Wednesday, August 29, 2007

Comentário no Jornal Público

A questão das estatísticas, motivo que me levou a comentar uma das recentes notícias dando conta do interesse do Presidente da Républica sobre a falta de isenção e qualidade deste instrumento, é assaz interessante.

A Ciência não é o motivo que me faz escrever por ser cientista; é o motivo que me faz escrever por eu a interpretar como uma alavanca do progresso do nosso País. A Ciência, e a sua aplicação tecnológica, é o motor que faz com que as verdadeiras economias modernas e competitivas (Japão, alguns países europeus e os Estados Unidos da América) se mantenham há décadas como superpotências industriais e económicas. A Ciência é um dos caminhos para a criação e (posterior) divisão da riqueza, contribuindo para uma diminuição das desigualdades sociais e para um aumento da qualidade de vida dos países onde é desenvolvida. São estas as razões que me fazem assumir esta verdadeira e sincera afinidade com esta questão. Mas assumo igualmente que, caso não fosse cientista, provavelmente não teria possibilidade de encarnar este papel, pois a minha sensibilidade para estas questão seria, no mínimo, académica...

E aqui é que de facto a porca torce o rabo. Vivemos num país mesquinho, de gente pequena e inteligência mediana, muito versada na maledicência e na manutenção de quintais estéreis. Mas o meu quintal, é meu, só meu, e ai daquele que se atreva a achar que o meu quintal podia ser mais produtivo. E de quintal em quintal, de canteiro em canteiro, de regato em regato, vai este país perdendo as oportunidades de se tornar mais moderno, mais rico e inevitavelmente mais justo. É esta a importância que dou ao meu papel. A maioria dos portugueses nem sabe, nem sonha que sequer se faça ciência em Portugal, mas Ciência a sério, da boa, para além das aparições sistemáticas dos comentadores habitués de algibeira, que são físicos e falam também muito bem de biologia e bioquímica, que vá-se lá saber porquê sentam o traseiro em tudo o que é oportunidade para aparecer no pequeno ecrán, a intoxicar as mentes das criancinhas e dos ignorantes com meias verdades, com lugares comuns que aprenderam na meia hora anterior a entrarem no ar, com ideias modernaças e espalhafatosas, com pequenos intróitos pseudo-intimistas (como se o homem-espectador esclarecido lá quisesse ser inundado com sentimentalismos balofos de quem abandonou o seu lar e um dia regressou...), com ignorância travestida de conhecimento profundo... É por isto que por vezes me revolta profundamente ser português, por ver serem dadas oportunidades (e tempo de antena...) para ouvir a mais profunda boçalidade e banalidade, somente porque o orador "fala muito bem". Por mim, até podia dizer asneiras em solfejo, que eu não pago bilhetes para perder tempo. E não admito que uma televisão do Estado esteja ao serviço de lobbies, sejam eles de natureza económica, sexual, política ou mesmo científica...

Porque são este figurões a quem interessa falsear a ciência!!! Quem é bom, e quem realmente fez o ensaio, a experiência, quem espreitou no microscópio, quem preparou a bicharada, quem andou metido em lodo até ao pescoço a medir não-sei-o-quê, esse sabe decerto sobre que versa aquilo que escreve. Agora o físico/biólogo/bioquímico/lobbista percebe de quê, para além de olhar muito bem pela sua vida? E as estatísticas tratam os dois por igual, o que faz, e que é o verdadeiro CIENTISTA, e o outro, o chulo dos costumes finos, o especialista em tudo e mais alguma coisa, o comentador do fait divers, que tanto comenta a mais recente descoberta no âmbito da luta contra o cancro do colón como o último golo do Belenenses, que por acaso até estava em fora de jogo. E é com estas estatísticas que o Governo tapa o sol com a peneira, dizendo que há excelentes investigadores em Portugal, e mantém o parasita na sua Torre de Babel, no seu pedestal, à frente de um laboratório "muito produtivo". Há, com toda a certeza, mas seremos unânimes em concordar que haveria melhor investugação se aos bons investigadores se retirasse o peso do parasitismo do seu director. Porque se mérito há a dar a este último, será somente o mérito de ser mestre na arte de enganar, e enganar com números, o que é complicado. As artes de presditigitação, ou de saltimbanco, são convenientes para os espectáculos de feira, ou circenses, onde a pantomina é breve e inofensiva; agora andarem a brincar com o futuro deste país, e de uma geração de cientistas brilhantes, só por uma questão de ego e de "testículos", então vão-me continuar a ler as crónicas apimentadas.

Lembre-se o grande público: o nosso futuro depende da ciência; até quando estaremos dispostos a ser enredados por falinhas mansas, e enganados por tempo indefinido?

Sunday, August 19, 2007

Dar o nome II

A questão de se dar o nome, com tamanha frequência no nosso país , como se fosse um fado, um destino, uma fataliqade, uma necessidade inapelável, encerra em si um complexo de inferioridade, de mesquinhez, de fazer passar uma imagem de falsidade e aparência que só existe por sermos nós os verdadeiros herdeiros da deseducação fascista. Um dos melhores acontecimentos, e que ainda hoje opera na sociedade portuguesa, prende-se com a democratização no acesso ao ensino superior. Aquilo que é de facto uma conquista da democracia converteu-se, paulatinamente, num poço de problemas irresolúveis, tanto mais que a sua resolução dependeria da (boa???) vontade de uma seita de indíviduos.

Vejamos:
As cátedras das Universidades Portuguesas estão pejadas de senhores e senhoras (por esta exacta ordem) que se formaram (ou licenciaram) nos idos do Arroz de XV, quando o Botas e a sua visão hierarquizada da sociedade permitia que o dinheiro, o estatuto, a beatice e a intensidade do mofo que emanava das sobrecasacas se sobrepusessem aos outros critérios na entrada para o Ensino Superior. Convenhamos, só uma pequeníssima fatia da população podia dispensar os seus filhos da obrigação de irem buscar sustento, quanto mais agora permitir-lhes andarem a perder tempo em estudos... Era a 4ª classe, "porque se eu não precisei, ele também não precisará", para a esmagadora porção dos portugueses.

Então a elite, tal como todas as elites que surjem como reflexo de regimes totalitários (as intelligentsias), fez o que pode (o que até não foi muito) para evitar que outros achassem que podiam comer da mesma gamela. Era escandaloso o proteccionismo corporativista balofo e sem qualquer sustentação ideológica que impedia o acesso de gente ao ensino superior. Ainda hoje se vê, mas com menos preponderância: para se ser médico em Portugal só se tem de ter 22 de média de licenciatura, 3 braços, um fígado suplente debaixo do banco de trás e uma boa dose de presunção aos dezoito anos, que é quando se sabe mais sobre os factos da vida. E digo-vos, baseado na minha experiência profissional: há médicos francamente burros, e formados em universidades portuguesas. Mas têm 3 ou 4 braços, acredito que tenham o tal fígado e presunçosos são com toda a certeza.

Mas com o advento do 25 de Abril, as coisas facilmente assumiram outro pendor, outra orientação, e houve que se fazer re-ajustes. E foram os re-ajustes que se fizeram que entalaram todo o futuro da Universidade tal como a concebemos: Os poleiros continuaram a existir, as nomeações, as entronizações, os direitos adquiridos, as mordomias (tive um professor que era conduzido por um chaffeur até às aulas, sendo eu aluno da Universidade do Porto), os escândalos, os tachos, os cargos feitos à medida, as verbas a serem distribuídas de acordo com as necessidades, a ciência a ser feita pelos amigos, a exploração dos alegados subalternos. Onde eu quero chegar é à seguinte conclusão: o movimento social, político, ideológico, cultural e até moral que colocou Portugal no centro do Mundo político em 1974 nunca foi encarado como uma necessidade para as elites da ciência nacional, que ainda hoje preferem a pequenez controlada de um vão de escada, em que quem fala rapidamente pode ser apontado, à competitividade fundamental para um engrandecimento justo e meritório dos verdadeiros cientistas da nossa praça. Enquanto houver perseguições políticas ou pessoais, enquanto houver concursos em que os critérios de avaliação não são fornecidos aos avaliados, enquanto a seriação for feita por indíviduos ligados aos avaliados, enquanto os critérios de avaliação tomarem em linha de conta unicamente parâmetros para um concurso desse ano, enquanto não houver uma verdadeira separação entre avaliação científica e avaliação pedagógica, enquanto não houver moralização extensiva com afastamento das maçãs podres, enquanto o Ministério Público não investigar e auditar as contas dos projectos financiados pela FCT e dos Laboratórios Associados, então não nos queixemos nunca de que a investigação que fazemos é má. Será sempre má enquanto não houver liberdade de contrapor às palavras das vacas-sagradas as opiniões mais válidas de quem tem realmente valor.

Por isso me indigno contra a fatalidade em que muitos dos meus colegas se enredam quando entregam as suas ideias para que outros, verdadeiros parasitas, dêem o nome, e usurpem a glória. A isto chama-se prostituição científica.