discutirmos num tom simpático as malfeitorias que se fazem em Portugal.Em relação ao assunto de hoje, tem toda a razão o Sr. Reitor: negoceiam-se contratos mirabolantes com os americanos (por mim, até podiam ser chineses, mas o facto é que são americanos - para não me acusarem de anti-americanismo) quando não são capazes de garantir o próprio financiamento nacional para os grupos de trabalho de excelência em Portugal!!! Haverá maior contra-senso??? Os leitores vão a www.fct.mctes.pt e vejam com os própiros olhos: concursos fechados em 30 de Setembro de 2006 ainda não foram avaliados!!! E os investigadores vivem de quê, no entranto. Sr. Ministro? Somos professores universitários e investigadores, mas não somos burros. Não nos leve a mal a franqueza, mas algo está profundamente errado com o que tem andado a fazer."

Monday, November 5, 2007

A epidemia de Santiago

Na ciência grassa uma epidemia de há alguns anos a esta parte que ameaça inquinar ainda mais o ambiente científico nacional. É particularmente evidente nas universidades e politécnicos privados em Portugal, onde muitos dos alegados doutores mais não são do que doentes terminais infectados pelo vírus debilitante de que vos quero falar no post de hoje.

Refiro-me ao vírus de Santiago de Compostela. Foi um vírus de comodidade, que se instalou progressivamente por aqueles que sonham com os prazeres dourados de um doutoramento, mas que as voltas da vida nunca permitiram a concretização desse sonho. Melodramático, belo esse sonho. Mas felizmente, o sistema de ensino nacional teve a virtude de impedir quem manifestamente não tinha qualidade de se doutorar, até que este vírus minou o pouco de bom que as universidades nacionais foram fazendo. E fê-lo de modo subreptício e lento, foi paulatinamente sendo instalado um clima de que "existia uma alternativa ao esforço", de que era possível, com pouco tempo e com alguma facilidade, frequentar umas aulitas, distribuir uns inquéritos, modelar umas ideias, fazer uma prelecção mais ou menos longa e entediante, sem contudo produzir resultados de monta, e pimba!!!, obter o tão desejado, o tão perseguido, o tão almejado grau de doutor. Pois, e tirar o lugar, e usurpar o mérito dos verdadeiros doutores. Porque o objectivo não é mais do que este: ter o grau para ganhar mais!!! "E a Ciência"? perguntarão vós. Eles querem lá saber da Ciência!!! Querem é massa!!!

Um colega, obviamente envergonhado, confessou-me uma vez ter-se inscrito num desses programas doutorais, que ele enaltecia como sendo "um destes doutoramentos feitos para quem tem mais o que fazer do que andar a perder tempo com investigação, adequado a pessoas com vida e com família, e que não exigia mais do que umas duas horas por semana". A sinceridade é um valor que prezo...

Hoje vivem-se tempos de rebaldaria, em que qualquer imbecil com o dinheiro para pagar a propina se acha no direito de se intitular "doutor" (de Santiago, naturalmente), mas sempre "doutor". E acham-se no direito de se equiparar àqueles que, de uma forma abnegada e dedicada frequentaram centros de investigação reputados em qualquer lado do Mundo, e que souberam o que foram as reais exigências da investigação científica de bancada durante anos a fio, que escreveram projectos científicos, que publicaram artigos, que patentearam bens e produtos, que se transformaram em Doutores por mérito próprio. Que estudaram, que se dedicaram, que criaram real conhecimento com o objectivo de o partilhar com a Humanidade... enfim, esses valores em desuso que assentam sobre o prazer do trabalho, da conquista, do objectivo atingido, da dignidade e do mérito.

O que é mais lamentável é que este País, ou os seus responsáveis educativos, não estabeleçam reais critérios distintivos entre os doutores reais e os do faz-de-conta. Os reconhecimentos tácitos chegam ao ponto de haver politécnicos privados em Portugal a oferecer no cardápio Doutoramentos (coisas que legalmente não podem fazer, devido ao simples facto de não constituirem ensino universitário) em "parceria" (como eu gosto deste conceito, que serve tantas vezes propósitos duvidosos ... estilo "fazes tu, usufruo eu") com a Universidade de Santiago de Compostela. Para além disto, que diz respeito ao meu país, também lamento que a universidade galega se preste a este tipo de papel, de agente contornador da lei portuguesa.

Não haja dúvida: estamos perante uma fraude, em larga escala, que favorece os incapazes. Onde se encontra a Ditecção Geral do Ensino Superior, e as mais altas instâncias do Ministério da Ciência, da Tecnologia e do Ensino Superior? Basta de vigarices, basta de tolerarmos situações duvidosas e manifestamente deploráveis, que abastecem o País de incapazes graduados e enchem os corpos docentes de gente falsamente habilitada.