Friday, December 28, 2007

A natureza humana II

Ainda há bem pouco tempo, fiquei convencido de que nada na Ciência é diferente do que se passa no resto da sociedade. A mesquinhez, a inveja, os ódios, a humilhação, e acima de tudo, o exercício de poder, são uma constante e aliás, são muito valorizados. Num jogo que depende de avaliação, e avaliações feitas por seres humanos, como se pode evitar que se caia na tentação do exercício dese poder de avaliar de uma forma discricionária, e tantas vezes mal direccionada ou motivada por razões que nada ficam a dever à ética? Não se consegue, embora seja razoável para as instituições responsáveis pelos processos de avaliação de criar mecanismos que limitem ou reduzam eficazmente o factor associado a esta natureza humana. Mas que existem campanhas orquestradas, vendettas, avaliações pouco cuidadas e pouco criteriosas, existem. E que existem linchamentos em praça pública e verdadeiros autos de fé contra gente boa, também existem. E depois existe uma coisa que é verdadeiramente atroz, que é a cristalização dessas pessoas em cargos que lhes permitem o exercício do poder. Como muitos são docentes de carreira, catedráticos, e acima de tudo funcionários públicos portugueses, estão verdadeiramente acima da lei e de qualquer controlo. É esta a triste realidade da maior parte da Ciência Portuguesa.

Mas isto já nós sabemos. E este post não é para falar disso.

Este post é para falar de um dos aspectos mais perversos da natureza humana. Tenho constatado que muita gente com a qual contactei sofre de um síndroma interessante. São os primeiros a questionar este sistema, a apontar-lhe defeitos e a exigir que rolem cabeças. Mas não para o moralizar ou para acabar com ele. O que estes meus companheiros de viagem pretendem é ocupar a posição dominante, e assumir-se como "opressores", em vez dos "oprimidos" que hoje são. Ou seja, não se é contra o sistema, mas sim contra a sua própria posição no sistema. Maior hipocrisia não há, e infelizmente esta situação é reinante na Ciência nacional. Gente que viveu durante anos sob alegados jugos, transferiu para os outros, seus alunos, o ónus da exploração e da injustiça descontrolada e totalmente liberalizada que hoje grassa por muitos laboratórios.

Wednesday, December 26, 2007

A natureza humana

A natureza humana é invejável, tal a sua criatividade e a sua capacidade de surpreender até os mais experientes. Já foi inclusivamente tema de obras-primas da literatura mundiais, como a obra homónima do escritor francês André Malraux, que se espraiou pelos limites da consciência humana num cenário de evidente catástrofe que é uma guerra. E é curiosa e estranhamente próxima a imagem que tenho da comunicade científica portguesa com essa que André Malraux retrata. Vivemos tempos muito conturbados, em que cresce inegavelmente o descontentamento de muitos, por um lado, e crescem também as tensões ainda surdas com o outro lado da barricada, onde habitam as cátedras bafientas e cientificamente incultas. Mantemos no poder uma seita de autistas, e espantamo-nos com a sua incapacidade de verem que cada vez estamos mais comparáveis áqueles que ninguém, no seu perfeito juízo, se gosta de comparar.

Quanto mais vou envelhecendo no seio desta comunidade, mais acho que alguns comportamentos se assumem como contra natura e outros vão-se transmutando em surrealismos atrozes. Falo do enlouquecimento progressivo de algumas cátedras, que chegam ao ponto de roubar (ideias), de enganar (os júris), de atropelar (os alunos), de deliberamente mentir (sobre os seus resultados) e continuar alegadamente incólumes, sem que exista uma mínima (que seja) dor de consciência. É absolutamente incrível que, para mal dos nossos pecados de homens honestos, seja o Estado a financiar a badalhoquice, sem qualquer laivo de desconfiança relativamente a este estado de coisas já tão propalado. Por vezes, enquanto conduzo para casa, dou comigo a vaguear pelas entranhas psicopáticas de alguns docentes e investigadores da nossa praça e não consigo construir um puzzle mental do qual essa criatura saia favorecida: conhecendo como os conheço, fico apto a concluir que tudo o que fizeram lhes emana do mais básico reflexo, que reside no mais selvático egoísmo. "Amor pela ciência"... "Curiosidade sã"... "Ajudar a desenvolver a civilização"... "o Homem meu irmão"... balelas. Mentem com quantos dentes têm, o que importa é o poder e o exercício do mesmo.

Conheço demasiado bem o exemplo de um laboratório, que supostamente se dedica a causas ambientais, e do qual a "directora(zinha)", nos idos das calendas do afundamento de petroleiro "Prestige", me telefonou eufórica, pois ali se encontrava uma "excelente oportunidade de publicar uns artigos". Onde eu não vi mais do que uma catástrofe ambiental de dimensões apreciáveis, de grande número de aves em sofrimento ou já mortas, de prejuízos astronómicos para as comunidades de aquicultores galegos e perceberos, esta criatura das trevas via mais poder, mais dinheiro, mais, em suma, a prossecução da sua própria ganância. À descarada. E depois espantou-se, 5 anos depois, que tnha sido literalmente abandonada pela sua equipa de trabalho; à época, eram idealistas, hoje não são parvos de certeza.

Esta é a Ciência que a Condição Humana permite, e que o Estado português financia. Não estará tempo de serem as jovens promessas a deixar este pedestal em potência para assumirem permanentemente o seu papel de motor deste circo? O que devemos, e a quem? Quanto tempo estaremos dispostos a perder, sacrificando este país?

Sunday, December 9, 2007

Vigilância, uma CCTV na Ciência Nacional

Por vezes falo com pessoas que pouco ou nada têm a ver com Ciência, e alguma demonstram estranheza quando afirmo que há corrupção neste meio. E eu ponho-me a pensar: neste país de pequenos vigaristas, ditadores de algibeira e de corruptos de meia tigela, porque é que o meio científico haveria de ser excepção? Por serem doutores?

Obviamente não é excepção. Estranho muito, confesso, que o Estado crie mecanismos de fiscalização de tudo e de mais alguma coisa, mas que não seja capaz de se aperceber que muitos dos seus próprios funcionários lhe estejam a delapidar recursos, de forma tão grosseira e evidente. Vejam a arma política do "rendimento mínimo garantido", o combate à evasão fiscal, o controlo das baixas médicas... Custa-me igualmente a crer que o Tribunal de Contas não esteja alerta para determinadas engenharias financeiras e sacos azuis. E mais do que tudo isto, vejo com absoluta bizarria o silêncio da Procuradoria Geral da República pelos mais flagrantes casos de corrupção e de indícios sistemáticos de compadrios neste meio. E estou a falar de muito dinheiro: cada projecto nacional, como os do último concurso de 2006, pode chegar aos 200.000€. É um crime que vai compensando.

Política: eu acho que a função pública deve aprender que qualquer concurso cujos avaliadores o sejam por mais de um ano, vai inevitavelmente desembocar em suspeição. E não considero válido o argumento claramente preguiçoso de que não se pode mudar de painel anualmente. Conheço muita gente competente e avalizada para se pronunciar sobre a qualidade de projectos e de bolseiros, e que nunca foi sequer convidada para integrar um juri oficial. Por outro lado, a preguiça é tanta, que se chega ao ponto de confiar em potenciais corruptos, para delegarem a responsabilidade de serem corrompidos os seus próprios apaniguados. Quando os juris passaram a ser integralmente internacionais, em algumas áreas científicas optou-se por manter o mesmo painel, com excepção dos portugueses que foram corridos. Onde antes havias 6 compadres, só passou a haver 5, todos estrangeiros. Que fantástica solução, que garante de isenção...

E depois são os factos consumados: "na área tal, temos fulano que é que é o especialista..." Mas que raio, porquê? Será esse o único português com conhecimentos na área? Será que esse de que tanto se fala é ou foi orientador de todos os outros? E como se muda depois este statu quo, em que de uma forma quase automática alguns gurus (muitos de qualidade duvidosissíma) se eternizam, sen nunca demonstraram os seus reais valores? Exemplifico: há umas semanas, o meu grupo liderou um processo de angariação de linhas estratégicas numa abordagem a parceiros internacionais. Algumas pessoas, entre as quais uma que destaco pela sua nulidade científica e cátedra a condizer, insurgiu-se publicamente contra essa coordenação, no entanto sem nunca apontar um motivo válido para não querer que fôssemos nós a coordenar. Porquê? Por pura vaidade, por achar erradamente que é dona da verdade e do conhecimento. E isto porque alguém bem colocado lhe garante o acesso a financiamentos de projectos e de bolsas individuais. Por mérito pessoal não é de certeza. E isto é incomportável, e tem de ser denunciado e posteriormente investigado.

A maior demonstração de pequenez da mentalidade de muitos dos corruptos e corruptores nacionais é acharem que os outros são parvos. É acharem que nunca serão apanhados, ou chamados à justiça, ou que podem facilmente escapulir-se por entre os pingos da chuva, assobiando placidamente para o lado. Mas também a responsabilidade é nossa, caso não lhes façamos sentir que estamos acordados e numa posição legitimamente vigilante, e que não perdemos pitada das suas movimentações.

Um pequeno teaser: Querem nomes?

Saturday, December 8, 2007

Hora de viragem

Fiquei muito satisfeito por ter descoberto que o descontentamento relativo ao papel da FCT se materializa cada vez mais na tomada de posição das pessoas envolvidas na Ciência nacional, com iniciativas como o http://investigarafct.blogspot.com/. É uma iniciativa meritória, e a ver vamos se de facto chega a bom porto. É hora de quem de facto sente a tremenda injustiça que grassa no panorama científico se mobilizar a exigir decência e qualidade no trabalho. Já não vivemos numa época corporativa, em que a "cunha" seja moral e socialmente aceite. Não podemos continuar amordaçados por cátedras, nem tão poucos pelos aspirantes a essas mesmas cátedras e a todos os seus expedientes verdadeiramente mafiosos. A mim importa-me denunciar as alarvidades da coisa, como a questão dos concursos.

No ano passado fui confrontado com uma situação caricata: um elemento da minha equipa, que terminou a sua bolsa de doutoramento, concorreu para uma bolsa de pós-doc. Tinha média de 16, cerca de 12 artigos publicados, participação em vários projectos como membro (não como "colaborador), uma série de comunicações orais em congressos internacionais e inclusivamente tinha experiência docente e como prestador de serviços na área em questão. Uma "vizinha" do lado, de outro departamento mas exactamente da mesma área científica, também aluna de doutoramento em fim de bolsa, concorreu para atribuição de bolsa de pós-doc, mas com uma óbvia diferença: não tenho conhecimento das actividades paralelas, mas os seus esforço de publicação ficaram por um artigo numa revista internacional com arbitragem... A diferença era abissal entre ambos os candidatos, a julgar pelos critérios apregoados pela própria FCT. Só algo confundia a cena. O orientador dessa vizinha, e também seu supervisor no projecto de pós-doc é uma pessoa muito influente no meio: para além de ter sido presidente do painel de avaliação de uma dada área científica na FCT por largos anos, onde se encheu de dinheiro a si e aos amigos, continuou a manter a sua total influência a partir de 2002, porque ele saiu (para quem não sabe, a partir dessa data os paineis passaram a ser exclusivamente internacionais) mas os seus amigos ficaram como júris. E esse senhor influente andou, alto e bom som, a anunciar a boa nova nos corredores do Centro antes mesmo dos resultados sairem: " A I... terá bolsa de pós-doc". Como a alarvidade era tão escandalosamente improvável, caso os critérios mínimos de equidade fossem cumpridos, ninguém levou isso em linha de conta... Mas o facto é que os resultados saíram: o meu colega não teve bolsa e a "vizinha" teve. Surpreendidos? Eu fiquei, não com o resultados mas com a lata imensa de transformar este país no Zimbabwe, tal o nível de corrupção.

Portanto, se há algo a investigar, creio que estes exemplos são demasiados comuns para passarem impunes. Ainda ontem, uma minha colega (membro da minha equipa), com 14 artigos publicados, foi preterida por outra "vizinha", com 3 artigos publicados. Pormenor crítico: a "vizinha" foi orientada por uma afilhada científica do mesmo senhor. Já nada me surpreende, só a placidez com que a maioria dos cientistas aceita isto. Eu não me calo.

Monday, December 3, 2007

Desprotecção e a vida é dura

Já fui bolseiro, mas ao contrário de muitos que se esquecem facilmente dos constrangimentos por que passam muitos bolseiros, eu não esqueço, o que me motiva a perseguir um objectivo de maior equidade entre quem faz ciência em Portugal. E motivos para me insurgir não faltam, neste país de desregulamentação que só serve a alguns. Na qualidade de orientador de bolseiros, confesso que me conviria muito mais, para não me aborrecer com "picuinhices", ser favorável à manutenção do statu quo, e assumir que este estado de coisas "é que deve ser", que "o bolseiro está em formação", que "no meu tempo também era assim" e outras vilanias mais ou menos disfarçadas de sacanices politicamente correctas. Mas não o faço, porque ainda acredito que os homens se medem pelo que defendem, para além do conforto de um bom salário e de um sofá onde assentar as nádegas.

Apesar de algumas iniciativas pontuais relativas ao bem estar social do bolseiro, das quais se destacam a questão das férias estarem previstas (aleluia!!, que o legislador se convenceu de que os bolseiros não eram máquinas, qual epifania decorrente de um qualquer vislumbre da Carta Universal dos Direitos do Homem) e a protecção mínima na maternidade, que nos separam do 3º Mundo, muito há ainda por fazer. Nomeadamente, falo da questão da protecção profissional dos bolseiros. E por protecção profissional refiro-me à mais elementar relação orientador-orientando, como uma relação laboral, com direitos e obrigações de parte a parte. Eu bem sei que cada vez menos farão sentido alguns destes direitos para muitos, mas eu não aceito que sejamos pertencentes a duas classes opostas: exploradores ou explorados, pelo que acredito igualmente no primado do direito. Fazem-se regras, que se baseiam em princípios morais, e fazem-se cumprir estas regras. Simples, e ético. Assim, custa-me a crer que "questões laborais" ou se preferirem, que oponham orientandos e orientadores, não sejam arbitradas por uma 3ª entidade, como o caso da FCT. Ao deixar caminho aberto para o malfadado "bom senso", quem distribui verbas (a FCT) não só assegura uma total falta de protecção legal profissional como facilita, por omissão, o abuso. E quem me convence da boa vontade de muitos orientadores? Ninguém, nem mesmo o ar placidamente bonacheirão, e os mais rasgados sorrisos, do Dr. Gago.

Exemplo que me chegou há uns dias: Grupo de investigação num Laboratório Associado. De ponta, muitas publicações. Bolseira grávida. Mais outra bolseira grávida, pouco tempo depois da primeira. Comentário do director do departamento: "Abriu a época do acasalamento?? E porque não trabalha o mesmo que antes? Gravidez não é doença!"

Pois não, excepto no caso da gestação deste orientador, cuja mãe ainda hoje deve ansiar pela liberalização do aborto, com efeitos retroactivos.

Mas do que uma questão legal, isto é falta de civilidade. De educação. De respeito pelo próximo. De consideração por quem lhe produz o trabalho científico, com que este senhor (???) justifica ser um imigrante de sucesso em Portugal.

Dr. Gago, daqui me oiça: falta fazer muito, portanto pode começar por algum lado. E que tal por aqui?