Friday, December 28, 2007

A natureza humana II

Ainda há bem pouco tempo, fiquei convencido de que nada na Ciência é diferente do que se passa no resto da sociedade. A mesquinhez, a inveja, os ódios, a humilhação, e acima de tudo, o exercício de poder, são uma constante e aliás, são muito valorizados. Num jogo que depende de avaliação, e avaliações feitas por seres humanos, como se pode evitar que se caia na tentação do exercício dese poder de avaliar de uma forma discricionária, e tantas vezes mal direccionada ou motivada por razões que nada ficam a dever à ética? Não se consegue, embora seja razoável para as instituições responsáveis pelos processos de avaliação de criar mecanismos que limitem ou reduzam eficazmente o factor associado a esta natureza humana. Mas que existem campanhas orquestradas, vendettas, avaliações pouco cuidadas e pouco criteriosas, existem. E que existem linchamentos em praça pública e verdadeiros autos de fé contra gente boa, também existem. E depois existe uma coisa que é verdadeiramente atroz, que é a cristalização dessas pessoas em cargos que lhes permitem o exercício do poder. Como muitos são docentes de carreira, catedráticos, e acima de tudo funcionários públicos portugueses, estão verdadeiramente acima da lei e de qualquer controlo. É esta a triste realidade da maior parte da Ciência Portuguesa.

Mas isto já nós sabemos. E este post não é para falar disso.

Este post é para falar de um dos aspectos mais perversos da natureza humana. Tenho constatado que muita gente com a qual contactei sofre de um síndroma interessante. São os primeiros a questionar este sistema, a apontar-lhe defeitos e a exigir que rolem cabeças. Mas não para o moralizar ou para acabar com ele. O que estes meus companheiros de viagem pretendem é ocupar a posição dominante, e assumir-se como "opressores", em vez dos "oprimidos" que hoje são. Ou seja, não se é contra o sistema, mas sim contra a sua própria posição no sistema. Maior hipocrisia não há, e infelizmente esta situação é reinante na Ciência nacional. Gente que viveu durante anos sob alegados jugos, transferiu para os outros, seus alunos, o ónus da exploração e da injustiça descontrolada e totalmente liberalizada que hoje grassa por muitos laboratórios.

Wednesday, December 26, 2007

A natureza humana

A natureza humana é invejável, tal a sua criatividade e a sua capacidade de surpreender até os mais experientes. Já foi inclusivamente tema de obras-primas da literatura mundiais, como a obra homónima do escritor francês André Malraux, que se espraiou pelos limites da consciência humana num cenário de evidente catástrofe que é uma guerra. E é curiosa e estranhamente próxima a imagem que tenho da comunicade científica portguesa com essa que André Malraux retrata. Vivemos tempos muito conturbados, em que cresce inegavelmente o descontentamento de muitos, por um lado, e crescem também as tensões ainda surdas com o outro lado da barricada, onde habitam as cátedras bafientas e cientificamente incultas. Mantemos no poder uma seita de autistas, e espantamo-nos com a sua incapacidade de verem que cada vez estamos mais comparáveis áqueles que ninguém, no seu perfeito juízo, se gosta de comparar.

Quanto mais vou envelhecendo no seio desta comunidade, mais acho que alguns comportamentos se assumem como contra natura e outros vão-se transmutando em surrealismos atrozes. Falo do enlouquecimento progressivo de algumas cátedras, que chegam ao ponto de roubar (ideias), de enganar (os júris), de atropelar (os alunos), de deliberamente mentir (sobre os seus resultados) e continuar alegadamente incólumes, sem que exista uma mínima (que seja) dor de consciência. É absolutamente incrível que, para mal dos nossos pecados de homens honestos, seja o Estado a financiar a badalhoquice, sem qualquer laivo de desconfiança relativamente a este estado de coisas já tão propalado. Por vezes, enquanto conduzo para casa, dou comigo a vaguear pelas entranhas psicopáticas de alguns docentes e investigadores da nossa praça e não consigo construir um puzzle mental do qual essa criatura saia favorecida: conhecendo como os conheço, fico apto a concluir que tudo o que fizeram lhes emana do mais básico reflexo, que reside no mais selvático egoísmo. "Amor pela ciência"... "Curiosidade sã"... "Ajudar a desenvolver a civilização"... "o Homem meu irmão"... balelas. Mentem com quantos dentes têm, o que importa é o poder e o exercício do mesmo.

Conheço demasiado bem o exemplo de um laboratório, que supostamente se dedica a causas ambientais, e do qual a "directora(zinha)", nos idos das calendas do afundamento de petroleiro "Prestige", me telefonou eufórica, pois ali se encontrava uma "excelente oportunidade de publicar uns artigos". Onde eu não vi mais do que uma catástrofe ambiental de dimensões apreciáveis, de grande número de aves em sofrimento ou já mortas, de prejuízos astronómicos para as comunidades de aquicultores galegos e perceberos, esta criatura das trevas via mais poder, mais dinheiro, mais, em suma, a prossecução da sua própria ganância. À descarada. E depois espantou-se, 5 anos depois, que tnha sido literalmente abandonada pela sua equipa de trabalho; à época, eram idealistas, hoje não são parvos de certeza.

Esta é a Ciência que a Condição Humana permite, e que o Estado português financia. Não estará tempo de serem as jovens promessas a deixar este pedestal em potência para assumirem permanentemente o seu papel de motor deste circo? O que devemos, e a quem? Quanto tempo estaremos dispostos a perder, sacrificando este país?

Sunday, December 9, 2007

Vigilância, uma CCTV na Ciência Nacional

Por vezes falo com pessoas que pouco ou nada têm a ver com Ciência, e alguma demonstram estranheza quando afirmo que há corrupção neste meio. E eu ponho-me a pensar: neste país de pequenos vigaristas, ditadores de algibeira e de corruptos de meia tigela, porque é que o meio científico haveria de ser excepção? Por serem doutores?

Obviamente não é excepção. Estranho muito, confesso, que o Estado crie mecanismos de fiscalização de tudo e de mais alguma coisa, mas que não seja capaz de se aperceber que muitos dos seus próprios funcionários lhe estejam a delapidar recursos, de forma tão grosseira e evidente. Vejam a arma política do "rendimento mínimo garantido", o combate à evasão fiscal, o controlo das baixas médicas... Custa-me igualmente a crer que o Tribunal de Contas não esteja alerta para determinadas engenharias financeiras e sacos azuis. E mais do que tudo isto, vejo com absoluta bizarria o silêncio da Procuradoria Geral da República pelos mais flagrantes casos de corrupção e de indícios sistemáticos de compadrios neste meio. E estou a falar de muito dinheiro: cada projecto nacional, como os do último concurso de 2006, pode chegar aos 200.000€. É um crime que vai compensando.

Política: eu acho que a função pública deve aprender que qualquer concurso cujos avaliadores o sejam por mais de um ano, vai inevitavelmente desembocar em suspeição. E não considero válido o argumento claramente preguiçoso de que não se pode mudar de painel anualmente. Conheço muita gente competente e avalizada para se pronunciar sobre a qualidade de projectos e de bolseiros, e que nunca foi sequer convidada para integrar um juri oficial. Por outro lado, a preguiça é tanta, que se chega ao ponto de confiar em potenciais corruptos, para delegarem a responsabilidade de serem corrompidos os seus próprios apaniguados. Quando os juris passaram a ser integralmente internacionais, em algumas áreas científicas optou-se por manter o mesmo painel, com excepção dos portugueses que foram corridos. Onde antes havias 6 compadres, só passou a haver 5, todos estrangeiros. Que fantástica solução, que garante de isenção...

E depois são os factos consumados: "na área tal, temos fulano que é que é o especialista..." Mas que raio, porquê? Será esse o único português com conhecimentos na área? Será que esse de que tanto se fala é ou foi orientador de todos os outros? E como se muda depois este statu quo, em que de uma forma quase automática alguns gurus (muitos de qualidade duvidosissíma) se eternizam, sen nunca demonstraram os seus reais valores? Exemplifico: há umas semanas, o meu grupo liderou um processo de angariação de linhas estratégicas numa abordagem a parceiros internacionais. Algumas pessoas, entre as quais uma que destaco pela sua nulidade científica e cátedra a condizer, insurgiu-se publicamente contra essa coordenação, no entanto sem nunca apontar um motivo válido para não querer que fôssemos nós a coordenar. Porquê? Por pura vaidade, por achar erradamente que é dona da verdade e do conhecimento. E isto porque alguém bem colocado lhe garante o acesso a financiamentos de projectos e de bolsas individuais. Por mérito pessoal não é de certeza. E isto é incomportável, e tem de ser denunciado e posteriormente investigado.

A maior demonstração de pequenez da mentalidade de muitos dos corruptos e corruptores nacionais é acharem que os outros são parvos. É acharem que nunca serão apanhados, ou chamados à justiça, ou que podem facilmente escapulir-se por entre os pingos da chuva, assobiando placidamente para o lado. Mas também a responsabilidade é nossa, caso não lhes façamos sentir que estamos acordados e numa posição legitimamente vigilante, e que não perdemos pitada das suas movimentações.

Um pequeno teaser: Querem nomes?

Saturday, December 8, 2007

Hora de viragem

Fiquei muito satisfeito por ter descoberto que o descontentamento relativo ao papel da FCT se materializa cada vez mais na tomada de posição das pessoas envolvidas na Ciência nacional, com iniciativas como o http://investigarafct.blogspot.com/. É uma iniciativa meritória, e a ver vamos se de facto chega a bom porto. É hora de quem de facto sente a tremenda injustiça que grassa no panorama científico se mobilizar a exigir decência e qualidade no trabalho. Já não vivemos numa época corporativa, em que a "cunha" seja moral e socialmente aceite. Não podemos continuar amordaçados por cátedras, nem tão poucos pelos aspirantes a essas mesmas cátedras e a todos os seus expedientes verdadeiramente mafiosos. A mim importa-me denunciar as alarvidades da coisa, como a questão dos concursos.

No ano passado fui confrontado com uma situação caricata: um elemento da minha equipa, que terminou a sua bolsa de doutoramento, concorreu para uma bolsa de pós-doc. Tinha média de 16, cerca de 12 artigos publicados, participação em vários projectos como membro (não como "colaborador), uma série de comunicações orais em congressos internacionais e inclusivamente tinha experiência docente e como prestador de serviços na área em questão. Uma "vizinha" do lado, de outro departamento mas exactamente da mesma área científica, também aluna de doutoramento em fim de bolsa, concorreu para atribuição de bolsa de pós-doc, mas com uma óbvia diferença: não tenho conhecimento das actividades paralelas, mas os seus esforço de publicação ficaram por um artigo numa revista internacional com arbitragem... A diferença era abissal entre ambos os candidatos, a julgar pelos critérios apregoados pela própria FCT. Só algo confundia a cena. O orientador dessa vizinha, e também seu supervisor no projecto de pós-doc é uma pessoa muito influente no meio: para além de ter sido presidente do painel de avaliação de uma dada área científica na FCT por largos anos, onde se encheu de dinheiro a si e aos amigos, continuou a manter a sua total influência a partir de 2002, porque ele saiu (para quem não sabe, a partir dessa data os paineis passaram a ser exclusivamente internacionais) mas os seus amigos ficaram como júris. E esse senhor influente andou, alto e bom som, a anunciar a boa nova nos corredores do Centro antes mesmo dos resultados sairem: " A I... terá bolsa de pós-doc". Como a alarvidade era tão escandalosamente improvável, caso os critérios mínimos de equidade fossem cumpridos, ninguém levou isso em linha de conta... Mas o facto é que os resultados saíram: o meu colega não teve bolsa e a "vizinha" teve. Surpreendidos? Eu fiquei, não com o resultados mas com a lata imensa de transformar este país no Zimbabwe, tal o nível de corrupção.

Portanto, se há algo a investigar, creio que estes exemplos são demasiados comuns para passarem impunes. Ainda ontem, uma minha colega (membro da minha equipa), com 14 artigos publicados, foi preterida por outra "vizinha", com 3 artigos publicados. Pormenor crítico: a "vizinha" foi orientada por uma afilhada científica do mesmo senhor. Já nada me surpreende, só a placidez com que a maioria dos cientistas aceita isto. Eu não me calo.

Monday, December 3, 2007

Desprotecção e a vida é dura

Já fui bolseiro, mas ao contrário de muitos que se esquecem facilmente dos constrangimentos por que passam muitos bolseiros, eu não esqueço, o que me motiva a perseguir um objectivo de maior equidade entre quem faz ciência em Portugal. E motivos para me insurgir não faltam, neste país de desregulamentação que só serve a alguns. Na qualidade de orientador de bolseiros, confesso que me conviria muito mais, para não me aborrecer com "picuinhices", ser favorável à manutenção do statu quo, e assumir que este estado de coisas "é que deve ser", que "o bolseiro está em formação", que "no meu tempo também era assim" e outras vilanias mais ou menos disfarçadas de sacanices politicamente correctas. Mas não o faço, porque ainda acredito que os homens se medem pelo que defendem, para além do conforto de um bom salário e de um sofá onde assentar as nádegas.

Apesar de algumas iniciativas pontuais relativas ao bem estar social do bolseiro, das quais se destacam a questão das férias estarem previstas (aleluia!!, que o legislador se convenceu de que os bolseiros não eram máquinas, qual epifania decorrente de um qualquer vislumbre da Carta Universal dos Direitos do Homem) e a protecção mínima na maternidade, que nos separam do 3º Mundo, muito há ainda por fazer. Nomeadamente, falo da questão da protecção profissional dos bolseiros. E por protecção profissional refiro-me à mais elementar relação orientador-orientando, como uma relação laboral, com direitos e obrigações de parte a parte. Eu bem sei que cada vez menos farão sentido alguns destes direitos para muitos, mas eu não aceito que sejamos pertencentes a duas classes opostas: exploradores ou explorados, pelo que acredito igualmente no primado do direito. Fazem-se regras, que se baseiam em princípios morais, e fazem-se cumprir estas regras. Simples, e ético. Assim, custa-me a crer que "questões laborais" ou se preferirem, que oponham orientandos e orientadores, não sejam arbitradas por uma 3ª entidade, como o caso da FCT. Ao deixar caminho aberto para o malfadado "bom senso", quem distribui verbas (a FCT) não só assegura uma total falta de protecção legal profissional como facilita, por omissão, o abuso. E quem me convence da boa vontade de muitos orientadores? Ninguém, nem mesmo o ar placidamente bonacheirão, e os mais rasgados sorrisos, do Dr. Gago.

Exemplo que me chegou há uns dias: Grupo de investigação num Laboratório Associado. De ponta, muitas publicações. Bolseira grávida. Mais outra bolseira grávida, pouco tempo depois da primeira. Comentário do director do departamento: "Abriu a época do acasalamento?? E porque não trabalha o mesmo que antes? Gravidez não é doença!"

Pois não, excepto no caso da gestação deste orientador, cuja mãe ainda hoje deve ansiar pela liberalização do aborto, com efeitos retroactivos.

Mas do que uma questão legal, isto é falta de civilidade. De educação. De respeito pelo próximo. De consideração por quem lhe produz o trabalho científico, com que este senhor (???) justifica ser um imigrante de sucesso em Portugal.

Dr. Gago, daqui me oiça: falta fazer muito, portanto pode começar por algum lado. E que tal por aqui?

Friday, November 9, 2007

Comentário no Jornal Público 9/11/2007

Vou dar início a uma nova prática: sempre que comentar ciência em órgãos de comunicação social, colocarei aqui o post correspondente. Vou começar a fazê-lo porque lamentavelmente, o jornal Público, com um editorial outrora isento, alinho muito convenientemente pelo diapasão socrático, o que é o mesmo que dizer que, no âmbito da nossa Ciência, cala muitas vozes dissonantes. Como a blogosfera (ainda) é relativamente livre, escrevo simultaneamente aqui.

Como comentário à notícia que dava conta de uma acusação do Sr. Reitor da Universidade de Lisboa ao Ministro da Ciência, sobre a questão da desorçamentação das universidades em detrimento dos acordos firmados com instituições americanas (disponível em http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1310104&idCanal=58):

"Eu encho-me de rir com a surpresa que o Sr. Jornalista quer fazer criar nos leitores. Toda a gente sabe que o meio universitário está absolutamente corrompido, a começar no MCTES e na Direcção Geral do Ensino Superior e a acabar nos alunos, sejam eles de licenciatura ou de pós-graduação. É um sistema que não é avaliado decentemente, que não estimula a concorrência e a competitividade sãs, que favorece o amiguismo e o compadrio... Há situações que são verdadeiros casos de polícia. Só que nada disso é novo, e o jornal Público (bem como muita da comunicação social portuguesa; já agora, tenhm por favor a decência de não me censurarem, como já aconteceu quando estou tão bem disposto como hoje) não investiga porque não quer!!!! Eu já me disponibilizei para dar dados, que funcionariam como provas irrefutáveis do total comprometidmento de muitos professores e cientistas da nossa praça com prática ilícitas ou moralmente condenáveis, e o que é que o Público fez? Rigorosamente nada. Ao menos que nos valham os blogues, como o scientias.blogspot.com que escrevo, que vai servindo para discutirmos num tom simpático as malfeitorias que se fazem em Portugal.Em relação ao assunto de hoje, tem toda a razão o Sr. Reitor: negoceiam-se contratos mirabolantes com os americanos (por mim, até podiam ser chineses, mas o facto é que são americanos - para não me acusarem de anti-americanismo) quando não são capazes de garantir o próprio financiamento nacional para os grupos de trabalho de excelência em Portugal!!! Haverá maior contra-senso??? Os leitores vão a www.fct.mctes.pt e vejam com os própiros olhos: concursos fechados em 30 de Setembro de 2006 ainda não foram avaliados!!! E os investigadores vivem de quê, no entranto. Sr. Ministro? Somos professores universitários e investigadores, mas não somos burros. Não nos leve a mal a franqueza, mas algo está profundamente errado com o que tem andado a fazer."

Monday, November 5, 2007

A epidemia de Santiago

Na ciência grassa uma epidemia de há alguns anos a esta parte que ameaça inquinar ainda mais o ambiente científico nacional. É particularmente evidente nas universidades e politécnicos privados em Portugal, onde muitos dos alegados doutores mais não são do que doentes terminais infectados pelo vírus debilitante de que vos quero falar no post de hoje.

Refiro-me ao vírus de Santiago de Compostela. Foi um vírus de comodidade, que se instalou progressivamente por aqueles que sonham com os prazeres dourados de um doutoramento, mas que as voltas da vida nunca permitiram a concretização desse sonho. Melodramático, belo esse sonho. Mas felizmente, o sistema de ensino nacional teve a virtude de impedir quem manifestamente não tinha qualidade de se doutorar, até que este vírus minou o pouco de bom que as universidades nacionais foram fazendo. E fê-lo de modo subreptício e lento, foi paulatinamente sendo instalado um clima de que "existia uma alternativa ao esforço", de que era possível, com pouco tempo e com alguma facilidade, frequentar umas aulitas, distribuir uns inquéritos, modelar umas ideias, fazer uma prelecção mais ou menos longa e entediante, sem contudo produzir resultados de monta, e pimba!!!, obter o tão desejado, o tão perseguido, o tão almejado grau de doutor. Pois, e tirar o lugar, e usurpar o mérito dos verdadeiros doutores. Porque o objectivo não é mais do que este: ter o grau para ganhar mais!!! "E a Ciência"? perguntarão vós. Eles querem lá saber da Ciência!!! Querem é massa!!!

Um colega, obviamente envergonhado, confessou-me uma vez ter-se inscrito num desses programas doutorais, que ele enaltecia como sendo "um destes doutoramentos feitos para quem tem mais o que fazer do que andar a perder tempo com investigação, adequado a pessoas com vida e com família, e que não exigia mais do que umas duas horas por semana". A sinceridade é um valor que prezo...

Hoje vivem-se tempos de rebaldaria, em que qualquer imbecil com o dinheiro para pagar a propina se acha no direito de se intitular "doutor" (de Santiago, naturalmente), mas sempre "doutor". E acham-se no direito de se equiparar àqueles que, de uma forma abnegada e dedicada frequentaram centros de investigação reputados em qualquer lado do Mundo, e que souberam o que foram as reais exigências da investigação científica de bancada durante anos a fio, que escreveram projectos científicos, que publicaram artigos, que patentearam bens e produtos, que se transformaram em Doutores por mérito próprio. Que estudaram, que se dedicaram, que criaram real conhecimento com o objectivo de o partilhar com a Humanidade... enfim, esses valores em desuso que assentam sobre o prazer do trabalho, da conquista, do objectivo atingido, da dignidade e do mérito.

O que é mais lamentável é que este País, ou os seus responsáveis educativos, não estabeleçam reais critérios distintivos entre os doutores reais e os do faz-de-conta. Os reconhecimentos tácitos chegam ao ponto de haver politécnicos privados em Portugal a oferecer no cardápio Doutoramentos (coisas que legalmente não podem fazer, devido ao simples facto de não constituirem ensino universitário) em "parceria" (como eu gosto deste conceito, que serve tantas vezes propósitos duvidosos ... estilo "fazes tu, usufruo eu") com a Universidade de Santiago de Compostela. Para além disto, que diz respeito ao meu país, também lamento que a universidade galega se preste a este tipo de papel, de agente contornador da lei portuguesa.

Não haja dúvida: estamos perante uma fraude, em larga escala, que favorece os incapazes. Onde se encontra a Ditecção Geral do Ensino Superior, e as mais altas instâncias do Ministério da Ciência, da Tecnologia e do Ensino Superior? Basta de vigarices, basta de tolerarmos situações duvidosas e manifestamente deploráveis, que abastecem o País de incapazes graduados e enchem os corpos docentes de gente falsamente habilitada.

Tuesday, October 23, 2007

O circo e o pão

Como sou um comum mortal, e preciso de pão (leia-se, dinheiro) para prosseguir as minhas actividades científicas, passo pelo frequente calvário de tratar de assuntos junto do circo da omni-impotente Fundação para a Ciência e a Tecnologia, liderada pelo omni-ausente Professor Doutor João Sentieiro. Doravante, designarei o bicho pelo seu acrónimo, de FCT.

Pois bem, a FCT é uma instituição bancária, de duvidosa reputação e pouca estima pelos seus clientes. É assim que gosto de me referir a este conjunto de funcionários do Estado (que são diferentes do funcionário público: este gere o interesse público; o segundo acautela o interesse do Estado - como estão a ver são coisas muito diferentes, pois se pensarmos que no Estado estão muitos malfeitores...). A FCT assume-se como uma das maiores fraudes intelectuais do sistema político nacional: a instituição que paga para que se investigue, se aprofunde o conhecimento, e se gere tecnologia de ponta, é das mais abandalhadas que conheço. Infelizmente, é a arma financeira do Estado para estas andanças da Ciência, e como em Portugal ninguém (sem ser o Estado) financia ciência, lá temos nós de nos dedicar ao beija-a-mão periódico de submeter projectos para apreciação deste instituto.

Como muitos outros, submeto para lá projectos, mesmo sabendo que irão ser mal-avaliados, que as críticas que são colocadas são injustas e por vezes 100% incorrectas e só advêm do facto dos juris não terem tempo de ler convenientemente os projectos, que os recursos são intelectualmente desonestos, que os prazos nao existem, que as verbas são serão desbloqueadas (isto na remota hipótese de o projecto ser financiado) anos após o acordado. Normalmente, e como os projectos são imediatamente chumbados, nem temos esse problema: o que está resolvido, resolvido está, nem que seja da pior forma possível.

Mas eu quero é falar das minhas aventuras, não é descrever o modus operandi da FCT...

Como concorri, e como as críticas foram incorrectas, recorri da decisão. Portugal é um país (ainda é um país, ao contrário dos que acham que é um atoleiro, esses desiludidos) fantástico porque podemos viver uma vida na ilusão de que no recurso venceremos. Nem é unidos, nem o povo, nem nada que o valha, é no recurso!!! E como portuguesinho de gema, acredito no recurso, mas antes no recurso do que na Virgem, que nestas coisas da Ciência ainda é pior pagadora do que a FCT. E como recorri, quero ter o devido direito de saber quem me avalia. Não, creio não ter esse direito constitucional, não porque ele não me assista, mas porque a FCT não faz recursos - pelo menos em tempo útil. Infelizmente é uma constatação, corro sério risco de morrer de idade avançada antes de saber os resultados do recurso.

Veja-se: o concurso de que falo terminou à meia noite do dia 30 de Setembro de 2006, e após uma prorrogação excepcional do prazo, pois a FCT utiliza computadores doados pelo Projecto Apolo, esses mesmos que equipavam os módulos de alunagem da década de 60. Como os computadores deles não funcionaram, dilata-se os prazos de submissão das candidaturas on-line, para projectos cientificos. Ok, desta passa. Estamos no fim de Outubro de 2007 e ainda hoje não sabemos qual o destino final dos projectos submetidos nessa fatídica noite de 30 de Setembro de 2006. Um ano e um mês de espera. Pior: ninguém tem a mínima pista para quando os recursos (apesar de eu já ter recebido uma carta a dizer que o meu projecto iria ser re-avaliado brevemente; será uma indicação de que ainda não se esqueceram de mim? devo ficar satisfeito? no fim de contas, até gastaram um selo) nem tão-pouco se prevê qual a constituição do painel de iluminados nacionais que irá avaliar a minha candidatura. E porquê todo este chinfrim? Porque eu simplesmente NÃO CONFIO NOS MEUS COMPATRIOTAS. A razão, se bem que aparentemente mesquinha, é realmente pertinente: num mundo triste e cinzento como o da Ciência nacional, alguns iluminados não perderão uma única oportunidade de:
a) chumbar os projecots da alegada concorrência (neste caso, os meus)
b) roubar ideias
c) ver em que param as modas relativamete ao state of the art do que se propõe

A minha urgência em saber quem avaliará o recurso é óbvia: quero impedir que algumas individualidades tenham o prazer de avaliar a minha candidatura, porque não tenho qualquer motivo para acreditar na sua isenção, idoneidade, carácter, rectidão de postura, e já para não falar de conhecimento científico. E de acordo com o regulamento de avaliação, este sim, é um direito que me assiste.

Só que ninguém sabe quem avalia, ou quando serão as candidaturas avaliadas.

Outro assunto: para quando um novo concurso em todas as áreas científicas? "Não temos qualquer informação sobre isso", responderam-me. Como é possível termos um panorama científico sustentado com este grau de incerteza relativamente ao financiamento dos projectos? Se ninguém sabe quando vai existir novo financiamento, como poderemos manter grupos de investigação a trabalhar, que são constituídos por pessoas, que têm encargos, planos, projectos, sonhos legítimos de vida, aspirações a progressão na carreira? Nunca seremos competitivos enquanto a ciência nacional navegar à vista. É um escândalo que sejam anunciadas alegadas medidas de fundo (MIT, Carnegie Mellon, Fraunhoffer Institute), quando a coisa mais elementar, que é a de garantir uma periodicidade mínima de concurso a financiamento, está sistematicamente em causa. Mais: este é o motivo mais frequentemente apontado como desencorajador para a fixação de cérebros em Portugal, sejam eles imigrantes ou ex-emigrantes nacionais que pretendem voltar.

Se calhar temos de esperar mais dois anos: nas eleições, eles lembram-se de nós. E quem já esperou um, espera mais dois. No recurso.

Tuesday, October 2, 2007

País do faz de conta

Este é realmente o país do faz de conta, um país pequenino, parado no tempo, em que qualquer tentativa de crescimento se esborracha e esmorece perante a real crueza das instituições e da sua incompetência. As universidades públicas portuguesas criam monstros de dimensões atrozes, ou por motivações meramente políticas e estatísticas de conveniência ou de circunstâncias (como atingir pseudo-metas de desenvolvimento...), ou por birras pessoais dos trutas das cátedras, que se julgam arrogantemente detentores e donos do inalienável poder de criar licenciaturas para as quais não existe mercado de trabalho, ou que as flutuações sazonais ou "da moda" lançam no desemprego os recém-licenciados, porque simplesmente o país não precisa deles... Se calhar o país não precisa é de mais trutas, e devia zelar pela extinção progressiva dos que ainda temos, em vez de os acarinhar.

Depois do ovo chocado, nasce a cria do monstro, o tal que assumirá dimensões gigantescas, até para os limites geográficos do nosso país. Depois é ver estes reptilianos órfãos, estes recém licenciados, a emigrar, ávidos justamente daquilo que o país nunca teve para lhes oferecer: empregos condignos, em condições compatíveis com a sua área de actividade e formação, e bem pagos. Este país vive o síndrome da forretice, do investimeno de vista curta, da miséria natural - paga-se mal, e mais mal se pagaria se não assumisse dimensões de escãndalo haver licenciados a 600€ por mês.

Pois bem, o monstro truta choca o ovo, abre a casca e condiciona o desgraçado recém licenciado a acreditar que não existem alternativas para aquilo que ele mesmo, monstro, criou. Vergonha. Há faculdades e cursos em que é a regra a ausência de utilidade prática dos seus licenciados. Mas as vagas contiunuam a abrir, todos os anos. Na área das ciências biológicas e exactas (que me é particularmente cara...) veja-se cursos como física, matemática, biologia, bioquímica, biologia marinha, ciências do meio aquático. Qualquer licenciado proveniente destes cursos me merece o máximo respeito, e não julguem que desdenho. Mas decerto serão os próprios licenciados provenientes destas licenciaturas a assumir que não existe verdadeiro emprego, a não ser em claras e flagrantes excepções. E chega-se precisamente onde eu queria chegar.

Hoje em dia, muito do que se apregoa como emprego não o é. Ser cientista, na maioria das vezes, é ser um assalariado num regime ainda mais precário que a precariedade socialmente aceite, que é a do regime de recibos verdes. Mas quando o ícone que os alunos visualizam é o cientista, romantizado, ostracizado, abnegado, dedicado até à exaustão, é fácil de compreender que esta visão possa seduzir, e transformar-se num objectivo de vida. E o monstro truta da cátedra alimenta o vício, força a demonstração que "é a única via, isto está muito mal, não há emprego..."
Aliás, o interesse do monstro não é ingénuo, nem pode ser... quando ele influencia, fá-lo no seu próprio interesse: pode ser que ganhe mais uma orientação, mais uma publicação, mais um degrau no qual se apoie para as provas de agregação.

E depois a questão das vocações... Muitos dos que conheço não têm nem queda, nem jeito, nem disposição, nem vocação, nem ambição, nem possuem sequer a capacidade intelectual (a verdade tem de ser dita, e é politicamente incorrecto dizer que há idiotas, mas que os há, há!!!) para serem cientistas. Só o são porque não têm alternativas. Ou porque o monstro truta da cátedra já fez, de forma muito competente, o seu papel de sedutor/arauto da desgraça. Mas onde é que já se viu sítio onde, para se ser o melhor, não se tem vocação para isso?

Como queremos qualidade? Não podemos querer. E é ao monstro truta da cátedra que temos de pedir responsabilidades.

Monday, September 24, 2007

A seriação não é séria

Começo por pegar num tema que foi levantado pela Rita, no seu comentário a um destes posts: a necessidade de emigrar por ausência de financiamento.

Nada é mais castrante do que não confiarem em nós. E nada é mais intelectualmente castrante do que nos considerarem inferiores com base em critérios mais do que discutíveis. O estado português, por intermédio da FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia), administra os dinheiros adstritos aos trabalhos científocos a desenvolver em Portugal. E esta fundação, a FCT, confia a responsabilidade de avaliar o mérito de candidatos a financiamento (sejam eles cidadãos individuais, grupos de cidadãos, ou centros de investigação) no sentido de os seriar, com base em alegados critérios de mérito e de qualidade. Pois bem, estamos muito longe da verdade, embora eu próprio reconheço que w FCT já enveredou pelo bom caminho, se bem que muito lentamente, com a obrigatoriedade de avaliar projectos por intermédio de jurís internacionais.

A questão está nos critérios, pois ninguém me pode garantir um sistema 100% justo. Mas eu nem pretendo um sistema 100% justo, só pretendo um que seja revisto sempre que uma falha é observada, coisa que não se passa nos concursos desenvolvidos na FCT. O critério-mor, para atribuição de bolsas individuais de doutoramento, é a média final de licenciatura, que é um critério objectivo, e de fácil comparação. No entanto, surjem sistemática e inevitavelmente, complicações várias na aplicação deste critério, pois as médias são valores numéricos, que variam ao longo dos anos, e de curso para curso, e de universidade para universidade. Não é possível dizer que alunos com iguais médias mas provenientes de licenciaturas diversas valem o mesmo. Por vezes, têm valores intelectuais muito diferentes e que se podem constituir como críticos para a qualidade dos trabalhos a desenvolver. E utilizar este critério como o mais importante num processo de avaliação de mérito, é, no mínimo, estúpido - 1º, porque é falacioso; 2º, porque é injusto; 3º, porque pode ser falseado ou torneado por inflação artificial das notas; 4º, porque comprovadamente dá problemas, e ninguém tem a coragem política ou se dá ao trabalho de o mudar.

Desenganem-se aqueles que acham que o Estado é pessoa de bem. O estado compactua com injustiças, e longe de as mudar, absorve-as como parte integrante do processo, e faz um finca-pé tremendo no sentido de impedir a mudança. Resultado: os cérebros são expulsos, ou fogem porque não conseguem financiamento. Em contrapartida, aqueles cursos em que 90% dos alunos tem média de licenciatura igual ou superior a 16,0 valores, vêem os seus pupilos financiados, em detrimento de outros quiçá com melhores qualidades para desenvolver ciência. Como é possível este estado de coisas, sem que haja um critério uniformizador no processo de avaliação? Compara-se o incomparável para beneficiar por vezes os menos aptos. Claramente!

Assumo que comparar valores seja mais fácil para os avaliadores da FCT, mas não chega. Isso será o mesmo que reduzir as suas funções a meros contabilistas, coisa que não aceito. Primeiro, porque são muito bem pagos para avaliar as coisas, e segundo porque são professores universitários com conhecimento de causa.

Monday, September 17, 2007

A noção do mérito

Recentemente tive o prazer de ler uma reportagem sobre vários cientistas nacionais, radicados há já largos anos no estrangeiro (nomeadamente em países anglo-saxónicos) que ousaram regressar a Portugal, no sentido de exercer a sua actividade profissional de investigador. Li com toda a atenção do Mundo as considerações, as experiências, as vivências, as opiniões, os motivos dos respectivos regressos e as dificuldades antecipadas/esperadas num país de incomensurável atraso intelectual que é o nosso. E para cabeçalho desta reportagem, e emoldurada a letras pomposas, ficaram sempre as motivações das instituições nacionais que os convidaram e acolheram, como "excelência", "criação de grupos de elevada qualidade" e demais considerações superlativas no sentido de serem apostas ganhas à partida.

Pois bem, eu não acho que estes cientistas dos quais a reportagem falou sejam bons; eu tenho a certeza de que são excelentes. E compreendo e aceito com entusiasmo que se integrem no Sistema Científico Nacional como qualquer outro bom cientista que possa existir. Para que conste...

Agora o reverso da medalha: será que a excelência só existe lá fora, no tão português emigrante que regressa? Quantos cientistas excelentes existem em Portugal, e que pelos mais variados motivos optam por se doutorar nas nossas Universidades e nos nossos centos de investigação, e que não almejam nunca a terem a fama e o proveito dos filhos pródigos? Aqueles aos quais nunca são dadas condições de brilhar em pé de igualdade? Atente-se que não retiro aos cientistas que voltam qualquer mérito, antes me ocupo a dizer que o sistema nacional (conhecido por não premear o mérito nem incentivar a criatividade, a inovação e a inventividade) os impede de assumirem o seu real valor, caso nã emigrem. Os cientistas que regressam tiveram o mérito, a sorte ou o feliz acaso de se integrarem em equipas que lhes permitiram crescer do ponto de vista intelectual e científico, e assumirem-se com líderes e cientistas com inegável qualidade. Caso tivessem permanecido em Portugal, seriam mais um número no mar de investigadores da penumbra, aos quais os chefes prolongam os planos de trabalho para usufruirem dos "doces prazeres da escravatura". Portugal não é um país justo: em Portugal minam-se as ideias, e reduzem-se os méritos a mesquinhas relações de poder parasitário e contraproducente. A qualidade, principalmente quando emana de um subalterno, é inimiga do estatuto, torna-a um alvo a abater, é motivo de silenciamento e de ostracismo e exclusão. A qualidade é inimiga da "nossa" perfeição, porque o sistema perfeito nacional é aquele em que nada se questiona, nem tão pouco a estupidez.

Pergunta: não haverá gente boa em Portugal? Claro que há. Será que seremos tão provincianos ao ponto de achar que em Portugal, e para se ser bom, temos de arrecadar o conhecimento, o mérito e a reputação lá fora, para depois re-ingressarmos pela porta grande e com tapete vermelho no sistema? Será que embarcamos burros e voltamos génios? Será que ainda não ultrapassamos a síndrome da mala de cartão, em que tudo o que aparenta ser estranjeirado é bom? Será que só nos poderemos assumir na qualidade depois de nos sujeitarmos ao Purgatório do exílio?

Quanto perde o país com este espírito? Imenso, uma quantia avassaladora e inimaginável de know-how. Quem ganha com isto? Os medíocres.

Uma nota curiosa: recebo quase diariamente e-mails a pedir a divulgação de posições de docência de Universidades nos mais variados recantos do Mundo. Nunca recebi uma única para uma posição de docência em Portugal. Porque será? É a tal noção do mérito que ainda não temos, e que não teremos tão cedo.

Sunday, September 2, 2007

Ainda as responsabilidades do Estado

Nem mesmo o mais fiel acólito da ideologia neo-liberal gostaria de ver uma sociedade ocidental totalmente desregulamentada. O papel do Estado é assim fundamental, quanto mais não seja na harmonização e arbitragem das relações entre os cidadãos. Só assim se justifica que existam tentativas de concertação social, em rondas negociais anuais, que visem o estabelecimento de mútuo acordo dos assuntos que dizem respeito ao trabalho. A partir dessas rondas, são adoptadas resoluções e, acima de tudo, há preceitos que ganham força de lei, com o surgimento da imprescindível legislação laboral.

Mais uma vez, na Ciência, não existe nada disto. E até certo ponto, existiu (e chamo a atenção para o tempo verbal - no passado) uma justificação aparente para esta questão. Quando o financiamento da ciência era uma questão absolutamente marginal na nossa sociedade, eu até poderia aceitar que a regulação da sua actividade fosse incipiente. Quando o Estado financiava a actividade de algumas dezenas ou pouquíssimas centenas de indíviduos, e ainda por cima com uma quase garantia de empregabilidade no final do período financiado, o cenário das bolsas era, DE FACTO, transitório. Esta natureza fez com que a necessidade de regulamentação das relações nunca fosse assumida. Mas agora???? O Estado, no que à investigação nacional diz respeito, é o maior empregador nacional, financiando directamente largos milhares de investigadores. Assim, não é de todo aceitável que a instituição Estado se divorcie do seu papel de parceiro social e ignore, de forma sistemática e com o maior dos descabidos descaramentos, esse seu papel. Modernidade, equidade e justiça são conceitos que não se coadunam minimamente com abusos próprio da uma ditadura sul-americana, e que o Estado permite diariamente nas suas próprias instituições de investigação científica. E vejam: apregoando bandeiras como as do choque tecnológico, parcerias com MITs e Carnegie Mellons, acordos com Fraunhofer Institutes...

O trabalhador da ciência nunca é reconhecido como tal, e a própria terminologia "trabalhador"constitui verdadeiro cavalo de batalha há mais de uma década para a nomenklatura científica nacional, e apesar de sérias recomendações da União Europeia no sentido de se considerar estes trabalhadores como detentores dos direitos e garantias de todos os demais. E a estratégia é simpes: é a da avestruz, se o problema não se vê, então é porque não existe; se o investigador não é um trabalhador, então não tem os direitos dos trabalhadores. Simples, e inovocam-se argumentos giríssimos, como o facto de que o investigador científico está "em formação". Se virmos que, hoje em dia, todas as estratégias empresariais e outras, falam de aprendizagem ao longo da vida, posso concluir que o próprio Ministro da Ciência estará em formação - logo, não deve receber um salário, mas antes uma bolsa, e a 12 meses... de 745€ mensais + seguro social voluntário indexado ao salário mínimo...

Mas isto até nem é o mais grave. O mais grave é a total falta de protecção social. E até calha bem que a questão da flexisegurança esteja em discussão quase permanente em Portugal (só para situarmos o conceito), porque na Ciência o que existe é a flexi-insegurança, e por total omissão do Estado. O Estado dá dinheiro para que se investigue, mas não controla minimamente as relações que se estabelecem dentro dos próprios laboratórios. E num país como o nosso, de saudosistas e aspirantes a Salazares, desregulamentar é o mesmo que abrir a porta a todas as formas de exploração e de abuso. É confrangedor observar a situação de algumas instituições de investigação, integral ou parcialmente financiadas pelo Estado (alegadamente para servir "os interesses estratégicos nacionais") em que os chefes são imperadores de algibeira, mandando e desmandando, decidindo arbitrariamente qual o futuro dos seus colaboradores, e sem precisar de dar qualquer justificação para os seus actos. Para despedir um bolseiro do Estado, é tão simples como uma carta dirigida à entidade financiadora do próprio Estado - e está o gajo na rua, limpinho!!! E estas cartas são instrumentalizadas, na base do "ou te portas bem, ou como eu decido a meu bel-prazer, tens de ter cuidado". E ninguém pede contas, ninguém investiga as razões do conflito, ninguém arbitra, ninguém define compensações para a parte que mais vulgarmente sai lesada que, é a do trabalhador da ciência, naturalmente.

Se for ao contrário... O Estado criou uma entidade virtual, que deveria apurar as reais condições em que o conflito existiu. No entanto, atentem por favor nas minhas palavras, pois é uma entidade completamente virtual, nunca regulamenteda, que nunca vi em acção. Agora despedimentos baseados em critérios abusivos e em resultado de abusos de poder discricionário, são mais do que muitos.

No próximo post falarei das péssimas condições em que alguns grupos de trabalho, pagos pelo Estado, trabalham, com óbvio prejuízo da saúde dos investigadores.

Wednesday, August 29, 2007

Comentário no Jornal Público

A questão das estatísticas, motivo que me levou a comentar uma das recentes notícias dando conta do interesse do Presidente da Républica sobre a falta de isenção e qualidade deste instrumento, é assaz interessante.

A Ciência não é o motivo que me faz escrever por ser cientista; é o motivo que me faz escrever por eu a interpretar como uma alavanca do progresso do nosso País. A Ciência, e a sua aplicação tecnológica, é o motor que faz com que as verdadeiras economias modernas e competitivas (Japão, alguns países europeus e os Estados Unidos da América) se mantenham há décadas como superpotências industriais e económicas. A Ciência é um dos caminhos para a criação e (posterior) divisão da riqueza, contribuindo para uma diminuição das desigualdades sociais e para um aumento da qualidade de vida dos países onde é desenvolvida. São estas as razões que me fazem assumir esta verdadeira e sincera afinidade com esta questão. Mas assumo igualmente que, caso não fosse cientista, provavelmente não teria possibilidade de encarnar este papel, pois a minha sensibilidade para estas questão seria, no mínimo, académica...

E aqui é que de facto a porca torce o rabo. Vivemos num país mesquinho, de gente pequena e inteligência mediana, muito versada na maledicência e na manutenção de quintais estéreis. Mas o meu quintal, é meu, só meu, e ai daquele que se atreva a achar que o meu quintal podia ser mais produtivo. E de quintal em quintal, de canteiro em canteiro, de regato em regato, vai este país perdendo as oportunidades de se tornar mais moderno, mais rico e inevitavelmente mais justo. É esta a importância que dou ao meu papel. A maioria dos portugueses nem sabe, nem sonha que sequer se faça ciência em Portugal, mas Ciência a sério, da boa, para além das aparições sistemáticas dos comentadores habitués de algibeira, que são físicos e falam também muito bem de biologia e bioquímica, que vá-se lá saber porquê sentam o traseiro em tudo o que é oportunidade para aparecer no pequeno ecrán, a intoxicar as mentes das criancinhas e dos ignorantes com meias verdades, com lugares comuns que aprenderam na meia hora anterior a entrarem no ar, com ideias modernaças e espalhafatosas, com pequenos intróitos pseudo-intimistas (como se o homem-espectador esclarecido lá quisesse ser inundado com sentimentalismos balofos de quem abandonou o seu lar e um dia regressou...), com ignorância travestida de conhecimento profundo... É por isto que por vezes me revolta profundamente ser português, por ver serem dadas oportunidades (e tempo de antena...) para ouvir a mais profunda boçalidade e banalidade, somente porque o orador "fala muito bem". Por mim, até podia dizer asneiras em solfejo, que eu não pago bilhetes para perder tempo. E não admito que uma televisão do Estado esteja ao serviço de lobbies, sejam eles de natureza económica, sexual, política ou mesmo científica...

Porque são este figurões a quem interessa falsear a ciência!!! Quem é bom, e quem realmente fez o ensaio, a experiência, quem espreitou no microscópio, quem preparou a bicharada, quem andou metido em lodo até ao pescoço a medir não-sei-o-quê, esse sabe decerto sobre que versa aquilo que escreve. Agora o físico/biólogo/bioquímico/lobbista percebe de quê, para além de olhar muito bem pela sua vida? E as estatísticas tratam os dois por igual, o que faz, e que é o verdadeiro CIENTISTA, e o outro, o chulo dos costumes finos, o especialista em tudo e mais alguma coisa, o comentador do fait divers, que tanto comenta a mais recente descoberta no âmbito da luta contra o cancro do colón como o último golo do Belenenses, que por acaso até estava em fora de jogo. E é com estas estatísticas que o Governo tapa o sol com a peneira, dizendo que há excelentes investigadores em Portugal, e mantém o parasita na sua Torre de Babel, no seu pedestal, à frente de um laboratório "muito produtivo". Há, com toda a certeza, mas seremos unânimes em concordar que haveria melhor investugação se aos bons investigadores se retirasse o peso do parasitismo do seu director. Porque se mérito há a dar a este último, será somente o mérito de ser mestre na arte de enganar, e enganar com números, o que é complicado. As artes de presditigitação, ou de saltimbanco, são convenientes para os espectáculos de feira, ou circenses, onde a pantomina é breve e inofensiva; agora andarem a brincar com o futuro deste país, e de uma geração de cientistas brilhantes, só por uma questão de ego e de "testículos", então vão-me continuar a ler as crónicas apimentadas.

Lembre-se o grande público: o nosso futuro depende da ciência; até quando estaremos dispostos a ser enredados por falinhas mansas, e enganados por tempo indefinido?

Sunday, August 19, 2007

Dar o nome II

A questão de se dar o nome, com tamanha frequência no nosso país , como se fosse um fado, um destino, uma fataliqade, uma necessidade inapelável, encerra em si um complexo de inferioridade, de mesquinhez, de fazer passar uma imagem de falsidade e aparência que só existe por sermos nós os verdadeiros herdeiros da deseducação fascista. Um dos melhores acontecimentos, e que ainda hoje opera na sociedade portuguesa, prende-se com a democratização no acesso ao ensino superior. Aquilo que é de facto uma conquista da democracia converteu-se, paulatinamente, num poço de problemas irresolúveis, tanto mais que a sua resolução dependeria da (boa???) vontade de uma seita de indíviduos.

Vejamos:
As cátedras das Universidades Portuguesas estão pejadas de senhores e senhoras (por esta exacta ordem) que se formaram (ou licenciaram) nos idos do Arroz de XV, quando o Botas e a sua visão hierarquizada da sociedade permitia que o dinheiro, o estatuto, a beatice e a intensidade do mofo que emanava das sobrecasacas se sobrepusessem aos outros critérios na entrada para o Ensino Superior. Convenhamos, só uma pequeníssima fatia da população podia dispensar os seus filhos da obrigação de irem buscar sustento, quanto mais agora permitir-lhes andarem a perder tempo em estudos... Era a 4ª classe, "porque se eu não precisei, ele também não precisará", para a esmagadora porção dos portugueses.

Então a elite, tal como todas as elites que surjem como reflexo de regimes totalitários (as intelligentsias), fez o que pode (o que até não foi muito) para evitar que outros achassem que podiam comer da mesma gamela. Era escandaloso o proteccionismo corporativista balofo e sem qualquer sustentação ideológica que impedia o acesso de gente ao ensino superior. Ainda hoje se vê, mas com menos preponderância: para se ser médico em Portugal só se tem de ter 22 de média de licenciatura, 3 braços, um fígado suplente debaixo do banco de trás e uma boa dose de presunção aos dezoito anos, que é quando se sabe mais sobre os factos da vida. E digo-vos, baseado na minha experiência profissional: há médicos francamente burros, e formados em universidades portuguesas. Mas têm 3 ou 4 braços, acredito que tenham o tal fígado e presunçosos são com toda a certeza.

Mas com o advento do 25 de Abril, as coisas facilmente assumiram outro pendor, outra orientação, e houve que se fazer re-ajustes. E foram os re-ajustes que se fizeram que entalaram todo o futuro da Universidade tal como a concebemos: Os poleiros continuaram a existir, as nomeações, as entronizações, os direitos adquiridos, as mordomias (tive um professor que era conduzido por um chaffeur até às aulas, sendo eu aluno da Universidade do Porto), os escândalos, os tachos, os cargos feitos à medida, as verbas a serem distribuídas de acordo com as necessidades, a ciência a ser feita pelos amigos, a exploração dos alegados subalternos. Onde eu quero chegar é à seguinte conclusão: o movimento social, político, ideológico, cultural e até moral que colocou Portugal no centro do Mundo político em 1974 nunca foi encarado como uma necessidade para as elites da ciência nacional, que ainda hoje preferem a pequenez controlada de um vão de escada, em que quem fala rapidamente pode ser apontado, à competitividade fundamental para um engrandecimento justo e meritório dos verdadeiros cientistas da nossa praça. Enquanto houver perseguições políticas ou pessoais, enquanto houver concursos em que os critérios de avaliação não são fornecidos aos avaliados, enquanto a seriação for feita por indíviduos ligados aos avaliados, enquanto os critérios de avaliação tomarem em linha de conta unicamente parâmetros para um concurso desse ano, enquanto não houver uma verdadeira separação entre avaliação científica e avaliação pedagógica, enquanto não houver moralização extensiva com afastamento das maçãs podres, enquanto o Ministério Público não investigar e auditar as contas dos projectos financiados pela FCT e dos Laboratórios Associados, então não nos queixemos nunca de que a investigação que fazemos é má. Será sempre má enquanto não houver liberdade de contrapor às palavras das vacas-sagradas as opiniões mais válidas de quem tem realmente valor.

Por isso me indigno contra a fatalidade em que muitos dos meus colegas se enredam quando entregam as suas ideias para que outros, verdadeiros parasitas, dêem o nome, e usurpem a glória. A isto chama-se prostituição científica.

Tuesday, July 24, 2007

Dar o nome

No nosso país existem muitas situações que são, no mínimo curiosas, de tão estranhas que são, sendo simultaneamente do domínio público. À boca fechada, comentam-se algumas, sabem-se outras, confirma-se umas tantas, e até se vai congeminando uma nova série de coisas verdadeiramente estrambólicas que assolam a ciência nacional. E é deta cinência nacional portuguesinha de gema e com letra minúscula que eu habitualmente falo, porque é essa que me faz mais espécie e que me faz desconfiar de todas as iniciativas salvadoras que o nosso ministro da ciência (outra vez com letra minúscula) vai apregoando. Um dos sindromas mais escabrosos é o de dar o nome às coisas.

Por dar o nome, significo assinar por baixo algo que não é da sua autoria. Na nossa ciência é coisas mais do que comum, é extremamente frequente, é inclusivamente quase um ritual iniciático para o jovem investigador. Resumindo: o júnior tem uma ideia, nos seus momentos de ócio passados no WC, amadurece-a, transforma-a num conceito inteligível, fá-la crescer e tomar forma, verte-a numa folha ou num disco rígido, prescruta, debate-a consigo e com os seus pares, e depois, para mal dos seus pecados, comunica-a ao chefe. E essa ideia, que tanto esforço, abnegação, e romantismo lhe custou é imediatamente apropriada, por que em Portugal, ao contrário de outros cantos do globo menos civilizados, só os chefes têm boas ideias. E que ideias, meus senhores, ideias fantásticas, ideias revolucionárias, ideias que garantem saltos no conhecimento, ideias que acabam com a pobreza, com a miséria, com a fome e com a doença! Estes chefes protugueses são fantásticos. Avé, chefe, que conseguiste fazer vingar o que roubaste, o que teu não era, mas que passou a ser!!!!

A isto, meus amigos, é o chamado "dar o nome". E isto é mato na ciência nacional.

Eu até gostaria de ter acesso aos dados que me confirmassem qual a autoria científica e consequentemente moral dos projectos dos grandes cientistas de renome nacional (e coloquei aqui propositadamente o termo nacional, porque aquilo que por vezes vende muito bem cá dentro não passa de uma mixórdia quando comparado com os verdadeiros cientistas internacionais...). Aí muita gente teria enormes surpresas, porque o que cá se aprova com determinada roupagem tem na sua génese gente bem capaz, que não é quem assina a folha. O argumento para fazer isto é simples: para além de haver chefes que pura e simplesmente não autorizam que os seus investigadiores o façam (sob pena de represálias, como o despedimento), há outros que utilizam o vicioso argumento de que se for o junior a assinar, o projecto tem menos probabilidades de ser aprovado. Coisa mais mentirosa não há, porque felizmente e apesar dos caciques, as avaliações começam a ser um bocadinhos mais isentas. Esta atitude é uma mina para beneficiar uns (os tais chefes...) e para prejudicar os outros, os juniores, os legítimos autores intelectuais das ideias. E distorce inevitavelmente a avaliação curricular que é a base do nosso sistema de creditação da qualidade do trabalho produzido.

Por absurdo que possa ser, um indíviduo que adopte esta atitude terá garantida a aprovação de todos os projectos que assine (note-se: assine) pelo simples facto de ter mais curriculum. Mas por absurdo que possa parecer, é este tipo de atitude que vale muita da cátedra que por ainda anda. Ai pois é...

Monday, July 2, 2007

As responsabilidades do Estado

As responsabilidades do Estado em matéria de investigação são enormes. Para além de ser, isoladamente, a maior fonte de financiamento para a Ciência nacional, o Estado detém igualmente, por intermédio do Governo, as ferramentas imprescindíveis para que a iniciativa privada passe a ser também um bom investidor na Ciência. A primeira responsabilidade, que é a ocupará este post, é cumprida de forma francamente insuficiente, não tanto pela verba dispendida mas principalmente pelas opções erradíssimas que o Estado teima em tomar, a vários níveis e que apresentarei de seguida.

Começa tudo pelos esquemas de financiamento. Enquanto o Estado previligiar o mérito meramente curricular, de forma cega e sem levar em consideração factores como a idade dos condidatos a projectos científicos, estaremos sempre na dependência de gente ultrapassada mas com nomes míticos no panorama nacional. Serão sempre os mesmos nas mesmas áreas, a ganhar os projectos, nem que estes tenham sido escritos por cientistas mais novos. Estes cientistas mais novos, e perante este estado de coisas, preferem amíude ir ao beija-a-mão para garantir a mínima hipótese de terem algum projecto aprovado, que é o mesmo que dizer ter algum dinheiro para financiarem a sua própria investigação. Há uns anos, recebi um mail que andava a circular dentro de um deerminado Laboratório Associado, em que o seu Director, um cientista senior e do topo da carreira docente pública, "pedia" aos investigadores juníores que incluíssem nos seus projectos a designada "brigada do reumático". Então eu perguntei cá para mim: "Se são tão bons, estes velhadas, para que precisam que sejam os seus alegados subalternos a incluí-los nos projectos?" O facto é que, como eu já afirmei neste espaço, a ciência portuguesa é de fachada, em que quem assina não é quem assume a verdadeira responsabilidade, e como aparência, financiam-se projectos de fulano velho sob a alçada de sicrano novo. E depois estes mesmos elementos da brigada do reumático criaram figuras assaz interessantes, como o gestor do projecto: é o indíviduo que o escreveu, que o deu por motivos hierárquicos a assinar ao seu superior, mas que assume a verdadeira responsabilidade pelo projecto em si, porque o velho não está para se chatear, ou nem sequer tem tempo. Mas tem espaço no curriculum para escrever lá mais duas linhas, na qualidade de investigador responsável pelo projecto XYZ... E no próximo concurso, o velho tem ainda mais possibilidades de ganhar um outro projecto, enquanto que o novo tem cada vez menos. É o chamado generation gap.

Depois, o Estado mesmo sabendo desta situação, já exposta anteriormente, não tem a capacidade de resolver minimamente a questão. Na minha opinião, fá-lo porque não tem interesse em comprar uma guerrilha com os cientistas seniores, dos quais depende para muita coisa. Quando mais não seja, para a copofonia científica. Como para dizer mal, está meio mundo, mas para apresentar alternativas nunca ninguém se assume, eu faço-o: porque não equacionar uma linha de financiamento de projectos científicos exclusivamente com base na idade, uma divisão sub-40, por exemplo? É que simplesmente não se pode colocar no mesmo patamar cientistas (e curricula) de 60 e de 25 anos! Mas eu advogo a criação desta linha sem haver qualquer intenção redutora ou infantilizante, nem de criar uma linha de investigação sub-alterna ou de menos qualidade. Seria somente um artifício no sentido de aumentar a equidade de condições a concurso. É que com o patrocínio do Estado eu já recebi críticas dos avaliadores dos projectos que me rejeitaram uma ideia com o argumento de que o investigador principal (eu, neste caso) é demasiado novo. Estando eu para muito além os 30, com que idade se poderá aceder a este financiamento? Em que alínea este critério se encontra no Edital dos concursos que o Estado patrocina? Como é possível que no mesmo concurso tenha ganho projectos com a classificação de excelente e tenha sido rejeitado por ser "demasiado novo"? Aqui há gato escondido com o rabo de fora.

No seguimento do ponto anterior, temos a corrupção generalizada no processo de avaliação. Como é que o Estado justifica que haja áreas científicas para as quais os jurís são os mesmos de de há 7 anos a esta parte ? Estas dados são públicos, queiram aceder ao historial das avaliações da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (www.fct.mctes.pt) e confirmem. É que à mulher de César não basta ser séria, tem de parecê-lo. E o Estado nem é, nem o parece, nem o quer fazer crer.

Depois temos a questão da regulamentação dos papeis. Em idos de 90 criaram-se os designados Laboratórios Associados, que aliavam uma maior independência de gestão dos projectos e das próprias linhas de investigação com um papel de prestação de serviços aos governos da Républica em matérias achadas de interesse nacional. Então, optou-se por chamar verdadeiras comissões instaladoras das universidades públicas, para fazerem o papel de batedores de terreno. Instalaram-se, começaram as suas actividades de formação, mas... ainda hoje lá estão, porque ocupam luigares chave, e deles não abrirão mão tão cedo. Não lhes interessa a criação de uma verdadeira carreira de investigação, pois será sempre mais um obstáculo ao exercício do poder a divisão desse mesmo poder com investigadores de carreira, cuja única ocupação é investigar, ter projectos financiados e orientar alunos. Como o dinheiro é poder no seio destas instituições, um investigador sério e competente (caso tenha muitos projectos) pode fazer perigar a posição de um professor-barão, e colocar em risco a hegemonia institucional. Sou francamente favorável à criação de uma carreira de investigação séria, baseada em pressupostos estratégicos e em garantias válidas no que diz respeito às questões laborais. Agora definirem-me investigador auxiliar como "um pós-doc com mais um bocadinho de autonomia", como um elemento da direcção de um laboratório associado me definiu um destes investigadores é que não.

Lançarei mais questões pertinentes no próximo post.

Friday, June 29, 2007

O Rei vai nu e gosta

Ainda a questão dos projectinhos da UP...

Eu não me canso de bater em determinadas teclas, porque são estes alvos que estragam o que de bom poderíamos ter por cá. Estragam a nossa competitividade, transformam-nos em feudos da ignorância, da lambebotocracia, do beija-a-mão, da dependência solene de homenzinhos cinzentos que se instalaram nas calendas pré-25 de Abril. E depois há os outros, os de pós-25 de Abril, que refinaram a técnica dos seus pares anteriores. Parece um movimento imparável, de vingança contra desconhecidos, um bocado na lógica primária do "fizeram-me sofrer, vou fazer outros sofrer muito mais". Vê-se isto nas praxes académicas, mas eu dou-lhes um devido desconto, porque a maioria dos que praticam este lema é pouco inteligente (a veterania académica premeia a burrice) e estão bêbados.

Enfim, daremos um ar leve a estas questões, porque este blog não serve somente para denunciar, serve para fazer sorrir e pensar, e equacionar o que é ser Português na Ciência.

Há uns anos, incompatibilizei-me com uma personagem da arena científica nacional por razões várias, que conduziram a um total afastamento da minha pessoa relativamente às suas lides (arenas e lides, neste caso, até combinam bem; não sendo eu um aficcionado tauromáquico, tenho de reconhecer que este imaginário taurino se aplica à questão em causa). Fartei-me de aturar estupidez, porque a há, e da grossa, até na Ciência. E desde então, essa personagem, que não se limita a pavonear o cabelinho pintado pelos salões de conversa psuedo-científica deste país, tem feito aquilo que de mais civilizado se faz actualmente, que é a vendetta. Porque a sua lógica, qual "Raging Bull" de ringues de 2ª categoria, é o "não estás para me servir, estás contra mim" - e para os mais incautos e não familiarizados com estas andanças da ciência, isto é comum, muito mais do que se pensa. É a elevação do discurso, tão banal entre vendedoras de peixe, trolhas e demais actividades profissionais que requerem elevada formação académica como doutoramentos e agregações.

Isto em parte dá razão ao chavão do povão: quanto mais se estuda, mais malcriado se fica. E às vezes mais intelectualmente diminuído se fica, e torna-se aceitável legitimar ferramentas como lixar os colegas, a maledicência generalizada, a coscuvilhice gratuita... Ms isto são considerações próprias de de heróis de pacotilha e calimeros profissionais, e não é bem o que me trouxe aqui.

O que é facto é que o próprio Estado envereda por estas coisas. Vejamos: quando um concurso (e atentemos na palavra "concurso": "servirá o propósitio de escolher o melhor entre um lote de pré-seleccionados, o mais adequado, o que mais reúna condições para um determinado objectivo...") da responsabuilidade do Estado é apropriado por gente deste calibre, ao nível de salteadores de cemitérios, a coisa está manifestamente inquinada.

Quando projectos científicos são aprovados por juris internacionais de reputação e méritos reconhecidos em concursos globais, e depois um projecto com a mesma filosofia de base é reprovado por esta escumalha, ao nível mais do que doméstico, nacional e interno, então é porque este país deixou de valer a pena. Então é porque a vendetta compensa, é porque a estupidez pode assumir-se como uma "driving force" deste sistema, é porque os porcos triunfaram. Estes cenários são comuns, e são considerados por muitos como parte integrante e inalienável do jogo. Mas eu não me conformo, e como eu sei que há muitos outros que questionam este sistema de valores vetusto. A ciência nacional está pejada de vaidades e petulâncias, de quintais, de estatutos de excepção, de conivências e ilegalidades, de silêncios hipócritas, de cientistas virtuais, de lambe-botas, de vacas sagradas, de heróis alcoólicos, de incompreendidos e frustrados, de fundamentalistas, de acólitos de Deus e do Diabo, de John Waynes e Charlie Chaplins, de palhaços, de lobbies gay e de incompetentes para os quais a moralidade é uma palavra oca.

Thursday, June 14, 2007

A universalidade do intelecto

Este país tem dos mais belos climas do Mundo, até se come bem, a criminalidade não tem a expressão das ruas de Bagdad ou do Rio de Janeiro, há quem pague impostos, pelo que até nem é um inferno, mas tem coisas deliciosas.

Ontem telefonei para a FCT, e indaguei acerca da comunicação dos resultados relativos aos projectos submetidos no ano passado e referentes aquele concurso que deveria ter terminado numa data que agora já nem me recordo, mas que efectivamente terminou 30 dias depois, por pura incompetência do serviços informáticos da FCT. Decerto se lembrarão porque muitos dos que nele concorreram perderam os seus últimos dias de Agosto (o mês do tão merecido descanso...) a compensar as ursadas desta instituição famigerada que dá pelo nome de Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

Lá fui atendido, esperei alguns segundos, e questionei para quando a comunicação dos resultados, visto a avaliação ter sido feita há mais de uma mês. Disseram-me que até já tinham os resultados, mas que precisavam de uma autorização superior. E eu pensei que essa autorização deve ser divina, deve provir exactamente de Deus, pois "superior" na FCT não há nada. Dizem que tem um presidente, chamado João Sentieiro, mas eu creio que é a versão cientifica do Américo Tomáz, corta umas fitas, assina uns despachos e no entretanto alivia os nós das cordas com que o Ministro o manipula, para não ganhar escaras. Não passa de um fantoche.

Pois bem, essa autorização divina não veio, logo o país da ciência pára. Ok, nada de novo, surpresa zero. E para quando, minha senhora, se dignarão Deus e o corta fitas a empunhar a caneta? Fui assim informado que estas coisas demoram, porque Deus por vezes adormece na retrete e quando acorda, apercebe-se que usou inadvertidamente os relatórios como papel higiénico. Pelo menos, é um hábito que o Deus que rege a FCT tem, que é usar os projectos como papel utilitário. Lá para a próxima semana... Segunda feira, talvez.

Farto de esperar, pois feitas as contas perdi noites de sono há quase um ano para nem ver se os meus projectos foram lidos, argumentei que os paíneis de estrangeiros (sim, são todos estrangeiros, que parolice, que ruralidade, que maneira mais bizarra de arranjar isenção, como se todos os avaliadores portugueses tivessem bigode, unhaca do dedo mindinho e um palitinho ao canto da boca 2 horas após a refeição...; são todos estrangeiros, mas nomeados por portugueses, exactamente aqueles que continuam a beneficiar dos benesses, para garantir a tal isenção) são demasiados bem pagos para andar a dormir. E a ruralidade tomou conta da conversa: "sabe, Sr. Professor, os avalidores são muito ocupados, até temos de os lembrar que têm de nos enviar os relatórios..." Pois, devem ser os relatórios das instituições portuguesas, porque tenho as minhas dúvidas se terão o mesmo comportamento na terra deles.

Enfim, estupidez na instituição que financia a busca do conhecimento em Portugal...

Depois questionei para quando o cronograma da abertura de novos concursos, pois sei de fonte segura que o tal corta fitas assumiu publicamente que os mesmos concursos abririam com uma periodicidade anual. Disse à tal funcionária que tinha ouvido o chefe dela dizer isto. Resposta pronta: "Sabe, Sr. Professor, às vezes mais valia que ele estivesse calado..." Pela primeira vez na conversa, que já se entabulava há alguns minutos, concordei com a senhora. Isto é a prova do conceito da universidade do intelecto, por muito burros que sejamos, há-de haver algo em que teremos a mesma compreensão. Neste caso, concordamos que o corta fitas mais devia ter estado calado.

E a dita senhora, funcionária pública (hoje em dia é perigoso para um funcionário público dizer estas coisas) confessou que lá (FCT) não havia comunicação, que eles são os últimos a saber das decisões. Concordei novamente, e provei o conceito da universalidade do intelecto: é que toda gente, tanto dentro como fora da FCT, sabe que ninguém se entende na Ciência. Ninguém comunica em Ciência. Mas talvez este manto de silêncio sirva propósitos obscuros, que não ousei discutir com a minha interlocutora de ocasião, porque imagine-se as repercussões da universalidade do intelecto se ambos concordássemos que, para além de pouco brilhante (eufemismo claro), o corta fitas é mal intencionado? Ou que o Ministro é mal intencionado? Ou que andamos todos a mangar com a malta?

Despedi-me e desliguei com um sorriso nos lábios. Afinal o Sol brilhava e tinha almoçado arroz de marisco. Espero até segunda feira para concordar com mais umas coisitas.

Wednesday, June 13, 2007

Se a opinião pública soubesse...

Num país como o nosso, em que falar de corrupção é quase tão banal como discutir os feitos da Selecção, pode parecer redundante, inútil e até insultuoso que se refira a ciência como um bom palco de actividades de corrupção. Num país em que as suspeitas recaem, e de modo fundamentado diga-se!!!, sobre as autarquias, polícias, serviços públicos, agentes desportivos e actores políticos, a ciência será encarada pelo grosso da opinião pública como uma actividade marginal, caso de uma franja escassa da população, logo não meritória de atenção.

E que diabo, se se fala de uma presidente de câmara municipal que se pira para o Brasil em face de um processo de corrupção, para quê falar de meia dúzia de indíviduos acabrunhados de bata e óculos, enfiados nos seus laboratórios, quando podemos ter muito circo (e pouco pão, mas essa é uma discussão secundária...) com esta senhora? Porque ela até fala alto, com sotaque do Norte, gesticula, alegadamente não tem papas na língua, não é feia ou asquerosa, e teve a lata de roubar descaradamente, o que constitui por si só uma prova de testículos? Não, o que a gente quer é gajas destas, queremos lá saber da corrupção na ciência... Pelo menos, a avaliar pela reacção que esta temática desperta na generalidade da opinião pública, creio que reproduzo os pensamentos que correm pelos dois dedos de testa do cidadão nacional média. E se nem o Saldanha Sanches fala disto, então é porque isso é coisa pouca.

Mas aqui é que a opinião pública se engana. Se a opinião pública soubesse...

Por exemplo, se a opinião pública soubesse que cada projecto financiado pelo estado português pode chegar aos 200.000€, e que muitos deles são obtidos (eu diria até sacados) com expedientes emnos claros, então se calhar poderíamos já ter muitos sobrolhos franzidos.

Se a opinião pública soubesse o mal que estes professorzecos fazem ao país... então alguém começaria a pensar em pedir contas a alguém. O atraso estrutural que assola o nosso país em termos de educação tem pouco a ver com défice financeiro, mas sim com uma total incapacidade cultural em ultrapassar a herança do fascismo, do compadrio, da cunha, do beija-mão, da hierarquia fundamentada em pressupostos de superioridades e inferioridades, do classismo, de falta de competitividade e de competição, da contabilidade dos favores. Se se pensar que o nível de vida comparativamente mais baixo em que vivemos é o resultado de ausência de políticas de formação, nomeadamente ao nível científico (que é a alavanca do desenvolvimento das sociedades europeias normais, americana e japonesa) então todos poderíamos estar bem mais satisfeitos com os nossos serviços públicos de saúde, de segurança social, de protecção, de defesa do património cultural... Mas como alguns gostam de engrxar, e outros gostam de ser engraxados, junta-se a fome à vontade de comer: o que é de todos é simplesmente desbaratado para pagar favorecimentos e a manutenção do estatuto. Vejam o exemplo dos orçamentos das Universidades públicas: como se vai reduzir a dotação orçamental se se pretende manter este panelão gigante e sem controlo a partir do qual comem muitos afilhados? Com que cara vê o padrinho a redução do tamanho do panelão, ou o corte na quantidade de arroz que é disponibilizado por todos nós para alimentar a sua enorme, desmesurada, absurdamente grande família de parasitas?

Se a opinião pública soubesse que os seus impostos são canalizados para pagar mordomias verdadeiramente arábicas a alguns (poucos) eleitos rofessores do Ensino Superior público, garanto-vos que o bichinho tão nacional da inveja começaria a despertar da sonolência. Pelo menos esse despertaria.

Se a opinião pública tivesse acesso às contabilidades (que nem sequer são auditadas!!!, em pleno século XXI) dos projectos financiados pelos dinheiros públicos e visse almoçaradas e jantaradas pagas em marisqueiras, consertos de automóveis, computadores portáteis, aí já a expressão decerto mudaria para um inegável aumento do mau estar.

Se os contribuintes sopubessem que os seus impostos são utilizados para pagar salários a gente que só é funcionário público pela cunha ou pelo mais obsceno amiguismo, se soubessem que os concursos públicos de admissão à carreira docente (ou até de investigação) são invariavelmente viciados, a raiva começaria a tomar conta das consciências.

Se os pais deste país que suportam as depesas dos seus filhos nas Universidades soubessem que os mesmos que convencem, acolhem e "ensinam" os seus filhos (eu usaria mais o termo "iludir", porque estes de que falo são os verdadeiros mercadores de ilusões) são os mesmos que os escravizam em nome do "esforço que a ciência merece", então começaria a instalar-se um clima de motim.

Se os portugueses em geral soubessem que o Estado investe milhões de euros de dinheiros públicos em ciência que a única coisa que produz é engorda de curricula vitae, que não dá origem a rigorosamente nenhum conhecimento aplicável e útil, então a depressão começaria a ocupar o seu lugar junto da raiva.

Se os cidadãos nacionais tomassem noção do despesismo brutal em salários principescos, previlégios injustificados, esquemas dúbios, e arranjos mafiosos que muitos dos investigadores verdadeiramente terceiro-mundistas que dominam a noss praça científica se dedicam, então seria o descrédito total. Muito do que se anuncia na nossa comunicação social é um logro, não passam de palavras sem qualquer conteúdo. Vejo frequentemente expressões modernas como "dinamizar", "aprofundar", "estabelecer", "cooperar", nos mais variados contextos; são palavras que, regra geral, não transmitem uma noção de acção, de transformação. Servem o único propósito da cagança científica, do satisfazer a necessidade de se ouvirem a si mesmos e de se rodearem de assembleias de medíocres com os quais engrandecem os seus egos.

E conhecendo as realidades que conheço, não deixo de ficar com uma imensa ânsia de me transformar em Geppetto, aquela personagem criadora do Pinóquio: sentaria os mentirosos sobre o meu joelho e dar-lhes-ia todo o incentivo a que mentissem. Se ao menos não servisse para mais nada, podia ser que o nariz dos mentirosos servisse para desentupir esgotos. Ao menos, já estariam habituados a estar perto da porcaria.

Friday, June 8, 2007

UP e o Rei(tor) que vai nu

A badalhoquice é diária, faz-se todos os dias, e será então sempre que mais uma fôr feita que será denunciada.

A Universidade do Porto lançou um programa de atribuição de financiamentos a projectos científicos de pequena monta, que envolvam obrigatoriamente alunos de pré-graduação da própria Universidade do Porto. Pretende-se com isto, alegadamente, incluir alunos de licenciatura nos laboratórios de investigação, e fazer despertar assim o gosto e o prazer da decoberta. Mas de boas intenções está o inferno cheio.

No entanto, e quem o quiser averiguar, basta ir ao site da UP e lá encontrará um ficheiro .pdf com o Edital, a coisa descamba logo. Como?

No artigo 6º do Edital faz-se o que nunca se deve fazer, que é favorecer a endogamia. Por mais pequenos que os projectos sejam, exije-se seriedade, equidade e justiça na sua avaliação. Eu transcrevo:

Artigo 6º
Avaliação, selecção e notificação
1. A avaliação dos projectos é efectuada por painéis de avaliadores internos da U.Porto.

Eu leio "avaliadores internos". "Internos" e "exigentes", ou "isentos" são conceitos que normalmente casam muito mal. Se eu fosse da UP e quisesse lixar um colega, reprovava-lhe os projectos. Coisa tão simples. E aqui não acredito em ingenuidades.

Mas continua:

Artigo 8º
Nomeação dos painéis de avaliação e selecção
Os membros que compõem os painéis de avaliação e selecção são designados pelo Reitor ou em quem delegar.

Isto quer dizer que ninguém pode questionar as nomeações, logo bico calado e cara alegre. Pidesco, verdadeiramente pidesco. E com quem se aconselha o Reitor da UP para nomear os avaliadores? Ou será que o reitor da UP é igualmente versado em todas as áreas do concurso? Apesar de todas estas "dúvidas", é ao Reitor da UP que compete evitar esta escandaleira, logo é uma responsbilidade política que ele não assume, quando está estatutariamente obrigado a isso. Tanta areia para os olhos.

Mas o pior ainda está para vir:

Artigo 10º
Recursos
Das decisões do painel de avaliação não haverá recurso.

Será que chegámos ao Tarrafal e eu nem me apercebi? Ou seremos todos parvos? Ou comeremos todos da mesma gamela?

E porquê a minha indignação? Porque a seita de medíocres instalados não perde uma oportunidade que seja de se beneficiar e/ou prejudicar os outros. E se não houver transparência, coisa que manifestamente não houve, esta iniciativa que começou a partir de uma excelente ideia, nasce torta e inquinada. Assim, esta é uma oportunidade dourada para angariar novos alunos e investigadores, para serem daqui a um a dois anos alunos de doutoramento da safra da engorda dos curricula. E é assim que o vício se eterniza, e é assim que o futuro se compromete.

Wednesday, June 6, 2007

Prostituição cientifica

Como o promotido é devido, e eu sou um homem de palavra, dedico este post à designada prostituição científica. E prostituição é sempre aquele tema sórdido que garante que qualquer motor de busca o vai marcar, e pode ser que quando alguém fizer uma pesquisa ingénua (ingenuidade na prostituição é também um conceito interessante...) que apareça este blog. E como a minha ideia é divulgá-lo muito para além dos limites do razoável, então ficarei feliz.

Mas o que é isto da prostituição científica? Prostituição, numa definição mais ou menos consensual, significa vender o corpo a troco de algo, transaccionar o esforço, alugar partes anatómicas, e principalmente, mercar a intimidade e a dignidade. É isto que a sociedade ocidental considera como prostituição, e associa-lhe uma carga pejorativa, realmente sórdida, de decadência e imundície, de valores morais degradados, e com aquele toque tão português do fadinho da desgraçada, que um dia para alimentar os filhos até andou nisso... Autocomiseração badalhoca e vergonhosa, que algumas consciências menos límpidas até encontram justificação.

Há cientistas portugueses que se prostituem. Vendem a sua dignidade, o seu amor próprio, a sua integridade para agradar, ou para ter mais um artigo, ou para garantir a aprovação de um outro projecto, ou tão somente para alcançar a projecção mediática que nunca conseguiriam obter por trâmites mais normais ou legítimos.

Há cientistas que cavalgam a onda, e só pedem a Deus que o lastro não lhes seja curto, para poderem surgir em mais um tempo de antena, em mais uma actividade, em mais uma comissão de avaliação, em mais um colégio de uma ordem, em mais uma organização não governamental, em mais uma associação de caçadores ou pescadores, mesmo que essas actividades às quais se dedicam não tenham nada de coerente. E para cavalgar essa onda, essa crista, esse topo, o que importa como objectivo última é a cagança, o enchimento do ego, o vangloriar-se de feitos alheios, adoptados como seus pelas cadeias hierárquicas que descrevi no post anterior. São os cientistas de pacotilha, os medíocres, os que publicam muito e sobre todos os assuntos do Mundo. Porque quando se vê um curriculum vitae que versa de tudo e de mais alguma coisa, como tantas vezes se vê nas provas de agregação de muitos, é razão para desconfiar. Por uma razão elementar: não é possível ser-se bom em tudo, e simultaneamente. E por muito que se maquilhe esta pouca vergonha, para olho mais atento é tão evidente como as mini saias das mulheres de estrada. Ora, isto é prostituição.

O que acontece é que invariavelmente os(as) prostitutos(as) são intelectualmente fracos, e utilizam o expediente da exploração de uma situação para seu benefício próprio. A prostituição é uma falha de carácter, seja na dos fluidos íntimos que se trocam, seja na dos favores dos corredores dos Ministérios que se praticam. E quando se dá a oportunidade de ser o Estado, que não fiscaliza, a dar dinheiro para algo, que não controla, e a dar plenos poderes, a quem não penaliza, então estamos perante a total carnificina. Principalmente a dos alunos de pós-graduação e a dos cientistas bem intencionados.

Thursday, May 31, 2007

Diphylobotrium latum

Existem muitos parasitas. Um dos casos mais interessantes que conheço é do designado Diphylobotrium latum, um parasita extremamente interessante, pois não se limitar a estar placidamente a sugar os exsudados do hospedeiro. Os exsudados são normalmente líquidos que são libertados pelos processos comuns do funcionamento biológico do hospedeiro - assim, não lhe farão grande falta. Mas o bicho de que vos falo hoje não se limita a estar agarrado a uma qualquer membrana ou parede à espera do bodo do exusdado. Tanto quanto me lembro (as minhas cadeiras de parasitologia já lá vão há um bom par de anos...), e foi exactamente esta peculiaridade que mais me fez apreciá-lo, o dito bicharoco fixa-se à mordidela, e alimenta-se do sangue do hospedeiro que flui através da ferida. E como se transmite através de peixe, nomeadamente alguns de consumo corrente em Portugal, é um bom parasita nacional. Não é exclusivo do nosso país, mas é claramente um parasita com expressão interesante entre nós. Muitos de nós são hospedeiros deste nosso amigo, sem o sabermos, e vivemos com uma sensação desagradável que permanece, durante meses, anós ou até fracções importantes da nossa vida. Bicho engraçado.

Este blog é para falar de Ciência, não SOBRE Ciência. E poderão perguntar onde quero chegar com esta prédica aparentemente a despropósito do Diphylobotrium latum. Pois bem, amigos, o cenário da ciência nacional revê-se na alegoria que fiz deste nosso companheiro de viagem. A ciência portuguesa é de parasitismo. E, à semelhança do que faz o títilo deste post, existe um estirpe de parasitas do sistema que vivem exclusivamente à custa do trabalho, do esforço, da dedicação e da entrega e do amor dos outros. Vejamos...

Quando era aluno de doutoramento, esses verdes anos..., convivi de perto com várias realidades, como a prostituição cientifica/intelectual (em que alguns se vendem às tendências do momento, para arranjar mais um dois paperzitos - isso será o tema do próximo post, comprometo-me...), com a subserviência institucionalizada, com a hipocrisia hierárquica, mas principalmente com o parasitismo que é apanágio do panorama geral.

Tive dois orientadores, um que ainda hoje muito prezo, e outro que não valia (e não vale) um caracol, para não dizer coisa pior. Fui ao engano e enganei-me, assumo, mas parece que a ciência portuguesa não é virgem nesta andanças dos orientadores enganarem os alunos. Ao longo da minha estadia no local onde me doutorei tive o desprazer de conviver com dois mundos antagónicos, um que valoriza o esforço mas sempre com os pés bem assentes na Terra (onde vive o meu orientador) e outro, feito de aparência, fragilidade intelectual e arrogância, que era onde circulava o meu outro orientador. Qualquer semelhança era pura coincidência, e anos volvidos, consigo distinguir claramente o que os separava. Se em relação a um (está fácil de adivinhar qual deles...) sempre senti estabelecer uma relação de discussão franca e aberta de ciência, com o outro a discussão era mais no sentido de eu evitar que a dita senhora (nestas coisas, desculpem-me as feministas, as mulheres são bem piores do que os homens, talvez por resquícios da oprssão que o bicho-fêmea ainda brande como bandeira da sua necessidade de emancipação) fizesse das suas, e me envergonhasse publicamente. Só lamento não lhe ter batido. E fazer das suas para mim significava vociferar, do alto da sua total (e quero frisar o termo total) ignorância científica as suas sentenças. Era absolutamente incrível que alguém de tão fraco gabarito científico se arrogasse o direito de tecer as consideraçõs que tecia, e que ouvi tecer aos meus companheiros de infortúnio. Para além nde não estar habilitada a fazer investigação na área, tinha aveleidade de achar que estava, comprometendo o futuro do grupo. E depois criava com demasiada frequencia a sensação entre os seus alunos de que estava ali para provar aos alunso que estes não tinham razão, mesmo que trabalhassem naquilo há anos e ela não conhecesse sequer os conceitos com os quais eles trabalhavam. Não falto à verdade se disser que a maioria dos meus artigos foi enviada a esta senhora depois de já terem passado por mim e pelo meu orientador, e de já terem sido aceites para publicação. Assim, todos ficávamos satisfeitos: eu publicava com o meu orientador (os reais autores dos trabalhos) e ela achava que pwercebia umas coistas e que mandava em mim - o célebre "arrotar umas postas de pescada", ou "mandar uns bitaites".

Mas ela também publicava, e aqui reside o busílis deste post. Ela também publicava, mesmo não contribuindo literalmente com nada. E não publicou tão pouco como isso, pois como eu ela tinha mais alguns alunos de doutoramento, que a desprezavam profundamente do ponto de vista intelectual. Publicou tanto que lhe deu para passar a associada, a prestar as provas de agregação, e na fase final da minha escravatura, a conseguir a cátedra. Que bom e doce parasitismo, quando corre bem. E como bom Diphylobotrium latum, não agradeceu coisíssima nenhuma, e foi a correr engordar à custa de outros hospedeiros mais ingénuos.

Compreendam que não me queixo, estou só a fazer um pequeno esforço de contextualização da temática do Diphylobotrium latum. Pois bem, hoje acho que avaliando aquilo que essa sujeita me fez, e por comparação com aquilo que eu faço aos meus alunos de pós-graduação, que ela adoptou uma postura típica de D. latum. Sem qualquer pudor, mordeu a carne, abriu a ferida e chupou o sangue. E depois largou a semente para ir colonizar novos territórios férteis. E continua a disseminar o seu dente por mais vítimas incautas, sem contribuir minimamente para o enriquecimento destas alminhas, com a total conivência do Estado e das entidades públicas de financiamento da Ciência nacional. Mas ela não é a única. O Estado quando financia deve fiscalizar o que anda a financiar. Senão corremos o risco de estarmos a pagar ilegalidades, imoralidades ou até monstruosidades. É elementar que assim seja, parece-me que só aqui é que nunca ninguém se lembrou disto.

Parece que em Portugal se institucionalizou a falsa premissa de que os trabalhos dos orientandos terão de incluir o nome dos chefes, sem que para isso os chefes tenham de contribuir. Meus amigos, isto é a mais pura das poucas vergonhas, e digo isto sendo "chefe". Desde quando alguém que não faz pode exigir a inclusão do seu nome entre os legítimos autores de um dado trabalho? Eui sei que isto pode parecer lirismo, mas para regular este tipo de situações devem existir várias alternativas.

A saber, e a instituir por quem regula a ciência paga pelo Estado:

a) um código de conduta científica, a ser adoptado por todos os que recorrem a um fundo público através da decisão de um juri
b) mecanismos de denúncia e de fiscalização independente relativos a situações reportadas
c) autonomia estatutária e regulamentar dos alunos financiados por entidades independentes (ex.: a FCT) de modo a evitar a apropriação indevida e abusiva dos recursos humanos, como alunos de doutoramento, por grupos de investigação
d) possibilidade de criação de mecanismos de sanção disciplinar e afastamento dos círculos dos concursos a financiamento quando comprovadamente houver incumprimento de qualquer uma das partes, após investigação e apuramente das circunstâncias em que o aproveitamento indevido ocorreu
e) criação de um comité de apuramente sem qualquer vínculo a instituições universitárias, de modo a garantir a isenção, careza, transparência e independência dos avaliadores relativamente aos avaliados/investigados.

Sem qualquer uma destas medidas moralizadoras, de fundo, de controlo, nunca será possível, termos uma ciência de qualidade em Portugal. A competitividade deve advir da qualidade, e não da instalação de feudos e de falsos conceitos, como da vassalagem científica, que só abrem caminho à especulação, ao célebro "curriculum a metro", à angariação de alunos de pós-graduação (esses escravos do século XXI; conheço um sujeito catedrático que tem alguns docentes que lhe devem uns favores, e que os manda para o bar da faculdade angariar alunos com falinhas mansas), ao parasitismo científico, à apropriação das ideias e da inovação, e ao estabelecimento de individualidades cristalizadas na cátedras das universidades públicas.

É que no âmbito da terapêutica é muito fácil combater o Diphylobotrium latum, e até a maioria dos parasitas: metronidazol. Aqui o fármaco de eleição é um processo em tribunal aos cabecilhas e os outros assustam-se logo todos e largam a ferida, que é com quem diz em bom português a Teta.

Friday, May 25, 2007

Somos uns desgraçados, mas enquanto houver para copos e preservativos, a vida vive-se...

Pois é, de facto todos falam, e em Portugal a Ciência é mais conversa do que outra coisa. Fala-se mais sobre submeter projectos do que submeter projectos, propriamente dito; fala-se mais sobre as obrigações do Estado, do que fazer cumprir essas mesmas obrigações; fala-se mais sobre os direitos dos bolseiros do que fazer cumprir os deveres dos bolseiros... Conversa de chacha, enfim, que vai alimentando as ambições governativas de uns, enchendo as ambições do ego de outros, e esvaziando de esperança toda uma geração de incorruptíveis. E é dessa geração que pretendo falar no post de hoje.

Este post é para falar sobre a figura do bolseiro, das suas vicissutudes, das suas limitações, das injustiças (algumas....) de que são alvo, e de todas as incongruências que na minha opinião, minam toda a credibilidade que este grupo profissional deveria ter - mas não tem

A partir do final da década de 80, começou a instituir-se a noção peregrina de que na Ciência só se entra com a bolsa, o que até certo ponto faz sentido. A entrada, seja no que for, é raramente um tempo de certezas, mas muito mais frequentemente, é uma época de aprendizagem, de iniciação, ou como tão hoje há quem goste de designar, de "formação". Portanto, tornou-se comum a especialização na aprendizagem dos futuros cientistas, que não estavam bem a desempenhar uma actividade profissional, mas sim a aprender. Era mais do que óbvio de que esta seria a priori uma situação mais do que transitória, uma mera etapa na vida dos futuros cientistas, e de que, sendo um estádio na evolução, não mereceria a atenção do legislador em termos de pequenas "minhoquices" como a questão da protecção na doença, a maternidade/paternidade, a segurança social e os demais direitos sociais. E o Estado, por intermédio da pioneira JNICT, permitiu o acesso de centenas ou até milhares de eventuais cientistas a uma verba mensal, à moda de ordenado, para que se fizesse face às necessidades individuais, como comer e comprar tabaco, alugar uma casa, enfim, um laivo de normalidade.

Mas tal como a JNICT mudou de nome ("o mundo é composto de mudança..."), também esta figura de protecção social incipiente (qual abono dos pobres) mas sómente da qual poucos beneficiavam passou de excepção a regra. O número de bolseiros, a partir da década de 90 e com o advento da JNICT travestida em FCT, disparou, e os concursos para atribuição de bolsas tornaram-se corriqueiros, ritualizaram-se e assistiu-se a uma verdadeira deificação da figura paternalista da FCT. Fez-se uma entidade patronal da noite para o dia, sem que o Estado percebesse que o enquadramento da figura de bolseiro mudara radicalmente em míseros 10 anos. De experimentadores incipientes e pouco numerosos, os bolseiros assumiram-se como a força motriz do sistema científico nacional, sem que haja sequer discussão em torno desta situação - é tão somente um dado adquirido.

Mas o paternalismo, no qual a sociedade portuguesa é pródiga (após 50 anos de fascismo, todas as formas de estupidez são naturalmente abundantes), continuou a soerguer-se na relação, no vínculo, na dependência dos bolseiros relativamente à FCT. Se é verdade, e acima de tudo legítimo, exigir direitos como consequência da assumpção de um papel de relevância (e não me canso de dizer que os bolseiros são fundamentais no SCN), também é NORMAL exigir direitos como consequência dos deveres. Em suma: os bolseiros cumprem, e sem eles o sistema pára; mas não sabem usar esse argumento em seu favor, ou quando o usam, fazem-no de uma forma tão pouco séria que nem são encarados como parceiros de negociação. Lembram-se do que o Sentieiro disse, a propósito de uma situação em que alguns bolseiros piratearam o website da FCT e divulgaram informação confidencial? "Eu não mais falarei com bolseiros" Sentieiro dixit. O patrão recusa dialogar com os empregados. Il Duce não diria melhor.

Na velha lógica do séciulo XIX, emanada do anarco-sindicalismo, aqui os bolseiros teriam uma de duas alternativas: a greve geral (que não me parece servir os interesses de quem quer que seja, principalmente os dos bolseiros, que são quase profissionais liberais - trabalham para eles, e depois a Ciência, e para os centros, e deixam esse altruísmo para segundas núpcias...) ou assumirem um papel de credibilidade, que só se conquista após se darem provas de maturidade, de objectivos a longo prazo, e de se demosntrar que se consegue assumir um compromisso responsável. Mas não é nada disto que se vê.

Vejamos os factos: existe uma associação de bolseiros, que até já existe há uns bons anos, que mais não faz do que manifestar a sua existência. É completamente autofágica, e serve para existir; não é minimamente representiva de nada, a não ser dos 30 bolseiros (num universo de, calcula-se, 8000...) que habitualmente participam nas demonstrações estalinistas de afecto para com uma causa nebulosa; enverga uma mortalha de pioneirismo balofo, que espelha aquilo que de pior existe na sociedade portuguesa, que é a ruralidade de pensamento, uma apatia envergonhada, uma reactividade pintada de inovação atenta, uma boçalidade e um vazio de ideias e de propostas medonha. E depois faz por aparecer a espaços, uma vez por ano, com actividades de psuedo-manipulação dos media, que só fazem rir de contentamente os ministros e os ministeriáveis deste país. Assim, não vão lá. Aliás, não vamos lá, nenhum dos actores da ciência.

Mas pior do que esta associação, que até tem o mérito de tomar café em grupo, é o panorama da acomodação bolseira. "Há bolsa para além da bolsa", parece ser o pensamento dominante - e isto é particularmente mau, porque não é verdade. Aquilo que era para ser transitório é hoje definitivo, e funciona como um Bojador, para além do qual (leia-se, fim da bolsa) só existe morte, abandono e desespero. Pensa-se a curto prazo, para um período igual ao da duração da bolsa. Vive-se de bolsas; há uns anos rebentou o escândalo dos titulares ad eternum do rendimento mínimo garantido, ou dos profissionais da baixa médica; estou à espera de ver a rebentar o escândalo do bolseiro por tempo indeterminado. Hoje investiga-se porque não se sabe fazer outra coisa, muitas vezes sem brilho, sem dedicação, sem vontade de investigar. "Estou aqui porque o meu curso não tem saídas, e é melhor uma bolsa do que o desemprego" - ouvi isto centenas de vezes na minha carreira. E continuo a ouvir, e tenho a certeza de que ouvirei muitas mais vezes, sem que as "vítimas" identifiquem o agressor e exijam punição adequada. É um sindroma de Estocolmo colectiva, esta patologia de que sofre a maioria dos bolseiros - gostam de apanhar chapada e de ficar placidamente a engraxar os chefes, sem pensar no dia de amanhã. É o triste fado do Calimero, século XXI: "Somos uns desgraçados, mas enquanto houver para copos e preservativos, a vida vive-se..."

E o Estado a pactuar, e a pagar. Copos e preservativos. E os curricula vitae dos orientadores a engordar. Pouca vergonha.

Wednesday, May 23, 2007

A génese da corrupção no Sistema Científico Nacional

A corrupção existe, de modo generalizado, e com o alto patrocínio do Estado. Vou dar-vos um exemplo que pedagogicamente é muito interessante, de tão ilustrativo que é:


Há já um bom par de anos, quando os paineis de avaliação dos projectos da FCT eram ainda mistos (com avaliadores portuguese e estrangeiros, simultaneamente), aconteciam as situações mais bizarras. Ainda hoje acontecem, mas nessa altura era descabido o número de vigarices.

Era extraordinário que projectos dos próprios avaliadores portugueses fossem submetidos a esses paineis. Eu sempre achei que deveria estar previsto um regime de moralização, que impediria que um avaliador submetesse um projecto à área científica que ele mesmo iria avaliar, um sistema de prevenção da corrupção em que quem avalia nunca poderia avaliar os seus próprios projectos. O pior era quando eles vinham aprovados! E não eram tão poucos como isso! E alguns dos "grandes" investigadores da nossa praça fizeram os seus curricula vitae à custa disto, curricula com os quais chegaram às cátedras, e agora mandam nisto tudo, por via da teia de influências e da contabilidade de favores que estabeleceram nesses anos dourados.


Outra situação a lógica do favorecimento ocorria quando estes mesmos avaliadores aprovavam ou faziam aprovar os projectos dos amigalhaços: ex-alunos seus de doutoramento, apaniguados, engraxadores, submissos, investigadores auxiliares, gente que vai ao beija-a-mão, dependentes e indefectíveis cães de guarda. Isto ainda hoje é prática corrente...


Voltando ao exemplo... Um destes grandes senhores, que fazia parte de um dos tais páineis, enviou um contacto a um seu colega de universidade, não do mesmo departamento, que versava mais ou menos o seguinte:


"Caro amigo, se calhar não me conhece, mas sou fulano. Gostaria de o convidar a ser um dos partners do projecto que vou submeter a concurso para financiamento à FCT, e posso desde já garantir-lhe que ele vai ser aprovado, pois eu sou membro do jurí que avaliará os projectos submetidos a essa área."


O aliciado, que não era parvo, e que se calhar ainda teria alguma réstia de escrúpulos, respondeu, igualmente via e-mail dizendo não estar disponível para essas trafulhices. E fez mais: divulgou o mail inicial, o mail corruptor, pelos pares do autor da corrupção, no seu departamento e por toda a Universidade.

Resultado: nenhum, hoje o corruptor é Presidente do Conselho Directivo da instituição onde isto ocorreu. E o painel de avaliação da FCT continua o mesmo, com a excepção de que já não conta com ele como avaliador. Mas não por ele ser corrupto, mas porque hoje os paineis da FCT são internacionais... Em que todos, sem excepção, dos avaliadores são amigos e colaboradores científicos do português que saiu, mas que obviamente mexe os cordelinhos das aprovações.

Uma curiosidade: você sabia que?... os paineis de avaliação da FCT da área de que falo, com a excepção da saída deste indivíduo de que acabei de falar, são exactamente os mesmos desde 2001? A quem serve este estado de coisas?

Pois é, só lamento é que em vez de estas discussões serem tidas aqui, não sejam tidas no MCTES, com a presença do Sr. Procurador Geral da Républica. Mas pode ser que no futuro as coisas mudem, e que alguns destyes senhores comecem a pensar duas vezes antes de enganarem toda a gente.