Monday, March 31, 2008

Para a frente é que é o caminho

Pois é, e está chegado o tempo de falarmos de soluções. Soluções para lutar contra este estado de coisas. Gostaria assim de congregar, sob um mesmo chapéu, todos os cientistas honestos. Os outros estão nas cátedras... e noutros sítios.

Muitas vezes, no decorrer de discussões mais ou menos acaloradas com os meus colegas docentes e bolseiros, depois de uma sessão em que carpimos todos as mágoas e estabelecemos todas as comparações deste panorama com o fascismo, surge invariavelmente a questão: "mas afinal o que é que nós podemos fazer?"

A primeira coisa é debater estes assuntos. Sem haver a certeza de que isto é generalizado, de que a corrupção se instalou, de que existe falta de qualidade em muitas das nossas vacas sagradas que invariavelmente aparecem na televisão, então nunca poderíamos concluir que temos um problema. Qualquer participante de grupos de discussão de problemas sabe que o primeiro passo para a sua resolução é assumirmos que estamos, de facto, em luta com um problema. Creio ser já ultrapassada essa fase, pois a seriedade da questão do atraso estrutural do nosso país em termos científicos é flagrante.

Depois, o segundo passo consiste, na minha opinião, na denúncia de alguns casos demasiado escandalosos para passarem impunes. E quando falo de denúncias falo ao mais variado nível: quanto tiver acesso a casos documentados de corrupção (e acreditem que é só uma questão de tempo até os termos) farei uma exposição ao Senhor Procurador Geral da Républica, Dr. Pinto Monteiro. Ou isso ou enviarei um envelope cheiinho e gordinho à Polícia Judiciária, e caso fique com a sensação de que não hÁ desenvolvimentos satisfatórios, enviarei cópia à comunicação social. Infelizmente, e aqui falo com experiência própria, a comunicação social em Portugal aprecia escândalos de futebol, de costumes, de sexualidade alegadamente desviante, de corrupção nas obras públicas e problemáticas de fundo de danças de cadeiras parlamentares, como viagens fantasma e afins; já sugeri a vários órgãos de comunicação social que façam investigações sobre a temática da corrupção na ciência, e inclusivamente predispus-me a dar dados que lhes faciliariam o processo, e até hoje nada! Mas não desanimei, naturalmente, pois o objectivo de trazer à barra as malfeitorias de décadas, e as consequências inestimáveis e incalculáveis para este País que daí advieram, são de extrema importância.

Outra resposta assenta na organização de um processo de resistência informado. Se estas dicussões não são tidas, se os alunos que ingressam na investigação não sabem o que se passa, temos aqui terrenos férteis para a instauração de um ditadura subterrânea, de silêncios comprometidos. Obviamente, este último ponto conta com a vontade de as pessoas em serem informadas; conheci muita gente que preferia viver na ignorância do que ter conhecimento e ter de tomar uma atitude. Eu sinceramente acredito que é preferível saber, do que não saber, com eventual sacríficio no nosso bem-estar e do nosso tempo. Mas será que estaremos todos dispostos a perder a face todos os dias, e a sermos vigarizados com os argumentos mais absurdos que visam somente beneficiar sempre os mesmos? Não tenho muita afinidade para fazer figura de parvo...

Torna-se hoje absolutamente necessário criar um movimento de fundo que exija mobilização. Mobilização de docentes, de bolseiros, de investigadores, de técnicos, de todos os que, directa ou indirectamente, estão envolvidos nisto de fazer Ciência de forma honesta. E este movimento de fundo terá de servir para exigir, junto do Estado Português, que audite contas de projectos, que exclua prevaricadores e vigaristas, que faculte critérios de seleccão de paineis de avaliadores, que explicite muito bem quais os mecanismos que permitiram que um dado júri tenha sido responsável por esta ou aquela avaliação. Para por fim à promiscuidade. Depois, temos igualmente de exigir ao Estado Português que tenha a frontalidade e a decência de deixar de patrocinar ad eternum e sem discussão as iniciativas de autopromoção pessoal das vacas sagradas, nomeadamente por intermédio dos órgãos de comunicação social sob a alçada da tutela pública. Quem conseguirá conceber, no seu perfeito juizo, que um físico detenha um espaço de discussão pública, na televisão do Estado, sobre biologia? Por muito respeito que eu queira ter pelas pessoas, não consigo tê-lo quando vejo uma ascensão mediática meteórica por vezes baseada em pouco mais do que uma série bem encadeada de lugares comuns.

Mais sugestões... dou amanhã

Friday, March 28, 2008

O que há de bom

Por vezes, sou questionado se tudo o que existe na Ciência nacional é mau. Respondo invariavelmente que não, embora o que existe de mau seja por vezes péssimo, e quase destrói o frágil equílibrio entre o bem e o mal que é apanágio de todo o universo.

O que há de bom na nossa Ciência são as crianças. É verdade. Com isto estou a incluir nesta definição de "crianças" a enorme quantidade de jovens recém-licenciados que, imbuídos de um espírito de sacrífico enorme, se dedicam a gastar os melhores anos das suas vidas às actividades científicas.

Temos de tudo: os idealistas, que acreditam que a Ciência é o caminho do progresso (sub-categorai na qual sempre incluí), e que o conhecimento matará a fome, resolverá os problemas ambientais, curará todas as doenças e será responsável, em última análise, por uma maior sensação de bem- estar a toda a população humana e ao resto do Mundo. Temos também os acidentais, aqueles que até tiveram experiências positivas (ou não) no mundo do trabalho, mas decidiram correr o risco de se dedicar à Ciência, para viverem mais uma actividade. Há os conformados, que só estão na Ciência porque o País os atraiçoou, ao levá-los a acreditar que a licenciatura pela qual optaram teria uma saíde profissional condigna; por vezes, nem saída profissional tem, quanto mais condigna. Há os carneiros, que fazem Ciência porque os seus colegas também a fazem, e todos juntos constituem a manada que ouviu atentamente os ensinamentos de todos os docentes e chefes e cumpre à risca as instruções de serem eternas virgens, a quem só a Ciência interessa; renegam á família, ao dinheiro, aos prazres da vida, e fazem Ciência, e olha de soslaio e com desdém os outros, os normais. Há os incautos, que até tinham planos de vida, mas de bolsa em bolsa foram esgotando os seus sonhos, e foram passando os anos, até se apanharem enredados numa situação da qual não há escapatória. Há os brilhantes, os que emigram, os que são disputados por todos os grupos; quase invariavelmente, são os mesmos que o País vai buscar anos depois, e com fausto e confetis, lhes paga um laboratório no IGC.

Todos juntos, constituem uma turba de milhares de jovens inteligentes, a quem o País deve muito, regra geral, e nunca reconhece. São mal pagos, trabalham horas a mais, nem sequer têm vínculos, estão desorganizadas como classe, vivem em casa dos pais, alegram-se com pouco (basta uma publicação e são os mais felizes da Terra), não têm direitos nem regalias sociais, são esquecidos ou desprezados pelas estruturas para as quais contribuem gerando Ciência, são a espinha dorsal do Sistema Científco Nacional, dão aulas muitas vezes de borla (são uma das costelas do Ensino Superior Público), sofrem barbaridades atrozes na Segurança Social, vivem sistematicamente a prazo, lutam entre si pela obtenção de uma bolsa de 745€ mensais, e são, acima de tudo, o grande depósito da esperança e da capacidade criativa do nosso panorama científico. Por isso, lhes tiro daqui o meu chapéu; posso discordar com muito do que ouço dos meus bolseiros, mas sou o primeiro a reconhecer-lhes o direito a existisrem com dignidade. Porque são o que de melhor este país tem. Sem sombra de dúvida.

Pelo menos até aos trinta anos, depois a maioria transmuta-se - passam a "chefes".

Wednesday, March 26, 2008

É estranho ninguém achar estranho

Hoje (26/3/2008), para corroborar as minhas afirmações de que ao Público interessa tudo menos questionar a política científica deste Governo, convido todos os leitores a dar um pulo à página web desta publicação. Por favor, dirijam-se à secção da Ciência, e vejam quantas notícias estão em arquivo. De entre essas, façam por obséquio o exercício académico de ler as notícias. Temos notícias desde 10/1/2008. Nem uma é sobre a situação de atoleiro no qual a nossa ciência vive. Nem uma notícia é comentada de forma mais assertiva. Nenhuma notícia é minimamente discutível, são todas sobre factoes científicos indesmentíveis. Onde está o espaço democrático da imprensa, quando tudo o que gera uma discussão saudável é liminarmente eliminado, para dar sensações falaciosas de unanimismo? Será que está tudo tão bem como o MCTES apregoa, quando as fugas de cérebros e os atentados à democracia nos nossos centros são diários? Onde está o papel de investigação da imprensa, de modo a denunciar as razões fundamentais do estado caótico que os nossos pensadores vivem hoje em Portugal e do atraso estrutural da nossa economia? Será que ninguém considera estranho este comportamento presumivelmente visionário e de fausto contido, respeitoso, de quem se dá ares de muito trabalhar, que acompanha todas as iniciativas deste governo, juntamente com Cãmaras, holofotes, tripés e microfones?

Eu desconfio que se gasta mais em beberetes e jantaradas para divulgar as iniciativas junto de centenas de convidados estrangeiros do que a financiar os projectos inscritos nas próprias iniciativas.

Tuesday, March 25, 2008

Breve exemplo de como o mal compensa

Nos concursos do Compromisso com a Ciência, em que se prevê a contratação de 1000 doutores para os centros científicos nacionais, existe um critério quanto a mim altamente discutível, que é o da mobilidade dos investigadores: premeia-se quem se doutorou e/ou desenvolveu trabalho científico num centro que não aquele para onde se concorre.

Ora vejamos como alguns figurões da nossa praça contratam os seus apaniguados: enviam o seu discípulo para um outro grupo, com o qual mantêm relações previligiadas e íntimas, até. Esse período de estadia é normalmente curto, mas mesmo assim movem-se influências para garantir que é acompanhado de uma bolsa de pós-doc. Findo o período do concurso para investigador auxiliar, que pode ir até alguns meses, o filho pródigo regressa, com "mobilidade" na bagagem. Um investigador móvel é sempre melhor do que um imóvel. E assim fica com o lugar.

Satisfeitos? É que isto é de uma simplicidade atroz, e logo de uma beleza estonteante.

A avaliação II

Eu conheço grupos de investigação em que lamentavelmente as publicações são encaradas como uma obrigação dos mais novos e um direito dos mais velhos. Conheço grupos em que um dado indíviduo, nos idos do arroz de quinze, obteve verba para adquirir um equipamento, e logo todos os artigos têm de levar o nome dele. Conheço outros grupos em que nem sequer se equaciona que não seja o (ou a) chefe a assinar. Conheço grupos em que mesmo que haja alguém que nada tenha feito pelo artigo, é considerado um direito inalienável colocar lá o seu nome, por pertencer ao grupo. Conheço também as deferências quase estatutárias, em que o chefe tem como seu o direito de assinar sempre, independentemente de nem sequer conhecer o primeiro autor do trabalho. Conheço grupos em que a ordem dos autores é estabelecida por ordem alfabética!!!, quando toda a gente sabe que se ser 1º ou último autor são coisas diferentes. Conheço grupos em que cientistas que tiveram um desempenho de mérito são colocados nos agracedecimentos, por questões de mera lógica política dentro do departamento. Conheço grupos em que o chefe, e o chefe do chefe, e o seu respectivo chefe, e se calhar o chefe deste, têm nome garantido na publicação, somente por serem "chefes". E na função pública. Esta lógica, a ser subvertida e caricaturizada, garantiria ao Presidente da Républica um curriculum vitae invejável, pois é o chefe de todos os chefes. Il capo di tutti capi.

Creio portanto que haja muitas formas de "lavar" a publicação de todas estas ignomínias, e adoptar um sem número de critérios de avaliação objectivos e credíveis, mas se há gente que não tem vergonha na cara para fazer estas coisas, decerto não a terão para mentirem com quantos dentes tenham, e continuarem a tentar ludibriar o sistema. É que há gente capaz de uma inventividade maquiavélica extraordinária. Por isso acredito que só com a instituição de uma lógica de denúncia, em que sejam factualmente comprovados os factos, seja possível pôr termo a esta absoluta loucura. Porque o que está em causa é a verdade, e avaliações que tenham por base critérios tão claramente falseados serão inevitavelmente enganadoras e geradores de conflitos.

Acabei de saber agora que a FCT tem uma base de dados onde são compilados dados sobre os atropelos que alguns investigadores da nossa praça cometem: contra os alunos, contra os editais, contra os regulamentos, contra o Orçamento de Estado, contra o património público, contra as regras de elegibilidade de despesas. E pelos vistos, a coisa funciona, pois este historial de incumprimentos começa a ser utilizado pelos avaliadores dos projectos na hora de conceder verbas. Começa a compensar ser honesto, e acima de tudo a não estar calado.

Monday, March 24, 2008

A avaliação

A questão das avaliações é de todo pertinente, e talvez seja o assunto mais pertinente que me ocupa presentemente. Sem aferição da qualidade não será nunca possível melhorar, nem estabelecer patamares de justiça, nem distinguir os "enchedores de chouriços" das mentes criativas. E esta é daquelas discussões que creio fazer hoje todo o sentido e cada vez mais, pois a competição e a competitividade fazem com que seja necessário instituir ferramentas objectivas, idóneas e imediatas de conhecer e reconhecer a qualidade de quem faz (ou diz que faz) Ciência.

O critério da publicação é de facto incontornável. Por muito que eu possa objectar, e decerto que muitos objectarão, a questão de sermos reconhecidos pelos nossos pares, permitindo-nos aceder à internacionalização, é dos critérios mais importante no processo da avaliação dos investigadores. É natural que toda a gente conheça os autores da "Ciência a metro", do "muda o bicho e publica o mesmo", dos "chouriços" e de toda essa parafernália de instrumentos de abuso com que alguns vão ludibriando as intenções primárias dos avaliadores. Apesar de eu tender a somente reconhecer publicações em revistas internacionais com avaliação pelos pares e naturalmente indexadas, tenho de reconhecer tacitamente a falha deste sistema. Porque também todos deveremos conhecer exemplos de conversas de corredores em que alguém diz que publica sem dificuldade devido ao facto de ser amiga íntima do editor da revista X ou Y. Mas como não existem sistemas perfeitos, e este apesar de tudo não é totalmente imperfeito, eu vou aceitando-o, na convicção de que a avaliação do desempenho não se faz só por aqui.

Mais parâmetros de avaliação:

O número de alunos em orientação ou co-orientação. O número de citações das publicações, e o seu factor de impacto (normalizado para a área científica em questão). O sucesso ou insucesso das teses de doutoramento, com avaliação das taxas e motivos de desistência (para excluir casos de despotismo que todos ouvimos falar). O tempo que leva, em média, a que alunos de doutoramento obtenham o grau, de modo a evitar aproveitamentos ilegítimos por parte dos orientadores sem qualidade. O número de patentes obtidas. O número de projectos submetidos e financiados a entidades tanto nacionais como estrangeiras. O número de projectos em consórcio com empresas (porque isto de ser cientista não é um mero exercício de vaidade pessoal, há que dar de comer a alguém). A qualidade da tecnologia desenvolvida e transferida, de facto, para o tecido empresarial. O número de actividades de divulgação científica. O número de participações em congressos internacionais. O número de convites para integração de entidades nacionais ou internacionais, para actividades de consultadoria ou expertise. A qualidade das participações em processos de tomada de decisão para o bem público. No fundo, a qualidade da contribuição da ciência produzida que seja útil, para além de boa.

O que eu acho é que não existirá nunca qualquer processo de avaliação credível que funcione sem penalizações para quem infrinja as regras. Não consigo conceber que:
a) não haja um processo de avaliação instalado e a funcionar, em termos nacionais
b) quem não tem qualidade, não seja denunciado pelos seus pares; sabemos que as instituições são avaliadas no seu conjunto, mas expulsões de membros parasitários são raras ou até excepcionais, para não dizer extraordinárias ou inexistentes
c) não haja o afastamento de elementos corruptos e/ou corruptores, com base na assinatura de uma carta de ética, que congregue os valores de uma sociedade minimamente democrática, e leal; os incumprimentos deveriam ser sinónimo de afastamento da possibilidade de usufruir de fundos públicos, por um período a definir
d) continue a haver este espírito corporativo doentio e estático, que beneficia os maus, não prejudicando contudo os bons; só prejudica os excelentes, que vão sendo progressivamente asfixiados por cátedras e conselhos científicos que se opõem, regra geral, à mudança
e) não haja, da parte do Estado, um corte radical neste processo de claro retrocesso, com a instauração de uma prática coerente de costumes; temos fiscalizações quase inaceitáveis da esfera privada, mas aquilo que determina a qualidade da coisa pública nem sequer é objectivamente avaliada.

Para concluir, sem moralização e branqueamento ético nunca haverá qualquer processo de avaliação do desempenho que seja sustentável. E por uma razão simples: as regras mudarão sempre que for conveniente premiar alguém, por muito fraco que seja. Exactamente por isso é que me bato intransigentemente por este objectivo.

Sunday, March 23, 2008

Bruxas

Hoje falo sobre o papel cumplíce de alguns órgãos de comunicação social que outrara imbuídos de um sentido de missão pioneiro, criaram secções muito meritórias de divulgação científica. De forma simples, simplória até (por vezes), assumiram o importante papel de contar ao mundo o que nós, geeks da ciência, fazíamos nos nossos espaços pouco iluminados, rodeados de gaiolas e de instrumentos complexos que debitam resultados ininteligíveis. E alguns destes órgãos, e refiro-me ao Jornal Público de forma específica, criaram uma área específica dedicada à Ciência, e chegaram ao inusitado ponto de profissionalismo de contactar cientistas que colaborassem com a redacção. Tive o prazer de conhecer um destes indivíduos, e fiquei claramente consciente de que finalmente, a comunicaçõa social tinha dado o passo certo, em boa hora e de modo criterioso. Pois bem, fui dos primeiros a achar que o Público era uma instituição de qualidade, isenta e sem qualquer constrangimento político ou de agenda mediática de qualquer grupo de pressão. Pois bem, enganei-me.
Não só essa colaboração com os tais cientistas findou, como inclusivamente a divulgação científica e a sua qualidade diminuíram a pique, chegando a passar-se semanas sem que haja a adição de uma única e singela notícia nesta secção. Partindo do pressuposto que artigos científicos são publicados em todo o mundo, e diariamente, não será decerto por falta de matéria prima que o Público não publica. E depois os critérios de manutenção de notícias pouco confortáveis para o aparelho do Governo, é no mínimo, tendencioso. O Público, a achar-se democraticamente instalado no seio do 4º poder, institucionalizou uma secção de "comentários". Pois bem, esses comentários tornam-se frquentemente verdadeiros foruns de discussão, muito mais do que de bota-abaixo ou de descasque, da verdadeira voz de quem acham justificadamente que as coisas estão mal. E como estes comentários são notoriamente desagradáveis, pois colocam a nu todas as debilidades do sistema científico nacional, são eliminados - juntamente com a notícia. Pois bem vejamos com um exemplo: até há relativamente pouco tempo (assumindo poucos meses atrás), o Jornal Público mantinha uma notícia sobre adição de esteróides a algo que hoje não consigo precisar (rações de animais, creio). Era uma notícia recente, com cerca de 3 anos... Notícias muito mais recentes e muito mais "interessantes" ou "apimentadas" (como a dos prémios da excelência às competentes mas já sobejamente premiadas Maria Mota e Mónica Betencourt Dias) foram retiradas ao fim de uma semana.

Eu nunca falei de censura, pero que la hay, la hay.

Friday, March 21, 2008

O estranho silêncio de quem devia dizer algo

A primeira vítima da podridão instalada no panorama científico é o País, são os portugueses, são as instituições nacionais (empresas, famílias, associações), que não conseguem ter um progresso sustentado, do ponto de vista económico, alicerce da evolução social e cultural.

As segundas vítimas de todo este descalabro são... os bolseiros. Porque são eles quem trabalha, quem rende, quem produz na prática, quem está socialmente desprotegido, quem é mal pago, quem não vê institucional ou tácitamente reconhecido o seu esforço, quem está sistematicamente afastado das mesas das negociações, e acima de tudo quem não se faz representar. É quase como se não existissem, excepto para trabalhar, pois na generalidade das situações, não são tidos nem achados em qualquer decisão que importe à Ciência.

Agora digam-me: como se justifica este ensurdecedor silêncio das instituições que presumivelmente defendem os bolseiros? Onde pára a ABIC? Qual a contribuição que esta organização (não) deu para o desenvolvimento do estatuto social e profissional dos bolseiros? O que (não) andam a fazer? Para além de manifestos que promovem na sua página web, o que faz e para que serve a ABIC?

Aconselho a visualização de um filme, dos celebérrimos Monty Pithon, chamado "A Vida de Brian". Há uma passagem memorável em que um alegado "partido" da antiga Palestina, notoriamente inspirado no esquerdismo militante e canibal, que possui dois objectivos: o objectivo declarado, que é expulsar os romanos da Terra Santa; o segundo, que por vezes suplanta o primeiro, que é sobrepôr-se aos outros partidos esquerdistas revolucionários da Palestina. E na digestão destes dois objectivos, ficamos a perceber que o primeiro é meramente formal, e que o segundo é muito mais prático e imediato: eles acabam por existir para serem eles a verdadeira esquerda, nem que para isso destruam, ou se autodestruam, no decorrer do processo revolucionário. Mas isto é para a gente se rir. Ou não.

É o reflexo instalado de mais uma vertente de superioridade moral, versão gauche, socializada e cool. Com direito a agorrâncias psuedo-intelectualizadas.

A ABIC é, quanto a mim, muito semelhante: existe para existir. Defender os bolseiros é secundário. E só assim se compreende que estejam tão calados e quietos, quando o momento é para tudo menos para estar calado.

Daqui ninguém sai incólume. E a Ciência está tão mal como está, por culpas de todos. Não há heróis.

Sunday, March 16, 2008

Ainda a propósito do Europeísmo

Ainda a propósito do europeísmo, ao longo do dia foram surgindo mais algumas considerações relativas à temática lançada, com estrépito e satisfação de marketing, o Europeísmo militante do Sr. Ministro. Logo a começar: o conceito de se anunciar que se atingem metas discutíveis, é no mínimo e por si só, discutível. Quando algo é feito para surgir no noticiário, então é porque o desejo de se publicitar ultrapassa, e em muito, o verdadeiro substracto do assunto. E de facto, foi o que aconteceu. Premiaram-se pessoas, uma que já nem precisa de prémios por ser mais um elemento do sistema, e duas, porque já são sobejamente (re) conhecidas na comunidade científica para precisarem de mais louvores. É claro que merecem todas os meus parabéns, nuns casos mais sinceros do que noutros.

Depois, a questão das metas. Mas será que este governo não encaixa que este país não se pauta pelos mesmos valores que os outros países europeus? Depois, por consequência, se não se pauta, também não se avalia por bitolas importadas. Isto é lógico. Um país sem aposta séria na I&D, um país que perde mais tempo a inventar sistemas para evitar a competitividade, um país que herda práticas corporativas e hierarquizadas, um país que vive de importâncias e de "baronatos", um país que gosta de mordomias, um país de mesquinhez e de descontrolo, um país de funcionalismo público institucionalizado, um país de favores e compadrios, como algum dia poderia compreender a imprtância da Ciência e da Tecnologia? Estes só são importantes em larga medida por decreto, porque se apregoa na televisão, porque é fixe, porque é moderno, e porque o Governo se faz parecer moderno quando invoca estes chavões; e depois, são também importantes porque permitiem que uns poucos coloquem suavemente a pata no pescoço de muitos outros nas universidades, nos institutos e nos centros de investigação. A Ciência nacional, lamentavelmente, só serve estes propósitos. Felizmente, que a honra é uma opção individual, e que eu me orgulho de honradamente lutar contra este lodaçal. Apesar dos prémios, continuará a ser um lodaçal, porque enquanto houver "cientistas" que antes do próprio concurso estar em edital, já o ganharam...

Surge ainda outra vertente das metas. Primeiro, quais metas? Quais índices? Depois, qual o valor intrínseco de termos atingido essas metas? Seguidamente, qual o ganho desse objectivo ter sido atingido? Qual o avanço social, cultural, económico, inerente a ter sido cumprido esse alegado desígnio? Depois, em que condições, e recorrendo a que sacríficos, e acima de tudo quem terá cometido esses sacríficios para que fosse possível afirmar-se tal coisa? Porque hoje já não chega cumprimentar com o chapéu alheio, porque para esse peditório do amor à camisola já demos, Sr Ministro.

Depois, a questão do timing. Faz precisamente 3 anos... 3 anos é quase o fecho de um ciclo político, tal como uma das minhas intervenções de há dias, e convém que haja trabalho feito para mostrar. Não teremos entrado já em pré-campanha? Não será necessário aquecer desde já o ânimo das hostes que quiçá tenham andado por terras da laranja? É que não nos esqueçamos que antes de fazer (pela) Ciência, o Sr Ministro faz política, facto que não se compadece com haver calotes aos fornecedores porque o seu ministério não paga a tempo e horas. Nem se compadece com cientistas altamente qualificados que recebem 745€ por mês, com segurança social foleira, e a 12 meses. Nem se compadece com a mais elementar justiça de haver avaliações isentas e co critérios claros que estejam subjacentes à meritocracia.
Por último, a questão de se premiar alguém que foi nomeado para o cargo que desempenha. Até nem tenho objecções de monta, excepto nos casos pouco claros dos editais Ciência Viva, que não contemplam bolseiros, mas depois vamos a ver, um barão telefona à galardoada e está o caso desbloqueado, temos mais um bolseiro fora do plano, e pago com verbas à medida.

Lodaçal, e profundo. Mas foi um mar de rosas, nem que seja só por um dia.

Comentário no Jornal Público 16/3/2008

Estou absolutamente de acordo com alguns dos comentários aqui apresentados. Não basta engalanarmo-nos para a festa, há que merecer ser convidado. E hoje, e esta é a pura realidade que constato todos os dias, o país vive claramente acima das possibilidades em termos de investigação científica. Os bolseiros são mal pagos, temos calotes monumentais junto de fornecedores porque pura e simplesmente, o Estado não nos paga o que nos deve, temos de conviver com barões e agentes parasitários do sistema, que teimam em manter o beija-a-mão do Estado Novo, e acima de tudo, temos uma classe dirigente constituída por malfeitores, que sabem muito bem como dar a volta à situação, mas por mero situacionismo e falta de vontade política, eternizam esta situação. Não há competitividade, há compadrio; não há justiça nem mérito, há feudos e cristalizações; não há coragem em mudar, há sistematicamente entraves colocados ao conceito das avaliações isentas; não há transparência na atribuição de verbas em concursos, há antes uma corrupção generalizada nos braços do MCTES. E acima de tudo, há muita vontade de do pouco ou nada se fazer muito, e publicitá-lo. Ver mais em http://scientias.blogspot.com

Tuesday, March 11, 2008

Balanço

Chegados a 3 anos de legislatura, ficam a faltar uns escassos 12 meses para que o Povo se pronuncie. E como nunca tantas vezes a Ciência serviu propósitos de enganar as pessoas, urge uma reflexão atempada do que deve ser um voto útil em termos do que nos aqui ocupa.

Hoje em dia, existe a consciência de que o capital intelectual é o que distingue sociedades prósperas de meros grupos de indíviduos organizados em castas e de forma primitiva. É o conhecimento, e a sua busca e acumulação que fazem com que algumas nações ganhem guerras, enquanto que outras as perdem. E é neste deve e haver de massa cinzenta que muitos países decidiram já jogar cartadas fortes. O nosso país é daqueles desencantados e desconfiados, que espera para ver, como se duvidasse dos axiomas acima delineados, para agir e investir. Pois é, um dia, quando o Estado e os privados se decidirem, já é tarde.

A Ciência, ao longo desta legislatura, foi arma de arremesso, foi 1ª página de jornal, foi motivo de eventual regozijo nacional, foi orgulho bacoco, foi uma forma de cimentar na opinião pública a ideia de modernismo e agilidade governativas, foi pretexto para nos agigantarmos, foi causa de assinatura de protocolos, foi tudo, e acima de tudo não foi nada. Nunca estivemos tão na mesma, com a agravante de haver quem tenha aproveitado para se engalanar, com pompa e circunstância, para este casamento logo desfeito entre ciência e sociedade. Houve até algo inusitado, que foi um ministério da Ciência que se achou no dever de legar aos homens do presente e do futuro algo que ainda ninguém percebeu para que serve ou servirá. MITs, Carnegie Mellons e acordos similares, quais elefantes brancos, que alimentam o fatalismo faduncho do anedotário nacional, e que só nos dão mais um amargo de boca de frustração e oportunidade perdida, para logo desembocarem numa legitimada fuga de cérebros que prevejo num futuro próximo. Foi um passo meritório, em que o próprio ministério português abriu as portas da emigração dos inteligentes portugueses que queiram sair, para nunca mais voltar, desta praia de desordenamento em que a ciência portuguesa vive.

Foram mais anos de estaticismo, de assumpção de uma realidade que é tão pestilenta que nem nos deixa outra alternativa senão pedirmos a clemência de Bruxelas. Ai se não fossem os projectos europeus, ou as opiniões estrangeiras, que nós ainda hoje íamos pedir ao Cardeal Cerejeira que financiasse os projectos. Hoje a corrupção continua instalada, generalizada, institucionalizada, tornada oficial por decreto real, feita religião pelos avaliadores das bolsas e dos recursos da FCT, e apoiada em delírio pelos desígnios proteccionistas das cátedras públicas. E toda a gente sabe disto!!, mas se o Dr Marinho Pinto quiser falar, tem a palavra. Pode ser que alguém se doa.

Nunca, como hoje, se viveu com tanto desdém e complacência o mal tão bom em que vivemos ontem.