Tuesday, October 23, 2007

O circo e o pão

Como sou um comum mortal, e preciso de pão (leia-se, dinheiro) para prosseguir as minhas actividades científicas, passo pelo frequente calvário de tratar de assuntos junto do circo da omni-impotente Fundação para a Ciência e a Tecnologia, liderada pelo omni-ausente Professor Doutor João Sentieiro. Doravante, designarei o bicho pelo seu acrónimo, de FCT.

Pois bem, a FCT é uma instituição bancária, de duvidosa reputação e pouca estima pelos seus clientes. É assim que gosto de me referir a este conjunto de funcionários do Estado (que são diferentes do funcionário público: este gere o interesse público; o segundo acautela o interesse do Estado - como estão a ver são coisas muito diferentes, pois se pensarmos que no Estado estão muitos malfeitores...). A FCT assume-se como uma das maiores fraudes intelectuais do sistema político nacional: a instituição que paga para que se investigue, se aprofunde o conhecimento, e se gere tecnologia de ponta, é das mais abandalhadas que conheço. Infelizmente, é a arma financeira do Estado para estas andanças da Ciência, e como em Portugal ninguém (sem ser o Estado) financia ciência, lá temos nós de nos dedicar ao beija-a-mão periódico de submeter projectos para apreciação deste instituto.

Como muitos outros, submeto para lá projectos, mesmo sabendo que irão ser mal-avaliados, que as críticas que são colocadas são injustas e por vezes 100% incorrectas e só advêm do facto dos juris não terem tempo de ler convenientemente os projectos, que os recursos são intelectualmente desonestos, que os prazos nao existem, que as verbas são serão desbloqueadas (isto na remota hipótese de o projecto ser financiado) anos após o acordado. Normalmente, e como os projectos são imediatamente chumbados, nem temos esse problema: o que está resolvido, resolvido está, nem que seja da pior forma possível.

Mas eu quero é falar das minhas aventuras, não é descrever o modus operandi da FCT...

Como concorri, e como as críticas foram incorrectas, recorri da decisão. Portugal é um país (ainda é um país, ao contrário dos que acham que é um atoleiro, esses desiludidos) fantástico porque podemos viver uma vida na ilusão de que no recurso venceremos. Nem é unidos, nem o povo, nem nada que o valha, é no recurso!!! E como portuguesinho de gema, acredito no recurso, mas antes no recurso do que na Virgem, que nestas coisas da Ciência ainda é pior pagadora do que a FCT. E como recorri, quero ter o devido direito de saber quem me avalia. Não, creio não ter esse direito constitucional, não porque ele não me assista, mas porque a FCT não faz recursos - pelo menos em tempo útil. Infelizmente é uma constatação, corro sério risco de morrer de idade avançada antes de saber os resultados do recurso.

Veja-se: o concurso de que falo terminou à meia noite do dia 30 de Setembro de 2006, e após uma prorrogação excepcional do prazo, pois a FCT utiliza computadores doados pelo Projecto Apolo, esses mesmos que equipavam os módulos de alunagem da década de 60. Como os computadores deles não funcionaram, dilata-se os prazos de submissão das candidaturas on-line, para projectos cientificos. Ok, desta passa. Estamos no fim de Outubro de 2007 e ainda hoje não sabemos qual o destino final dos projectos submetidos nessa fatídica noite de 30 de Setembro de 2006. Um ano e um mês de espera. Pior: ninguém tem a mínima pista para quando os recursos (apesar de eu já ter recebido uma carta a dizer que o meu projecto iria ser re-avaliado brevemente; será uma indicação de que ainda não se esqueceram de mim? devo ficar satisfeito? no fim de contas, até gastaram um selo) nem tão-pouco se prevê qual a constituição do painel de iluminados nacionais que irá avaliar a minha candidatura. E porquê todo este chinfrim? Porque eu simplesmente NÃO CONFIO NOS MEUS COMPATRIOTAS. A razão, se bem que aparentemente mesquinha, é realmente pertinente: num mundo triste e cinzento como o da Ciência nacional, alguns iluminados não perderão uma única oportunidade de:
a) chumbar os projecots da alegada concorrência (neste caso, os meus)
b) roubar ideias
c) ver em que param as modas relativamete ao state of the art do que se propõe

A minha urgência em saber quem avaliará o recurso é óbvia: quero impedir que algumas individualidades tenham o prazer de avaliar a minha candidatura, porque não tenho qualquer motivo para acreditar na sua isenção, idoneidade, carácter, rectidão de postura, e já para não falar de conhecimento científico. E de acordo com o regulamento de avaliação, este sim, é um direito que me assiste.

Só que ninguém sabe quem avalia, ou quando serão as candidaturas avaliadas.

Outro assunto: para quando um novo concurso em todas as áreas científicas? "Não temos qualquer informação sobre isso", responderam-me. Como é possível termos um panorama científico sustentado com este grau de incerteza relativamente ao financiamento dos projectos? Se ninguém sabe quando vai existir novo financiamento, como poderemos manter grupos de investigação a trabalhar, que são constituídos por pessoas, que têm encargos, planos, projectos, sonhos legítimos de vida, aspirações a progressão na carreira? Nunca seremos competitivos enquanto a ciência nacional navegar à vista. É um escândalo que sejam anunciadas alegadas medidas de fundo (MIT, Carnegie Mellon, Fraunhoffer Institute), quando a coisa mais elementar, que é a de garantir uma periodicidade mínima de concurso a financiamento, está sistematicamente em causa. Mais: este é o motivo mais frequentemente apontado como desencorajador para a fixação de cérebros em Portugal, sejam eles imigrantes ou ex-emigrantes nacionais que pretendem voltar.

Se calhar temos de esperar mais dois anos: nas eleições, eles lembram-se de nós. E quem já esperou um, espera mais dois. No recurso.

Tuesday, October 2, 2007

País do faz de conta

Este é realmente o país do faz de conta, um país pequenino, parado no tempo, em que qualquer tentativa de crescimento se esborracha e esmorece perante a real crueza das instituições e da sua incompetência. As universidades públicas portuguesas criam monstros de dimensões atrozes, ou por motivações meramente políticas e estatísticas de conveniência ou de circunstâncias (como atingir pseudo-metas de desenvolvimento...), ou por birras pessoais dos trutas das cátedras, que se julgam arrogantemente detentores e donos do inalienável poder de criar licenciaturas para as quais não existe mercado de trabalho, ou que as flutuações sazonais ou "da moda" lançam no desemprego os recém-licenciados, porque simplesmente o país não precisa deles... Se calhar o país não precisa é de mais trutas, e devia zelar pela extinção progressiva dos que ainda temos, em vez de os acarinhar.

Depois do ovo chocado, nasce a cria do monstro, o tal que assumirá dimensões gigantescas, até para os limites geográficos do nosso país. Depois é ver estes reptilianos órfãos, estes recém licenciados, a emigrar, ávidos justamente daquilo que o país nunca teve para lhes oferecer: empregos condignos, em condições compatíveis com a sua área de actividade e formação, e bem pagos. Este país vive o síndrome da forretice, do investimeno de vista curta, da miséria natural - paga-se mal, e mais mal se pagaria se não assumisse dimensões de escãndalo haver licenciados a 600€ por mês.

Pois bem, o monstro truta choca o ovo, abre a casca e condiciona o desgraçado recém licenciado a acreditar que não existem alternativas para aquilo que ele mesmo, monstro, criou. Vergonha. Há faculdades e cursos em que é a regra a ausência de utilidade prática dos seus licenciados. Mas as vagas contiunuam a abrir, todos os anos. Na área das ciências biológicas e exactas (que me é particularmente cara...) veja-se cursos como física, matemática, biologia, bioquímica, biologia marinha, ciências do meio aquático. Qualquer licenciado proveniente destes cursos me merece o máximo respeito, e não julguem que desdenho. Mas decerto serão os próprios licenciados provenientes destas licenciaturas a assumir que não existe verdadeiro emprego, a não ser em claras e flagrantes excepções. E chega-se precisamente onde eu queria chegar.

Hoje em dia, muito do que se apregoa como emprego não o é. Ser cientista, na maioria das vezes, é ser um assalariado num regime ainda mais precário que a precariedade socialmente aceite, que é a do regime de recibos verdes. Mas quando o ícone que os alunos visualizam é o cientista, romantizado, ostracizado, abnegado, dedicado até à exaustão, é fácil de compreender que esta visão possa seduzir, e transformar-se num objectivo de vida. E o monstro truta da cátedra alimenta o vício, força a demonstração que "é a única via, isto está muito mal, não há emprego..."
Aliás, o interesse do monstro não é ingénuo, nem pode ser... quando ele influencia, fá-lo no seu próprio interesse: pode ser que ganhe mais uma orientação, mais uma publicação, mais um degrau no qual se apoie para as provas de agregação.

E depois a questão das vocações... Muitos dos que conheço não têm nem queda, nem jeito, nem disposição, nem vocação, nem ambição, nem possuem sequer a capacidade intelectual (a verdade tem de ser dita, e é politicamente incorrecto dizer que há idiotas, mas que os há, há!!!) para serem cientistas. Só o são porque não têm alternativas. Ou porque o monstro truta da cátedra já fez, de forma muito competente, o seu papel de sedutor/arauto da desgraça. Mas onde é que já se viu sítio onde, para se ser o melhor, não se tem vocação para isso?

Como queremos qualidade? Não podemos querer. E é ao monstro truta da cátedra que temos de pedir responsabilidades.