Friday, May 30, 2008

E agora, o reverso da medalha

Como não tenho qualquer comprometimento moral ou intelectual, excepto com a minha consciência, tenho por hábito cortar a direito, e estebelecer considerações tanto sobre os chefes como sobre os subordinados. Também já referi por mais do que uma vez que, neste país de espertalhões de espírito rural e de vigaristas de bairro e saltimbancos intelectuais de meia tigela, não existem heróis, porque esses estão reservados aos multiplex dos centros comerciais, que é o mesmo que dizer que só no cinema. Então o caso que aqui hoje trago vem como consequência de mais uma conversa informal com um amigo de um Laboratório Associado sobre uma temática que me cheira a escândalo.

Vejamos: criou-se uma carreira de investigação que, bem ou mal, permitiu a contratação ao abrigo do Programa Ciência 2007 de umas largas centenas de doutorados pelas instituições de investigação nacionais. Como qualquer situação contratual, esta contempla um alegado regime de exclusividade, pelo que, teoricamente, os investigadores auxiliares estão impedidos de exercer qualquer outra actividade que colida com o desempenho da investigação. Aceito-o e apoio-o: eu sou docente universitário de carreira, e compreendo estar sob a alçada de um contrato de trabalho, bem como de um regulamento disciplinar que em caso de incumprimento das condições definidas no primeiro me obrigará a por a cabeça no cepo e aceitar as decisões que possam ser tomadas pelo órgão universitário que tutela a minha actividade. Posso ser sancionado até com o despedimento, caso seja provado que desempenho actividades que extravasem as minhas funções docentes e que colidam com esta actividade. Mais uma vez, sei-o, aceito-o e compreendo-o.

Pois é, mas parece que alguns investigadores auxiliares não o sabem, ou não o aceitam, ou não o compreendem. Parece ser mais ou menos recorrente que (soube hoje), com total beneplácito, alto patrocínio, benção ou conhecimento das direcções dos LAs, investigadores auxiliares andam a dar aulas!!! E de uma maneira sistemática, não fazem biscates para os quais sejam honrosamente convidados na qualidade de especialistas... Então cria-se uma profissão, regulamenta-se a mesma e depois anda a chico-esperteza nacional a usar as artimanhas do costume, tão caras às cátedras (os culpados do costume...) a ganhar pelos dois lados??? Mas o que é isto???

É por estas e por outras que eu digo que não há heróis. Parece só haver vilões.

Vejamos atentamente: o desempenho de excelência só está ao alcance de quem se ocupe de uma actividade com profunda dedicação. E a área da Ciência, para mal dos nossos pecados, ainda é pior, pois vive como consequência de uma desejável (mas por vezes inexistente) paixão pelo saber, pelo trabalho, pela geração e divulgação do conhecimento. O que se passa nestas instituições, de alegado elevadíssimo desempenho (cujos expoentes máximos são os LAs), é que se continua a viver à portuguesa, com a pequena mafia, a cunha, a amizade, o compadrio e toda a parafernália de estratagemas que possam servir o propósito da decadência de um conceito e com o usufruto de benesses ilegítimas. Depois, também não aceito que gente tão bem paga como os investigadores auxiliares mantenha tachos no exterior dos muros da instituição à qual estão vinculados. Assim como eu vivo em função de um regulamento, não aceito que os outros vivam simultaneamente dentro e fora da lei. Até posso compreender (embora não aceite) que os investigadores auxiliares, em virtude da falta de consistência destes programas de contratação de doutorados, não saibam muito bem o que lhes vai acontecer daqui a uns anos e queiram manter um pézinho numa fonte de rendimento alternativa, como a docência universitária. Mas, meus caros amigos, aqui não há meios termos, nem pode haver: se se assume ser docente, é-se docente; se se pretende ser investigador, é-se investigador. Agora ficarmos na tentação de usufruirmos do melhor dos dois mundos, para além de ser imoral, é ilegal, e constitui mais uma das trafulhices que no mundo da Ciência são comuns. E tanto mais comuns quanto mais próximos das direcções dos LAs forem os trafulhas/docentes universitários de ocasião.

Wednesday, May 21, 2008

Estratégia indefinida

Aina em relação ao meu penúltimo post, relativamente à criação da figura do bolseiro em licenciatura, durante o 1º ciclo. Mas que sinais são estes que o MCTES está a querer dar, quando incentiva um elevado número de jovens e desejar uma bolsa, quando depois bolsas, nem de mestrado, nem de doutoramento, nem tão pouco de pós-doc? Que estratégia errática será esta? Não será eleitoralismo, porque não se compram votos com 140€ por mês e a prazo!

Thursday, May 15, 2008

Debate

Meus caros amigos, o que eu acho é que não vai haver empregos se não houver carreiras. Veja-se o caso dos professores do ensino secundário. o Estado forma gente para o desemprego. Como não é isso que eu defendo, acho que este assunto merece debate.

Vejamos: a estratégia é "doutore-se o maior número possível de indivíduos", mesmos nas condições mais precárias, sem que haja verdadeiros interfaces entre ciência e indústria, ou ciência e sociedade civil, ou ciência e tecido produtivo ou agentes económicos (já para não falar de um elo verdadeiro e franco entre ciência e universidade), e depois tenta forçar-se esta gente toda, caríssima ao Orçamento Geral do Estado e aos sucessivos programas (FEDER, POCTI, POCI), a emigrar ou a criar a sua própria empresa. Isto é completamente absurdo, porque não há uma política de efectivação deste desígnio do Estado. A AdI, por muitos esforços que teça, não consegue de modo algum incluir tantos doutores nas empresas, por culpa tanto das universidades e centros (que nunca deram um verdadeiro exemplo de trabalho, porque foram durante décadas meros praticantes do funcionarismo público mais primário), como também das próprias empresas, que querem é subsídios e benesses, e isenções fiscais, e baixos salários, e pouca qualificação - modelo estafadíssimo de desenvolvimento económico, que começou há cerca de 3 a 4 anos a mostrar as suas enormes fragilidades.

Um país pobre, com défices culturais gigantescos, em que o emprego se rege por regras ainda de feudalismo puro, saído de 50 anos de ditadura fascista, que tudo castrou e nada formou, sem bases tecnológicas e científicas sólidas, em que o carreirismo universitário público foi símbolo de status, será que é possível mudar por decreto e por formar longas listas de doutores? Um país com uma indústria incipiente, sem espírito empreendedor, com devaneios de império adiado e faduncho, com tendências para alucinações futebolísticas colectivas, como se transforma isto num lar para cientistas? Sem que se resvale para a sacanice, para o esquema mafioso de bairro, sem permitirmos benefícios ilegítimos e abusos de todo o tipo? Este país não está preparado para a Ciência, e a comprová-lo temos os números do desemprego por sobrequalificação. Por isso acho que não podemos, num prazo de 10 a 20 anos, regermo-nos por ditames meramente comparativos e estatísticos, utilizando como termo a União Europeia, onde pontificam colossos como o Reuno Unido, a França, Holanda, Alemanha e Países Nórdicos. Ambição, sim; cegueira, nem pensar. E muito menos esta tentativa absurda de nos colocarmos em bicos de pés para podermos aceder a bailes que não são nossos. Isso é viver acima das possibilidades.

Eu não estou preocupado com o meu emprego daqui a 5 anos, mas se eu não tiver perspectivas de o ter, porque ele tem tendência a desaparecer (como no caso dos investigadores auxiliares - até já tenho conhecimento de directores de LAs que pensam em demitir-se porque não conseguem cumprir com os compromissos salariais já assumidos... circulam mails azedos entre directores desses LAs pelo facto de a FCT não desbloquear verbas para pagar aos funcionários... esta é que é a realidade), não acham que devo ficar preocupado? É exactamente essa perspectiva do horizonte temporal limitado que eu condeno, a preocupação imediatista com o meu umbigo, que "pelo menos durante os próximos 48 meses está garantido". Esta é a conversa que costumo ouvir aos bolseiros, mas os na casa dos 20, porque os na casa dos 30, com verdadeiras responsabilidades (familiares, por exemplo) já falam de forma diferente.

Ninguém daqui sai ileso, porque há culpas de todos os lados, e parece que existe muito pouca vontade de tanto ministério e ministro, como bolseiros, como docentes, como empresas, as quererem assumir. Sem fatalismos, sem dramas, sem culpas a serem arremessadas de parte a parte, hoje urge resolver esta situação. Não é deitando preocupações para trás das costas que se resolvem os problemas, deliberadamente evitando pensar o que vai acontecer daqui a 5 anos, esperando que o mercado regule a empregabilidade (essa é a maior falácia de todas, porque num sistema corrupto como este, a qualidade será sempre o menor dos argumentos para dar emprego seja a quem for). Eu também já tive a ilusão de que os bons seriam recompensados, mas isso para mim é fé, é do domínio do divino. E como eu não sou homem de fé, bem pelo contrário, acho que é pelo debate e pela construção das coisas que lá chegaremos.

E havemos de chegar a algum lado, isso vos garanto. Nem que seja pelo simples facto de que é impossível estarmos pior.

Wednesday, May 14, 2008

Finalmente, a luz

Ao fim de quase 1 mês de insistência, a FCT acabou de me enviar uma listagem de nomes de avaliadores de recursos em concursos para financiamento de projectos científicos. Mais um passo decisivo para a transparência do sistema. Fiquei moderadamente feliz, porque já não consigo ficar imensamente feliz.

Continuamos atentos. E não esmorecemos.

Iniciativa Ciência 2008

Eu devia achar estranho que se façam anúncios numa Universidade deserta... Quando se agendam apresentações de iniciativas verdadeiramente importantes, é conveniente ver se não estamos a meio de um feriado. E foi tão bom ver o deserto que a Universidade de Aveiro foi, na passada 2ª feida (12 de Maio de 2008), em plena Sta Joana, para a apresentação da designada Iniciativa Ciência 2008. Nada foi augurado, e parece que desta vez se ultrapassaram alguns limites que a decência mande que não se ultrapassem.

Vamos por partes.

a) Cátedras Convidadas
Nada contra, excepto os moldes de selecção das propostas, que não foram devidamente clarificados. Parece-me ser uma iniciativa que, a ser subvertida (como as são quase todas) poderá servir mais o propósito de pagamentos de favores e de amiguismo institucional do que trazer de facto gente boa. Parece-me é que o período de permanência de cientistas, como foi definido, é demasiado curto para desenvolver um trabalho de qualidade. Apesar das críticas, aceito.

b) Bolsas de Integração na Investigação
Anedota. Só pode ser anedota. Hilariante. Insano. Desconheço esta meta estatística que tenhamos de cumprir, obrigados pela UE. Será que o Ministro quer dar ares de inusitada inteligência, competência e clarividência, ao contemplar uma medida tão inútil que nem os restantes europeus inventaram já? Eu não sei se já sabem quanto vale cada bolsa destas... Mas eu digo-vos: 140€. Por mês. Para pagar a alunos de licenciatura que deveriam estar é mais preocupados a estudar para as frequências e para o "paradigma de Bolonha". E depois, urge perguntar o que se espera destes bolseiros, coisa que não me parece que esteja muito clara. A acreditar no que é prática corrente na praça, vamos ter técnicos a ganhar 140€ por mês, e a lavar frascos, preparar soluções, enfim, a fazer o que mais ninguém quer fazer. Vão passar a ser os empregados do alunos de doutoramento. E sem que o MCTES controle ou evite estas práticas. E depois, é a massificação da coisa: 5000? Já era péssimo ter alguém a trabalhar por 140€/mês, mas ter 5000 é uma calamidade, uma catástrofe, um holocausto. E a FCT paga o SSV, indexado a este vencimento ou ao salário mínimo nacional? Excelente modo de fomentar a investigação e combater a precariedade na Ciência.

c) Contratação de Doutorados
Isto já começa a ser uma obsessão doentia. Em vez de se definir de uma vez por todas o que se vai fazer com a carreira científica, faz-se exactamente o contrário: massificam-se as contratações, sem saber o que se vai fazer a toda esta gente daqui a 5 anos. O Sr. Ministro tem de pensar muito bem, e muito para além dos limites temporais do seu consulado, o que se espera da Ciência nacional. E tem de fazer uma escolha: manter este proteccionismo retrógrado que permite a que sejam os docentes de carreira a mandar (literalmente) nos Laboratórios Associados ou outros do Sistema Científico Nacional, ou, pelo contrário, dar garantias de manutenção dos cargos de investigador auxiliar (e devidas contrapartidas em termos de organização interna destes espaços, que permitam a assumpção de responsabilidades, direitos e regalias, até mesmo organizacionais). Assim como estamos é que não faz sentido.

d)Concursos de Bolsas Individuais de Doutoramento e Pós-Doutoramento 2008
Teço aqui as mesmas considerações que no ponto imediatamente acima. Não faz sentido aumentar o número de doutores quando não se resolve nada sobre o que se pretende da carreira científica. Poque corremos o risco de ter problemas muito mais pronunciados no futuro. Quanto mais não seja, por uma questão de número.

Pois é...

Tuesday, May 6, 2008

Novos tópicos de discussão

Tenho tido um pequeno desaguizado com a FCT, pelo simples facto deste sistema insistir em ser desonesto. Vamos começar exactamente por aqui. Não sei se algum dos leitores já o fez, mas se tiverem a vontade de verificar quais os júris de 1ª instância dos projectos científicos submetidos a apreciação para financiamento pela FCT, conseguem facilmente chegar aos seus nomes. Estranhamente, os nomes dos avaliadores em recurso são Segredo de Estado. Instada a pronunciar-se sobre esta questão, a FCT remete-se ao total silêncio, alegadamente por não existirem directivas que definam a divulgação (ou não) dos nomes dos avaliadores. E porquê a minha curiosidade? Nos sabemos que, pelo facto de os páineis serem mais ou menos sempre os mesmos, existem tendências de avaliação e de aprovação. É inegável, e qualquer cientista que saiba o que se passa na sua área sabe a priori que uns projectos, com aqueles avaliadores, têm mais possibilidade de ser aprovados do que outros. Por outro lado, e sabendo que os avaliadores de recurso são nacionais, querem campo mais fértil para a manutenção de situações bizarras? Não somos propriamente parvos, e a bem da transparência, o nome de todos os avaliadores, mesmo os de concursos passados, devem ser divulgados.

Outro assunto: ontem, em conversa com uma colega e amiga, tive o desprazer de saber que ela tinha concorrido para uma bolsa de pós-doc, que foi liminarmente recusada. Naturalmente, pediu recurso, não sem antes fazer uma "visita" às instalações centrais da FCT em Lisboa. Lá, teve a oportunidade de se inteirar dos alegados critérios que foram utilizados neste concurso em particular. Como a homogeneidade de critérios nunca se verificou, de candidato para candidato, ela formalizou o recurso, e voltou ao laboratório. Como um dos directores do laboratório é avaliador, questionou-o sobre qual o modus operandi adoptado neste concurso em particular, visto haver uma gritante disparidade de critérios adoptados de candidato para candidato. Por fim, o director assumiu que, ele, no início da reunião, propôs uma homogeneização dos critérios entre todos os avaliadores; essa proposta foi imediatamente recusada pelos seus pares, restantes avaliadores, com o argumento de que "cada um avalia como entende". Pois bem, o resultado esteve naturalmente à vista: para além de haver candidaturas a concurso que estavam formalmente fora da elegibilidade (nomeadamente um candidato que nem doutor era, nem havia feito entrega de tese definitiva aos serviços académicos da universidade onde se estava a doutorar), houve uma conclusão caricata, em que alguns cientistas ligados à coordenadora do júri tiveram naturalmente bolsa atribuída.

E assim continuamos.

Resposta a Filipe

Caro colega de blogosfera

Tomei a decisão de não responder a comentários, mas para si abro uma excepção. Principalmente pelo facto de me encontrar exactamente nessa faixa etária e de ter um PhD... E como já tive oportunidade de escrever, eu não condeno os bolseiros, condeno é todo um sistema que não oferece qualquer alternativa credível. Mas convenhamos que há demasiados bolseiros que gostam demasiado de o ser, para arriscarem uma outra ocupação que não a de bolseiro. Eu sei que é difícil, mas eu sou um anacronismo: sem padrinhos, sou professor universitário. Naturalmente que já fui bolseiro, pelo que falo com total conhecimento de causa. Mas também lhe confesso que tomei a decisão de, quando acabasse o meu período de bolsa, me dedicar a qualquer outra actividade que não dependesse de bolsas, por uma questão de brio pessoal e profissional. Fiz outras coisas, trabalhei em laboratórios privados, montei uma start-up e depois candidatei-me a uma vaga na docência para a qual aparentemente não havia destinatário, e numa universidade onde não conhecia ninguém. Como pode ver, corri um sério risco, o de ficar sem rendimento. Poderia ter ficado calma e placidamente sentado, a comer da mesma gamela do meu ex-chefe, e a engolir sapos, sempre na expectativa de que ele me estendesse uma migalha, pela qual teria de lhe ficar eternamente agradecido. Como isso não é decerto para mim, tomei uma decisão.

É claro que a horda dos invejosos pode dizer que eu tive sorte. Concordo parcialmente, pois a vida também é feita de sorte, mas não só. E isto tem muito pouco de heroísmo, tem a ver com vergonha na cara.

Como vê, existem possibilidades, desde que as pessoas estejam dispostas a correr riscos e a sacrificar-se pelas coisas em que acreditam. Eu sei que pode ser difícil, extrordinariamente difícil em alguns casos, mas não é impossível. E esta réstia de possibilidade, quanto a mim, deve ser suficiente para que as pessoas não se acomodem. Veja lá se eu tivese ido pela onda depressiva que varria o centro onde me doutorei, em que toda a gente dizia que não havia empregos e que o futuro era ser só bolseiro... Se ter uma bolsa atrás de bolsa é confortável e dignificante, então não é para esses que eu falo.

Monday, May 5, 2008

E continuo no meu penúltimo post

O nosso país encerra pérolas do tamanho de casas. Ora vejam lá o que eu fui encontrar, enterrado profundamente no site da FCT, a propósito do Regime Jurídico das Instituições de Investigação(Decreto-Lei Nº 125/99). Disponível em http://www.fct.mctes.pt/pt/apoios/unidades/politica/regimejuridico/
Para verem que eu nem tenho ideias peregrinas ou desprovidas de sentido... provo-vos que é a Lei da Républica Portuguesa que consagra algunas princípios que o próprio Estado não preza minimamente. Senão, vejamos atentamente:

"As pessoas são a componente mais decisiva para o eficaz funcionamento de uma instituição, importando, por isso, assegurar uma mobilidade de pessoal que impeça a cristalização das instituições, permita a sua constante renovação, mantenha altos níveis de motivação entre os funcionários e opere tanto dentro do funcionalismo público como de e para o sector privado."

Depois, a alucinação colectiva ganha forma:
"Outra das áreas em que se legisla é a relativa à estrutura orgânica dos laboratórios do Estado e das outras instituições públicas de investigação, para todas se estabelecendo a obrigatoriedade de se dotarem de um conselho científico e de uma unidade de acompanhamento, órgãos a que acrescem, para os laboratórios do Estado, uma comissão de fiscalização, uma comissão paritária e um conselho de orientação, que funciona junto das respectivas direcções. O conselho de orientação é integrado por representantes dos ministérios mais empenhados na actividade da instituição, como forma de assegurar um mais eficaz envolvimento dos vários departamentos governamentais na acção dos laboratórios do Estado."

Conclusão bombástica, e a prova como o mal compensa:
"As instituições de investigação científica e desenvolvimento tecnológico deverão pautar a sua actividade por princípios de boa prática científica, devendo adoptar os procedimentos adequados a que os mesmos sejam tornados efectivos."

Isto só merece um sorriso.

A eternização de nomes em cargos é manipulada pelos silêncio de que a lei se reveste. Veja-se:

Estrutura
1 - Sem prejuízo da previsão de outras categorias nas respectivas leis orgânicas, os laboratórios do Estado devem obrigatoriamente possuir os seguintes órgãos:

a) Direcção;
b) Conselho de orientação;
c) Conselho científico;
d) Unidade de acompanhamento;
e) Comissão de fiscalização;
f) Comissão paritária.

2 - A estrutura institucional prevista no número anterior é aplicável aos laboratórios associados, com excepção dos órgãos previstos nas alíneas b) e f).

Os órgãos existem, mas como são revistos nem uma palavra. Eu creio que é por herança, ou sucessão directa do filho varão.

Não resisto a colocar a bold os maiores contrasensos entre a praxis e a realidade. Se o Estado garante combater a cristalização, onde estão as medidas que visem tornar rotativas as chefias? É que tudo começa por aí! Ou será que os grandes teóricos dessa idiossincrasia que é a Ciência Nacional nos fazem crer que é pela base que se muda a pirâmide? Quando a organização do trabalho eterniza uma teta, como desmobilizar os ávidos beiços que a seguram? Vergonha...

Parabéns ao próprio Ministério por me dar razão. Agradeço embevecido.

Wednesday, April 30, 2008

Vocações ou a falta delas

Este talvez seja dos posts mais complicados de escrever. Porque joga com aspectos muito sensíveis das opções de vida de muita gente, e pode fazer com que alguem se possa sentir atingido com algumas das considerações aqui tecidas. No entanto, considero que talvez seja dos aspectos mais centrais do deplorável panorama científico nacional. E falo da questão das vocações.

Conheço centenas de investigadores, e contam-se pelos dedos de duas mãos aqueles que considero terem uma vocação adequada ao desempenho da investigação. E vocação compreendo como um conjunto de características que incluem, simultaneamente, inteligência, abnegação, capacidade de trabalho e de auto-sacríficio, imaginação e criatividade, grande capacidade de observação e resistência à adversidade. Sem a conjugação de, pelo menos, algumas destas características, será sempre impossível fazer investigação de forma plena. E o problema é que aquilo a que por vezes assisto é pessoas a fazerem passar-se por investigadores de ponta sem haver a conjugação de nenhum destes factores. E vejo gente que só faz investigação porque não tinha outra ocupação à qual se dedicar. Isto é péssimo. Nem consigo imaginar razão pior para se fazer investigação.

O mercado de trabalho está inundado (ou nunca esteve sequer preparado para absorver) licenciados de determinadas áreas do conhecimento. Pelo menos, falo do mercado de trabalho nacional. As universidades formam levas de licenciados sem qualquer aplicação prática e imediata, que só servem para aumentar o número de desempregados, por um lado, ou o número de candidatos a bolseiro, por outro. É óbvio que existe uma desadequação entre oferta e procura, e entre aquilo que a investigação necessita e o que os licenciados aspiram. E é deste caldo de desadequações que os fazedores de sonhos se aproveitam, para promover ilusões de que pelo caminho da investigação patrocinada pelo Estado se consegue ir adiando a verdadeira questão de fundo, que é a incapacidade em encaminhar todo este manancial de cérebros para algo mais palpável do que uma bolsa. Não estou contra os bolseiros, estou é contra esta política de que mais vale ter uma bolsa do que nada; porque ter "nada" não deveria nunca ser opção.

Convenhamos: eu sei que nunca serei um excelente jogador de futebol. Isso só está ao alcance de alguns. Aceito-o e compreendo-o. O mesmo raciocínio deveria estar subjacente a todos os que consideram a licenciatura condição sine qua non para a felicidade, para a prosperidade e para serem felizes na vida amorosa. Licenciatura ainda hoje é panaceia. Esta visão institucionalizou-se e ganhou força de dogma. É pelo facto de o acesso ao ensino superior se ter democratizado, banalizado, abandalhado e facilitado que se permite que qualquer indíviduo possa ter a pretensão de se licenciar, e de almejar a vôos intelectuais para os quais manifestamente não foi talhado. E depois é um vê-se-te-avias para arranjar emprego, e tudo vale, incluindo inundar os centros de investigação. Muitos dos mentores de algumas licenciaturas públicas são o principal obstáculo à modernização do sistema: nunca, por intermédio de uma análise sistemática, fria e racional com base nos pressupostos das necessidades do país e da oferta formativa, conseguem chegar à evidentíssima conclusao de que aquilo que criaram é inútil, e, consequentemente, passível de ser extinto. Somos assim confrontados com cursos sem grande empregabilidade, quando a têm. Neste ponto, surte ainda bestial efeito a inflação desmedida das médias de curso, garante máximo de que, pelo menos, o efeito paliativo da bolsa se fará sentir. Vivemos assim uma bolsa-dependência, para escamotear o défice de empregabilidade crónica que grassa neste país. E daqui resulta o triste facto de termos, quase literalmente, todo o cão e gato (desde que cumpra a meta estatística de ser detentor de uma "boa média"; reparem no vício terrível de que não é preciso ser brilhante, basta parecê-lo) a aceder a posições de investigação que deveriam estar reservadas unicamente aos mais capazes. Depois é vê-los, 15 dias antes do final da bolsa, sem perspectivas de emprego real, a pensar em prolongar a agonia com o providencial balão de oxigénio que é... uma outra bolsa!!!

Monday, April 28, 2008

... com a agravante de...

Ainda a propósito da minha última intervenção: chegou-se ao ponto caricato de termos excelentes investigadores contratados a prazo (e com a certeza de que serão enviados para o desemprego no final dos respectivos contratos de trabalho), que são claramente MUITO melhores do que os directores do departamemto dos LAs aos quais estão afectos. Eu conheço vários casos destes, em que os investigadores auxiliares estão a anos-luz, em termos profissionais (pesando o grau de conhecimentos científicos, ética, inteligência, capacidade de trabalho e de orientação de equipas) do que os chefes. E tudo isto se passa a coberto do Estado, que cria, patrocina e autoriza estes verdadeiros contra-sensos, com óbvio prejuízo da inteligência nacional, das empresas, do emprego e do nosso bem estar geral.

Eu creio que isto deveria bastar para que uma geração sub-40 se revoltasse. Mas parece que não.

Thursday, April 24, 2008

Democracia? Não, obrigado

O título deste post bem podia ter saído das memórias de um qualquer ditador sul-americano patrocinado pela CIA na década de 70. Mas não, quis o destino que eu aplicasse este epítopo aquilo que considero uma das maiores falácias do sistema científico nacional, que são as chefias dos departamentos dos Laboratórios Associados.

Quando surgiu a alegada panaceia que se materializou e consolidou no conceito do "Laboratório Associado", a ausência de massa crítica a nível nacional de peritos nas mais variadas áreas científicas obrigou a que a fossem contactados os presumíveis especialistas, que só existiam nas universidades públicas portuguesas. Naturalmente, estes docentes (e friso bem o conceito de docentes) aproveitou a oportunidade virgem de terem sob a sua alçada verdadeiros laboratórios de elevada produtividade, e sem os constrangimentos habituais que as universidades, costumeiramente avessas à inovação e à competitividade (por colocar em causa o status cristalizado de alguns, uns poucos - já tantas vezes aqui retratada, esta realidade...) lhes impunham. Assim, surgem verdadeiras comissões instaladoras de reconhecido mérito, que, segundo o conceito inicial, seriam propgressivamente substituídas (ou trabalhariam em colaboração próxima) com verdadeiros cientistas não docentes no sentido da prossecução dos objectivos que haviam ditado a sua génese. Pois, mas hoje o que se vê não é isso. Bem pelo contrário, o que se vê são feudos que se transferem das universidades para os LAs, se eternizam e se amplificam fora dos espaços das universidades, que, e apesar de tudo, ainda controlavam pela força da lei as actividades desempenhadas. Os LAs são, por vezes, locais em que o pior obscurantismo grassa, a coberto da alegada competitividade selvática de que (alguma) ciência carece. Pelo menos, a acreditar em alguns.

E eis-me aqui chegado, a questionar o que faz com que as direcções dos departamentos dos LAs estejam sob a alçada de um dado indíviduo. Não leio nos estatutos de nenhum LA como o director do laboratório é eleito, ou nomeado, ou entronizado ou endeusado. Como se pode chegar a este ponto, em que alegadas estrutyuras informais se mantenham de pedra e cal, mesmo por vezes gerindo milhões de euros, gerando contratos de trabalho e prestando serviços ao Estado? E como se permite a eternização de chefias, sem haver o mínimo preceito democrático? Foi tão somente uma questão de terem chegado primeiro? Porque isto é feudalismo no seu estado mais puro.

Aqui fica a questão a debate: será que nós, cientistas, não merceremos ser tratados em democracia?

Wednesday, April 23, 2008

As piadas das hienas

Este Portugal dos Pequenitos em que alguns catedráticos habitam é de facto piadético. Tão piadético, tão piadético, que só murros nas ventas poderiam fazer parar de rir. É um país em que alguém que tenha a veleidade de organizar um evento para o qual não convide, com direito a tapete vermelho e Moet et Chandon, algumas das vacas sagradas da nossa praça científica, arrisca-se a ter o evento boicotado e até sabotado.

São como os eucaliptos, estes sujeitos, secam tudo em seu redor. Ou como as árvores das florestas tropicais, que pela sombra fazem mirrar a concorrência. Isto é um problema educacional. E que quanto a mim se resolve unicamente pela via das bengaladas, à boa moda dos gentlemen do século XIX. Desculpem esta minha veia pró-violência, mas há momentos em que apetece mesmo esbofetear publicamente algumas criaturas. A título meramente correctivo, e com direito a cobrar bilhetes de bancada.

Por experiência vos falo.

Sentido crítico

O Nobel português José Saramago saiu da sua hibernação cívica para nos brindar com mais uma sentença da portugalidade. E fez muito bem, pois a crise que o país atravessa se baseia exactamente no cerne das objecções levantadas pelo escritor. Vemos situações exemplificadas pelo celebérrimo "dá-me o telemóvel já!!", vemos contratações de ex-governantes por grandes corporações das mais variadas áreas, vemos esquemas de corrupção generalizados por todo o País, inclusivamente na Ciência, que é a área que nos toca. E alegremente nós, os cidadãos honestos, honrados e cumpridores, que tentamos todos os dias escapar aos tentáculos do poderoso polvo da falta de ética e da falta de vergonha na cara.

A falta de sentido crítico é algo que é profundamente paralisador do panorama social. Eu posso conceber opiniões diferentes, até opostas da minha; o que mais lamento é a ausência de opiniões, de perspectiva, de sentido do certo e do errado. Não consigo aceitar a falta de propostas, a falta de alternativas, o estaticismo, o sentido de que tudo está mal e nada há a fazer, como se o destino que nos foi traçado fosse um dogma inquestionável e imutável. Não aceito, com a placidez e bonomia de alguns, a injustiça, a corrupção, a compreensão de que as coisas funcionam de modo a beneficiar alguns e prejudicar outros. Não acredito na recompensa divina do Céu para os sofredores, e do Inferno para os pecadores, pois acho que a justiça faz-se aqui. Não creio ser capaz de suportar o conceito deste oportunismo militante (e com a agravante de ser financiado pelo Estado português, que somos todos nós!) que se verifica na Ciência portuguesa, nem tão pouco aceito de bom grado a convivência de raças de alegados senhores com presumíveis servos, num ambiente que se quer de franca discussão no sentido de criar conhecimento. Não acredito nas interpretações idiossincráticas e frequentemente abusivas que me querem impingir aqueles que normalmente mais têm a ganhar quando elas são emitidas. Não acredito em heróis, pois o tempo deles se acabou há muito, quando este país perdeu a inocência de ser criado num regime verdadeiramente democrático.

Acredito sim no mérito, na igualdade de oportunidades, na solidariedade; a única hierarquia que concebo é a da intelectualidade, da criação de uma autoridade natural e reconhecida por todos, mas sem nunca descurar que somos todos meritórios da mesma confiança e da mesma atenção, como seres humanos.

Por isso, dou por mim a pensar sobre qual o futuro deste blog, qual o futuro da Ciência nacional, e qual o meu próprio papel futuro no seio deste circo insano. Pelo número ainda baixo de comentários e participações, creio que este fenómeno que iniciei de denúncia e reflexão sobre os contrangimentos da Ciência nacional seja um fenómeno subterrâneo e ainda muito restrito. No entanto, asseguro a todos os meus fiéis companheiros de viagem que a procissão ainda vai no adro, apesar de estes breves momentos de contemplação.

Monday, April 14, 2008

E continuamos a viver na ilusão de que um dia...

Caros companheiros de viagem, começo a ficar com a impressão de que este país institucional, para além de louco, está a tentar activamente transformar os portugueses em loucos. Pelo menos aqueles que ainda resistiam, que vão sendo tentados a alinhar na génese de um processo de enlouquecimento nacional, que vai culminar ou com uma revolução, ou com uma grande tourada à Portuguesa. Falo desse órgão de soberania da Républica da Loucura que é a FCT. Novamente.

Pois é, e eis-nos chegados a Abril do ano da graça de 2008. Para quem teve ideias transpostas para o papel em 2006, e submeteu projectos nessas calendas idas, pode ser que se aproxime o momento da verdade. E digo "pode" porque parece que ninguém sabe realmente de nada. Pelos vistos "é suposto" algo, mas ninguém sabe muito bem o que é que "é suposto", nem tão pouco quando algo "é suposto" acontecer... Eu acho que a FCT devia assumir-se com um slogam, porque seria sinónimo de modernismo: "Se tiver dúvidas, ligue-nos; todos ficaremos a saber menos. Para um Portugal mais ignorante, disque 213924300". Quem liga, desespera, tal a sensação de ignorância generalizada. Fala-se com uma das "meninas" e invariavelmente, sem que eu tenha razões para duvidar da sua honestidade, a resposta surge pronta e monocórdica: "não temos informações a prestar", "não fomos informados dos prazos", "não sabemos quando vai ser constituído o júri de recurso", e para cúmulo um "espero que os resultados dos recursos sejam divulgados antes do próximo concurso". Pois, eu também espero. Será isto que é suposto ser suposto?

Datas de comunicação definitiva de resultados de projectos, nicles. Constituição de paineis de juris de recurso, nem vê-los. Datas de novos concursos, ninguém sabe, nem mesmo sequer se vai haver novos concursos. Data de demissão do presidente, ninguém sabe se a FCT tem presidente.

Mas existe pelo menos uma voz amiga do outro lado da linha (como se eu buscasse amizade através de um telefone...): "Sr. Professor, apresente uma reclamação junto do Prof. João Sentieiro, talvez resulte assim." Logo seguida de uma deprimente manifestação de impotência: "É que nós aqui não sabemos de nada, ninguém nos diz nada". Fico sempre com vontade de depositar um vintém na mão da menina, e acelerar o passo para não ouvir o murmúrio velado do lamento e do choro dela, que ficou no calabouço da Av. D. Carlos I...

Urge reflectir, e agir. Eu cada vez mais acredito que isto é um teste à inteligência, à boa educação, ao sentido cívico dos cientistas portugueses, à paciência, à simpatia, e acima de tudo ao bom senso. Cada vez mais existe menos informação, e simultaneamente nunca se viu tanto anúncio de medidas desenquadradas e avulsas ( e demagógicas, e populistas, e falaciosas) pelo governo. Até onde estamos nós, cientistas portugueses e pessoas de bem, dispostos a aceitar que o nosso esforço intelectual seja desprezado de forma tão descarada por uma organização desorganizada e que serve unicamente projectos políticos pessoais? Esta é a questão que deixo aqui: até onde estamos dipostos a deixar que gozem connosco?

Thursday, April 10, 2008

Alguém está atento?

Meus amigos, não há fome que não dê em fartura. De repente, parece que a Ciência é assunto de importância nacional: só o Jornal Público, em 3 dias, publicou 18 notícias sobre Ciência!! Não há fome que não dê em fartura - publicaram mais em 3 dias do que provavelmente ao longo do ano transacto inteiro. Será um ímpeto despropositado e inconsequente, para calar as vozes de quem critica esta imprensa de estaticismo e conformismo (para não dizer de compadrio) com o cinzento panorama social, político e intelectual português?? Para mim, que não acredito em coincidências, parece que alguém anda atento, e não sou só eu.

A ver vamos.

Imoralidades, ilegalidades e demais trafulhices

Este campo da Ciência, em termos de abusos e apropriações, é realmente fértil. Quando nós pensamos que já vimos tudo, que nada de imoral ou pouco ético pode ser inventado, há sempre uma cabeça iluminada para questionar este pressuposto, criando mais um tipo novo de atropelo, ou reinventando um velho. É a criatividade científica, no seu melhor, posta ao serviço da intrujice.

O bolseiro de investigação serve o propósito de investigar no âmbito de um projecto. Se o projecto é seu, de autoria moral própria, ou por decreto de um terceiro, essa já uma discussão que ultrapassa este âmbito. Mas numa coisa, todos teremos de concordar, e que inclusivamente é preconizado no estatuto do bolseiro: o bolseiro investiga, e não serve para suprir necessidades permanentes de instituições. Daqui se depreende que um bolseiro que esteja umbilicalmente ligado a um dado projecto, que pode até ter sido contratado para um efeito específico ao abrigo desse mesmo projecto, serve para dar andamento às necessidades inscritas nesse projecto, e não para andar a acudir a outras tarefas que não as inicialmente definidas. Mas isto é na teoria, pois a praxis, como veremos, é bem diferente.

A coberto das mais esfarrapadas, absurdas, inverosímeis e incríveis desculpas, faz-se gato-sapato de algumas pessoas. Eu sei que há bolseiros que ilegalmente prestam serviços em laboratórios, que depois concorrem de forma absolutamente inqualificável com laboratórios privados. Quando se usa mão-de-obra de forma gratuita (o bolseiro nada custa ao laboratório, visto ser pago por uma instituição terceira, muito vulgarmente até pelo Estado por intermédio da FCT), é natural que alguns laboratórios consigam prestar serviços a preços baixíssimos, desvirtuando as sãs regras de concorrência vigentes num mercado competitivo. Então, estamos perante algo de grotesco:
a) o bolseiro frequentemente não recebe por essa tarefa
b) os laboratórios privados, pelo simples facto de terem encargos com o seu pessoal, não têm possibilidade de competir com estas instituições
c) o bolseiro, pago por todos nós, não está a desempenhar as tarefas para as quais é contratado

Para além da imoralidade de se usar gente desviada das suas funções, que nem sequer é paga, e da questão da concorrência desleal com o sector privado, surge aqui uma quarta barbaridade, que é o destino final do dinheiro que esses laboratórios dos centros auferem pela prestação dos serviços prestados pelos bolseiros. E falo de muito dinheiro.

E aqui chega-se a mais um cancro do sistema científico nacional, que são os sacos-azuis. Existem situações de serviços prestados ilegalmente pelos centros de investigação (ou pelo menos por alguns dos seus laboratórios) pois não é possível facturar essa prestação de serviço. Nem o bolseiro passa recibo, nem tão pouco esses laboratórios têm contabilidade organizada para poderem facturar esse serviço que prestam. E é natural que em algumas áreas, dada a pouca aposta do sector privado na Ciência (se virem bem, os investimentos são astronómicos e por vezes proibitivos) há só instituições informais de vão-de-escada, sedeadas em centros de investigação (inclusivamente laboratórios associados) e que só usam bolseiros-escravos metidos nestas maroscas. O dinheiro entra, sem qualquer controlo, para servir os mais variados propósitos. Nem me atrevo a imaginar quais, pois como está bom de ver, não tenho nenhum saco azul ao meu dispôr.

Chega-se ao cúmulo de haver empresas legítimas que, aceitando esta promiscuidade, contratam estes "serviços" pois não conseguem sequer realizar algumas das técnicas que são requeridas, no âmbito de processos de tomada de decisão, de controlo de qualidade ou inclusivamente judiciais.

Uma vez, soube de um bolseiro que foi colocado perante a seguinte situação, pelo seu chefe: "só lhe pago se for você a angariar os seus proprios clientes". E eu soube disto porque ele mo contou pessoalmente. Que ciência é esta?

E quem dirige este tipo de instituição? Naturalmente, os Al Capones do sistema científico nacional, que são quem usufrui de verbas que jorram sem qualquer controlo. Mais uma vez, a realidade ultrapassa a ficcção.

Thursday, April 3, 2008

Breves apontamentos e longas memórias

Há cerca de duas semanas, fui visitar alguns ex-colegas e amigos ao laboratório associado onde me doutorei. Fui tratar de umas questões relacionadas com um projecto que tenho com um amigo que lá trabalha, e aproveitei para dar à língua com algumas pessoas que conheço, mas que já há uns anos não via. Aproveitei para me inteirar das promoções, das reformas, das mortes, dos abandonos e das continuidades de que é feita a vida das instituições. E é claro, como sou cidadão português, e até gosto de uma boa sardinhada, não resisti a alguns minutos de corte na casaca e maledicência gratuita. Que diabo, sou um ser humano... e a tentação é sempre grande.

A meio da conversa, e visto esta ter sido conduzido com responsáveis administrativos, entrou uma jovem no gabiente destes, com todo o aspecto, pela sua juvenilidade, de ser uma bolseira recém-licenciada. E, apesar de eu me encontrar presente na sala, a jovem colocou uma questão relativa ao que tem de fazer para solicitar a rescisão de um contrato de uma bolsa da FCT. Como casos destes são raros, e inclusivamente a aluna em causa provinha de um laboratório que conheço de ginjeira (principalmente pelos problemas graves causados pela responsável, que incluíram no passado conflitos insanáveis com alguns dos seus membros), fiquei perplexo. Quando instada a consubstanciar as razões do pedido de rescisão do seu contrato, a aluna desbafou: "são-me exigidas tarefas que estão muito para além do estabelecido no contrato, eu acho que isso é um abuso". Pois... não fiquei surpreendido, aliás, tive as minhas piores expectativas confirmadas.

Tudo estava na mesma.

O que se passa é que lamentavelmente o sistema de controlo das funções dos bolseiros é ainda (e será sempre, já veremos...) uma miragem. Não há interesse em regulamentar as responsabilidades dos bolseiros, e muito menos em instaurar eficazes medidas de controlo de horários, funções, responsabilidades, atribuições... Assim, muitos bolseiros (principalmente os BTIs) estão normalmente dependentes das vontades dos coordenadores dos projectos, por mais arbitrárias, aberrantes e selvagens que sejam. É claro que conheço casos em que não há abusos (eu mesmo esforço-me por ser justo para com os bolseiros que estão sob a minha alçada nessas condições) mas existem inevitavelmente abusos sistemáticos, e que permitem que se ponha o bolseiro a render, e muito!. A natureza humana permitiu o esclavagismo; porque não havia de impedir o abuso desta posição dominante sobre o bolseiro?

Mas a moral desta crónica é que, felizmente, embora de forma ainda incipiente e algo paulatina, se começa a notar que as pessoas têm uma outra atitude, de maior exigência de cumprimento dos seus direitos. Começa a falar-se abertamente de segurança social justa, de greve, de discutir opções, ou em último caso, de rescindir o contrato de trabalho. Para complementar esta estado de coisas, eu somente pergunto: para quando uma tomada de posição da FCT no sentido de civilizar algumas práticas neo-esclavagistas bárbaras, do conhecimento de todos, e que só servem para afastar muita gente válida das lides da Ciência? Para quando a instauração da lista negra dos sacanas, proxenetas científicos e dos artistas de circo, de modo a impedir reincidências? Para quando um mínimo de protecção laboral, no sentido de dignificar esta actividade de cientista?

Eu cá não sei, mas que a aluna se demitiu, demitiu. E que a responsável ficou desagradada, ficou. E muito. Eu por acaso até gostei.

Comentário no Jornal Público 3/4/2008

Por respeito e por vergonha, sempre esperei nunca ler afirmações deste tipo. Li a total desfaçatez e deslocamento da realidade, que só se desculpa a uma pessoa analfabeta e sem qualquer responsabilidade governativa. Agora ouvir isto ao Ministro da tutela?? É tão fácil desmistificar isto: basta ver o número de licenciados inscritos nos centros de emprego, após os concursos de colocação de professores. Ou ir aos centros de investigação e ver os escandalosos regimes de voluntariado ou de vencimentos de miséria encapotada que se praticam por falta de alternativas profissionais válidas.

Tuesday, April 1, 2008

Esclarecimento

Gostaria de deixar aqui um esclarecimento, que pela leitura das minhas palavras pode ter havido uma interpretação duvidosa. Eu não acho que para falar de biologia só devemos ter biólogos. Aliás, qualquer um de nós que faça Ciência sabe que a multidisciplinaridade é absolutamente fundamental, e que novas abordagens não quer dizer que sejam menos válidas. Aceito que para falar de qualquer assunto que seja, qualquer formação é válida, desde que se respeitem os preceitos-base de uma convivência democrática. Se para além de física, um físico percebe de biologia, tanto melhor para ele, para nós e para todos.

Agora, a questão que eu quis tocar não é essa. O que eu quero dizer é que lamento que uma estação de televisão paga por todos nós se ache refém de confiar num não-expert para seleccionar alinhamentos de cientistas para virem falar e discutir temáticas que nem de perto nem de longe o host domina. Por uma razão simples: o host não tem capacidade de avaliação, nem sentido crítico, para saber se o seu convidado está ou não nos limites da Ciência na área em questão. Eu assumo que posso falar de física, mas eu não sei se todos os físicos de uma faculdade de Ciências são bons; como não os posso chamar a todos para falarem na televisão, cometo o erro grosseiro de só chamar os "chefes", que muitas das vezes são pessoas já demasiado distantes das descobertas e só têm perspectivas generalistas dos assuntos??? Percebem agora onde pretendo chegar???

E depois, será que são os chefes quem mais precisa de publicidade e de promoção dos seus trabalhos??? Pelos vistos são!!!

Com a agravante de durante uma temporada, este programa televisivo ter sido baseado na prata da casa, e proveniente do instituto de onde o host emana. Resumindo: apareceu lá gente bem fraquinha, e a falar de cor de coisas que tinha lido na véspera... digo isto, porque os conheço, infelizmente alguns até pessoalmente.

Lamento depois é o efeito que isto tem na opinião pública: passa-se a associar uma imagem de cientista a um conjunto bem arquitectado de personagens e de ladaínhas politicamente correctas, em que as eminências pardas em tudo concordam, sem que haja a frontalidade de se assumir que fazemos uma Ciência de capelinhas. Eu compreendo que para o canal em questão, que ainda por cima é um canal público regional e em afirmação, que seja de vital importância a manutenção destes laços, mas eu pergunto: só há estes "cientistas" em quem confiar para a elaboração deste tipo de iniciativas? Será que estas iniciativas, com este formato e com este tipo de contribuição, não passam inevitavelmente a ser aborrecidas, não se transformam na "voz do regime", não se assumem como repetitivas e a saber sempre ao mesmo, em virtude de terem intervenções das mesmas pessoas? O que diriam os nossos melómanos de serviço se todas as sinfonias fossem dirigidas pelo mesmo maestro? Será que programas destes não deveriam ser elaborados com base em sugestões de mais do que 3 ou 4 cientistas? Será que não seria mais útil trazer sangue bem mais novo, avesso à endogamia instituída, para estas andanças?

São questões que ficam a debate. Podem parecer de menor importância, mas toda esta conjuntura ajuda a criar uma verdadeira camisa de forças que prende e limita este país. Como se não houvesse alternativas válidas, quando elas estão aí, bem vivas e com o sangue na guelra.

Monday, March 31, 2008

Para a frente é que é o caminho

Pois é, e está chegado o tempo de falarmos de soluções. Soluções para lutar contra este estado de coisas. Gostaria assim de congregar, sob um mesmo chapéu, todos os cientistas honestos. Os outros estão nas cátedras... e noutros sítios.

Muitas vezes, no decorrer de discussões mais ou menos acaloradas com os meus colegas docentes e bolseiros, depois de uma sessão em que carpimos todos as mágoas e estabelecemos todas as comparações deste panorama com o fascismo, surge invariavelmente a questão: "mas afinal o que é que nós podemos fazer?"

A primeira coisa é debater estes assuntos. Sem haver a certeza de que isto é generalizado, de que a corrupção se instalou, de que existe falta de qualidade em muitas das nossas vacas sagradas que invariavelmente aparecem na televisão, então nunca poderíamos concluir que temos um problema. Qualquer participante de grupos de discussão de problemas sabe que o primeiro passo para a sua resolução é assumirmos que estamos, de facto, em luta com um problema. Creio ser já ultrapassada essa fase, pois a seriedade da questão do atraso estrutural do nosso país em termos científicos é flagrante.

Depois, o segundo passo consiste, na minha opinião, na denúncia de alguns casos demasiado escandalosos para passarem impunes. E quando falo de denúncias falo ao mais variado nível: quanto tiver acesso a casos documentados de corrupção (e acreditem que é só uma questão de tempo até os termos) farei uma exposição ao Senhor Procurador Geral da Républica, Dr. Pinto Monteiro. Ou isso ou enviarei um envelope cheiinho e gordinho à Polícia Judiciária, e caso fique com a sensação de que não hÁ desenvolvimentos satisfatórios, enviarei cópia à comunicação social. Infelizmente, e aqui falo com experiência própria, a comunicação social em Portugal aprecia escândalos de futebol, de costumes, de sexualidade alegadamente desviante, de corrupção nas obras públicas e problemáticas de fundo de danças de cadeiras parlamentares, como viagens fantasma e afins; já sugeri a vários órgãos de comunicação social que façam investigações sobre a temática da corrupção na ciência, e inclusivamente predispus-me a dar dados que lhes faciliariam o processo, e até hoje nada! Mas não desanimei, naturalmente, pois o objectivo de trazer à barra as malfeitorias de décadas, e as consequências inestimáveis e incalculáveis para este País que daí advieram, são de extrema importância.

Outra resposta assenta na organização de um processo de resistência informado. Se estas dicussões não são tidas, se os alunos que ingressam na investigação não sabem o que se passa, temos aqui terrenos férteis para a instauração de um ditadura subterrânea, de silêncios comprometidos. Obviamente, este último ponto conta com a vontade de as pessoas em serem informadas; conheci muita gente que preferia viver na ignorância do que ter conhecimento e ter de tomar uma atitude. Eu sinceramente acredito que é preferível saber, do que não saber, com eventual sacríficio no nosso bem-estar e do nosso tempo. Mas será que estaremos todos dispostos a perder a face todos os dias, e a sermos vigarizados com os argumentos mais absurdos que visam somente beneficiar sempre os mesmos? Não tenho muita afinidade para fazer figura de parvo...

Torna-se hoje absolutamente necessário criar um movimento de fundo que exija mobilização. Mobilização de docentes, de bolseiros, de investigadores, de técnicos, de todos os que, directa ou indirectamente, estão envolvidos nisto de fazer Ciência de forma honesta. E este movimento de fundo terá de servir para exigir, junto do Estado Português, que audite contas de projectos, que exclua prevaricadores e vigaristas, que faculte critérios de seleccão de paineis de avaliadores, que explicite muito bem quais os mecanismos que permitiram que um dado júri tenha sido responsável por esta ou aquela avaliação. Para por fim à promiscuidade. Depois, temos igualmente de exigir ao Estado Português que tenha a frontalidade e a decência de deixar de patrocinar ad eternum e sem discussão as iniciativas de autopromoção pessoal das vacas sagradas, nomeadamente por intermédio dos órgãos de comunicação social sob a alçada da tutela pública. Quem conseguirá conceber, no seu perfeito juizo, que um físico detenha um espaço de discussão pública, na televisão do Estado, sobre biologia? Por muito respeito que eu queira ter pelas pessoas, não consigo tê-lo quando vejo uma ascensão mediática meteórica por vezes baseada em pouco mais do que uma série bem encadeada de lugares comuns.

Mais sugestões... dou amanhã

Friday, March 28, 2008

O que há de bom

Por vezes, sou questionado se tudo o que existe na Ciência nacional é mau. Respondo invariavelmente que não, embora o que existe de mau seja por vezes péssimo, e quase destrói o frágil equílibrio entre o bem e o mal que é apanágio de todo o universo.

O que há de bom na nossa Ciência são as crianças. É verdade. Com isto estou a incluir nesta definição de "crianças" a enorme quantidade de jovens recém-licenciados que, imbuídos de um espírito de sacrífico enorme, se dedicam a gastar os melhores anos das suas vidas às actividades científicas.

Temos de tudo: os idealistas, que acreditam que a Ciência é o caminho do progresso (sub-categorai na qual sempre incluí), e que o conhecimento matará a fome, resolverá os problemas ambientais, curará todas as doenças e será responsável, em última análise, por uma maior sensação de bem- estar a toda a população humana e ao resto do Mundo. Temos também os acidentais, aqueles que até tiveram experiências positivas (ou não) no mundo do trabalho, mas decidiram correr o risco de se dedicar à Ciência, para viverem mais uma actividade. Há os conformados, que só estão na Ciência porque o País os atraiçoou, ao levá-los a acreditar que a licenciatura pela qual optaram teria uma saíde profissional condigna; por vezes, nem saída profissional tem, quanto mais condigna. Há os carneiros, que fazem Ciência porque os seus colegas também a fazem, e todos juntos constituem a manada que ouviu atentamente os ensinamentos de todos os docentes e chefes e cumpre à risca as instruções de serem eternas virgens, a quem só a Ciência interessa; renegam á família, ao dinheiro, aos prazres da vida, e fazem Ciência, e olha de soslaio e com desdém os outros, os normais. Há os incautos, que até tinham planos de vida, mas de bolsa em bolsa foram esgotando os seus sonhos, e foram passando os anos, até se apanharem enredados numa situação da qual não há escapatória. Há os brilhantes, os que emigram, os que são disputados por todos os grupos; quase invariavelmente, são os mesmos que o País vai buscar anos depois, e com fausto e confetis, lhes paga um laboratório no IGC.

Todos juntos, constituem uma turba de milhares de jovens inteligentes, a quem o País deve muito, regra geral, e nunca reconhece. São mal pagos, trabalham horas a mais, nem sequer têm vínculos, estão desorganizadas como classe, vivem em casa dos pais, alegram-se com pouco (basta uma publicação e são os mais felizes da Terra), não têm direitos nem regalias sociais, são esquecidos ou desprezados pelas estruturas para as quais contribuem gerando Ciência, são a espinha dorsal do Sistema Científco Nacional, dão aulas muitas vezes de borla (são uma das costelas do Ensino Superior Público), sofrem barbaridades atrozes na Segurança Social, vivem sistematicamente a prazo, lutam entre si pela obtenção de uma bolsa de 745€ mensais, e são, acima de tudo, o grande depósito da esperança e da capacidade criativa do nosso panorama científico. Por isso, lhes tiro daqui o meu chapéu; posso discordar com muito do que ouço dos meus bolseiros, mas sou o primeiro a reconhecer-lhes o direito a existisrem com dignidade. Porque são o que de melhor este país tem. Sem sombra de dúvida.

Pelo menos até aos trinta anos, depois a maioria transmuta-se - passam a "chefes".

Wednesday, March 26, 2008

É estranho ninguém achar estranho

Hoje (26/3/2008), para corroborar as minhas afirmações de que ao Público interessa tudo menos questionar a política científica deste Governo, convido todos os leitores a dar um pulo à página web desta publicação. Por favor, dirijam-se à secção da Ciência, e vejam quantas notícias estão em arquivo. De entre essas, façam por obséquio o exercício académico de ler as notícias. Temos notícias desde 10/1/2008. Nem uma é sobre a situação de atoleiro no qual a nossa ciência vive. Nem uma notícia é comentada de forma mais assertiva. Nenhuma notícia é minimamente discutível, são todas sobre factoes científicos indesmentíveis. Onde está o espaço democrático da imprensa, quando tudo o que gera uma discussão saudável é liminarmente eliminado, para dar sensações falaciosas de unanimismo? Será que está tudo tão bem como o MCTES apregoa, quando as fugas de cérebros e os atentados à democracia nos nossos centros são diários? Onde está o papel de investigação da imprensa, de modo a denunciar as razões fundamentais do estado caótico que os nossos pensadores vivem hoje em Portugal e do atraso estrutural da nossa economia? Será que ninguém considera estranho este comportamento presumivelmente visionário e de fausto contido, respeitoso, de quem se dá ares de muito trabalhar, que acompanha todas as iniciativas deste governo, juntamente com Cãmaras, holofotes, tripés e microfones?

Eu desconfio que se gasta mais em beberetes e jantaradas para divulgar as iniciativas junto de centenas de convidados estrangeiros do que a financiar os projectos inscritos nas próprias iniciativas.

Tuesday, March 25, 2008

Breve exemplo de como o mal compensa

Nos concursos do Compromisso com a Ciência, em que se prevê a contratação de 1000 doutores para os centros científicos nacionais, existe um critério quanto a mim altamente discutível, que é o da mobilidade dos investigadores: premeia-se quem se doutorou e/ou desenvolveu trabalho científico num centro que não aquele para onde se concorre.

Ora vejamos como alguns figurões da nossa praça contratam os seus apaniguados: enviam o seu discípulo para um outro grupo, com o qual mantêm relações previligiadas e íntimas, até. Esse período de estadia é normalmente curto, mas mesmo assim movem-se influências para garantir que é acompanhado de uma bolsa de pós-doc. Findo o período do concurso para investigador auxiliar, que pode ir até alguns meses, o filho pródigo regressa, com "mobilidade" na bagagem. Um investigador móvel é sempre melhor do que um imóvel. E assim fica com o lugar.

Satisfeitos? É que isto é de uma simplicidade atroz, e logo de uma beleza estonteante.

A avaliação II

Eu conheço grupos de investigação em que lamentavelmente as publicações são encaradas como uma obrigação dos mais novos e um direito dos mais velhos. Conheço grupos em que um dado indíviduo, nos idos do arroz de quinze, obteve verba para adquirir um equipamento, e logo todos os artigos têm de levar o nome dele. Conheço outros grupos em que nem sequer se equaciona que não seja o (ou a) chefe a assinar. Conheço grupos em que mesmo que haja alguém que nada tenha feito pelo artigo, é considerado um direito inalienável colocar lá o seu nome, por pertencer ao grupo. Conheço também as deferências quase estatutárias, em que o chefe tem como seu o direito de assinar sempre, independentemente de nem sequer conhecer o primeiro autor do trabalho. Conheço grupos em que a ordem dos autores é estabelecida por ordem alfabética!!!, quando toda a gente sabe que se ser 1º ou último autor são coisas diferentes. Conheço grupos em que cientistas que tiveram um desempenho de mérito são colocados nos agracedecimentos, por questões de mera lógica política dentro do departamento. Conheço grupos em que o chefe, e o chefe do chefe, e o seu respectivo chefe, e se calhar o chefe deste, têm nome garantido na publicação, somente por serem "chefes". E na função pública. Esta lógica, a ser subvertida e caricaturizada, garantiria ao Presidente da Républica um curriculum vitae invejável, pois é o chefe de todos os chefes. Il capo di tutti capi.

Creio portanto que haja muitas formas de "lavar" a publicação de todas estas ignomínias, e adoptar um sem número de critérios de avaliação objectivos e credíveis, mas se há gente que não tem vergonha na cara para fazer estas coisas, decerto não a terão para mentirem com quantos dentes tenham, e continuarem a tentar ludibriar o sistema. É que há gente capaz de uma inventividade maquiavélica extraordinária. Por isso acredito que só com a instituição de uma lógica de denúncia, em que sejam factualmente comprovados os factos, seja possível pôr termo a esta absoluta loucura. Porque o que está em causa é a verdade, e avaliações que tenham por base critérios tão claramente falseados serão inevitavelmente enganadoras e geradores de conflitos.

Acabei de saber agora que a FCT tem uma base de dados onde são compilados dados sobre os atropelos que alguns investigadores da nossa praça cometem: contra os alunos, contra os editais, contra os regulamentos, contra o Orçamento de Estado, contra o património público, contra as regras de elegibilidade de despesas. E pelos vistos, a coisa funciona, pois este historial de incumprimentos começa a ser utilizado pelos avaliadores dos projectos na hora de conceder verbas. Começa a compensar ser honesto, e acima de tudo a não estar calado.

Monday, March 24, 2008

A avaliação

A questão das avaliações é de todo pertinente, e talvez seja o assunto mais pertinente que me ocupa presentemente. Sem aferição da qualidade não será nunca possível melhorar, nem estabelecer patamares de justiça, nem distinguir os "enchedores de chouriços" das mentes criativas. E esta é daquelas discussões que creio fazer hoje todo o sentido e cada vez mais, pois a competição e a competitividade fazem com que seja necessário instituir ferramentas objectivas, idóneas e imediatas de conhecer e reconhecer a qualidade de quem faz (ou diz que faz) Ciência.

O critério da publicação é de facto incontornável. Por muito que eu possa objectar, e decerto que muitos objectarão, a questão de sermos reconhecidos pelos nossos pares, permitindo-nos aceder à internacionalização, é dos critérios mais importante no processo da avaliação dos investigadores. É natural que toda a gente conheça os autores da "Ciência a metro", do "muda o bicho e publica o mesmo", dos "chouriços" e de toda essa parafernália de instrumentos de abuso com que alguns vão ludibriando as intenções primárias dos avaliadores. Apesar de eu tender a somente reconhecer publicações em revistas internacionais com avaliação pelos pares e naturalmente indexadas, tenho de reconhecer tacitamente a falha deste sistema. Porque também todos deveremos conhecer exemplos de conversas de corredores em que alguém diz que publica sem dificuldade devido ao facto de ser amiga íntima do editor da revista X ou Y. Mas como não existem sistemas perfeitos, e este apesar de tudo não é totalmente imperfeito, eu vou aceitando-o, na convicção de que a avaliação do desempenho não se faz só por aqui.

Mais parâmetros de avaliação:

O número de alunos em orientação ou co-orientação. O número de citações das publicações, e o seu factor de impacto (normalizado para a área científica em questão). O sucesso ou insucesso das teses de doutoramento, com avaliação das taxas e motivos de desistência (para excluir casos de despotismo que todos ouvimos falar). O tempo que leva, em média, a que alunos de doutoramento obtenham o grau, de modo a evitar aproveitamentos ilegítimos por parte dos orientadores sem qualidade. O número de patentes obtidas. O número de projectos submetidos e financiados a entidades tanto nacionais como estrangeiras. O número de projectos em consórcio com empresas (porque isto de ser cientista não é um mero exercício de vaidade pessoal, há que dar de comer a alguém). A qualidade da tecnologia desenvolvida e transferida, de facto, para o tecido empresarial. O número de actividades de divulgação científica. O número de participações em congressos internacionais. O número de convites para integração de entidades nacionais ou internacionais, para actividades de consultadoria ou expertise. A qualidade das participações em processos de tomada de decisão para o bem público. No fundo, a qualidade da contribuição da ciência produzida que seja útil, para além de boa.

O que eu acho é que não existirá nunca qualquer processo de avaliação credível que funcione sem penalizações para quem infrinja as regras. Não consigo conceber que:
a) não haja um processo de avaliação instalado e a funcionar, em termos nacionais
b) quem não tem qualidade, não seja denunciado pelos seus pares; sabemos que as instituições são avaliadas no seu conjunto, mas expulsões de membros parasitários são raras ou até excepcionais, para não dizer extraordinárias ou inexistentes
c) não haja o afastamento de elementos corruptos e/ou corruptores, com base na assinatura de uma carta de ética, que congregue os valores de uma sociedade minimamente democrática, e leal; os incumprimentos deveriam ser sinónimo de afastamento da possibilidade de usufruir de fundos públicos, por um período a definir
d) continue a haver este espírito corporativo doentio e estático, que beneficia os maus, não prejudicando contudo os bons; só prejudica os excelentes, que vão sendo progressivamente asfixiados por cátedras e conselhos científicos que se opõem, regra geral, à mudança
e) não haja, da parte do Estado, um corte radical neste processo de claro retrocesso, com a instauração de uma prática coerente de costumes; temos fiscalizações quase inaceitáveis da esfera privada, mas aquilo que determina a qualidade da coisa pública nem sequer é objectivamente avaliada.

Para concluir, sem moralização e branqueamento ético nunca haverá qualquer processo de avaliação do desempenho que seja sustentável. E por uma razão simples: as regras mudarão sempre que for conveniente premiar alguém, por muito fraco que seja. Exactamente por isso é que me bato intransigentemente por este objectivo.

Sunday, March 23, 2008

Bruxas

Hoje falo sobre o papel cumplíce de alguns órgãos de comunicação social que outrara imbuídos de um sentido de missão pioneiro, criaram secções muito meritórias de divulgação científica. De forma simples, simplória até (por vezes), assumiram o importante papel de contar ao mundo o que nós, geeks da ciência, fazíamos nos nossos espaços pouco iluminados, rodeados de gaiolas e de instrumentos complexos que debitam resultados ininteligíveis. E alguns destes órgãos, e refiro-me ao Jornal Público de forma específica, criaram uma área específica dedicada à Ciência, e chegaram ao inusitado ponto de profissionalismo de contactar cientistas que colaborassem com a redacção. Tive o prazer de conhecer um destes indivíduos, e fiquei claramente consciente de que finalmente, a comunicaçõa social tinha dado o passo certo, em boa hora e de modo criterioso. Pois bem, fui dos primeiros a achar que o Público era uma instituição de qualidade, isenta e sem qualquer constrangimento político ou de agenda mediática de qualquer grupo de pressão. Pois bem, enganei-me.
Não só essa colaboração com os tais cientistas findou, como inclusivamente a divulgação científica e a sua qualidade diminuíram a pique, chegando a passar-se semanas sem que haja a adição de uma única e singela notícia nesta secção. Partindo do pressuposto que artigos científicos são publicados em todo o mundo, e diariamente, não será decerto por falta de matéria prima que o Público não publica. E depois os critérios de manutenção de notícias pouco confortáveis para o aparelho do Governo, é no mínimo, tendencioso. O Público, a achar-se democraticamente instalado no seio do 4º poder, institucionalizou uma secção de "comentários". Pois bem, esses comentários tornam-se frquentemente verdadeiros foruns de discussão, muito mais do que de bota-abaixo ou de descasque, da verdadeira voz de quem acham justificadamente que as coisas estão mal. E como estes comentários são notoriamente desagradáveis, pois colocam a nu todas as debilidades do sistema científico nacional, são eliminados - juntamente com a notícia. Pois bem vejamos com um exemplo: até há relativamente pouco tempo (assumindo poucos meses atrás), o Jornal Público mantinha uma notícia sobre adição de esteróides a algo que hoje não consigo precisar (rações de animais, creio). Era uma notícia recente, com cerca de 3 anos... Notícias muito mais recentes e muito mais "interessantes" ou "apimentadas" (como a dos prémios da excelência às competentes mas já sobejamente premiadas Maria Mota e Mónica Betencourt Dias) foram retiradas ao fim de uma semana.

Eu nunca falei de censura, pero que la hay, la hay.

Friday, March 21, 2008

O estranho silêncio de quem devia dizer algo

A primeira vítima da podridão instalada no panorama científico é o País, são os portugueses, são as instituições nacionais (empresas, famílias, associações), que não conseguem ter um progresso sustentado, do ponto de vista económico, alicerce da evolução social e cultural.

As segundas vítimas de todo este descalabro são... os bolseiros. Porque são eles quem trabalha, quem rende, quem produz na prática, quem está socialmente desprotegido, quem é mal pago, quem não vê institucional ou tácitamente reconhecido o seu esforço, quem está sistematicamente afastado das mesas das negociações, e acima de tudo quem não se faz representar. É quase como se não existissem, excepto para trabalhar, pois na generalidade das situações, não são tidos nem achados em qualquer decisão que importe à Ciência.

Agora digam-me: como se justifica este ensurdecedor silêncio das instituições que presumivelmente defendem os bolseiros? Onde pára a ABIC? Qual a contribuição que esta organização (não) deu para o desenvolvimento do estatuto social e profissional dos bolseiros? O que (não) andam a fazer? Para além de manifestos que promovem na sua página web, o que faz e para que serve a ABIC?

Aconselho a visualização de um filme, dos celebérrimos Monty Pithon, chamado "A Vida de Brian". Há uma passagem memorável em que um alegado "partido" da antiga Palestina, notoriamente inspirado no esquerdismo militante e canibal, que possui dois objectivos: o objectivo declarado, que é expulsar os romanos da Terra Santa; o segundo, que por vezes suplanta o primeiro, que é sobrepôr-se aos outros partidos esquerdistas revolucionários da Palestina. E na digestão destes dois objectivos, ficamos a perceber que o primeiro é meramente formal, e que o segundo é muito mais prático e imediato: eles acabam por existir para serem eles a verdadeira esquerda, nem que para isso destruam, ou se autodestruam, no decorrer do processo revolucionário. Mas isto é para a gente se rir. Ou não.

É o reflexo instalado de mais uma vertente de superioridade moral, versão gauche, socializada e cool. Com direito a agorrâncias psuedo-intelectualizadas.

A ABIC é, quanto a mim, muito semelhante: existe para existir. Defender os bolseiros é secundário. E só assim se compreende que estejam tão calados e quietos, quando o momento é para tudo menos para estar calado.

Daqui ninguém sai incólume. E a Ciência está tão mal como está, por culpas de todos. Não há heróis.

Sunday, March 16, 2008

Ainda a propósito do Europeísmo

Ainda a propósito do europeísmo, ao longo do dia foram surgindo mais algumas considerações relativas à temática lançada, com estrépito e satisfação de marketing, o Europeísmo militante do Sr. Ministro. Logo a começar: o conceito de se anunciar que se atingem metas discutíveis, é no mínimo e por si só, discutível. Quando algo é feito para surgir no noticiário, então é porque o desejo de se publicitar ultrapassa, e em muito, o verdadeiro substracto do assunto. E de facto, foi o que aconteceu. Premiaram-se pessoas, uma que já nem precisa de prémios por ser mais um elemento do sistema, e duas, porque já são sobejamente (re) conhecidas na comunidade científica para precisarem de mais louvores. É claro que merecem todas os meus parabéns, nuns casos mais sinceros do que noutros.

Depois, a questão das metas. Mas será que este governo não encaixa que este país não se pauta pelos mesmos valores que os outros países europeus? Depois, por consequência, se não se pauta, também não se avalia por bitolas importadas. Isto é lógico. Um país sem aposta séria na I&D, um país que perde mais tempo a inventar sistemas para evitar a competitividade, um país que herda práticas corporativas e hierarquizadas, um país que vive de importâncias e de "baronatos", um país que gosta de mordomias, um país de mesquinhez e de descontrolo, um país de funcionalismo público institucionalizado, um país de favores e compadrios, como algum dia poderia compreender a imprtância da Ciência e da Tecnologia? Estes só são importantes em larga medida por decreto, porque se apregoa na televisão, porque é fixe, porque é moderno, e porque o Governo se faz parecer moderno quando invoca estes chavões; e depois, são também importantes porque permitiem que uns poucos coloquem suavemente a pata no pescoço de muitos outros nas universidades, nos institutos e nos centros de investigação. A Ciência nacional, lamentavelmente, só serve estes propósitos. Felizmente, que a honra é uma opção individual, e que eu me orgulho de honradamente lutar contra este lodaçal. Apesar dos prémios, continuará a ser um lodaçal, porque enquanto houver "cientistas" que antes do próprio concurso estar em edital, já o ganharam...

Surge ainda outra vertente das metas. Primeiro, quais metas? Quais índices? Depois, qual o valor intrínseco de termos atingido essas metas? Seguidamente, qual o ganho desse objectivo ter sido atingido? Qual o avanço social, cultural, económico, inerente a ter sido cumprido esse alegado desígnio? Depois, em que condições, e recorrendo a que sacríficos, e acima de tudo quem terá cometido esses sacríficios para que fosse possível afirmar-se tal coisa? Porque hoje já não chega cumprimentar com o chapéu alheio, porque para esse peditório do amor à camisola já demos, Sr Ministro.

Depois, a questão do timing. Faz precisamente 3 anos... 3 anos é quase o fecho de um ciclo político, tal como uma das minhas intervenções de há dias, e convém que haja trabalho feito para mostrar. Não teremos entrado já em pré-campanha? Não será necessário aquecer desde já o ânimo das hostes que quiçá tenham andado por terras da laranja? É que não nos esqueçamos que antes de fazer (pela) Ciência, o Sr Ministro faz política, facto que não se compadece com haver calotes aos fornecedores porque o seu ministério não paga a tempo e horas. Nem se compadece com cientistas altamente qualificados que recebem 745€ por mês, com segurança social foleira, e a 12 meses. Nem se compadece com a mais elementar justiça de haver avaliações isentas e co critérios claros que estejam subjacentes à meritocracia.
Por último, a questão de se premiar alguém que foi nomeado para o cargo que desempenha. Até nem tenho objecções de monta, excepto nos casos pouco claros dos editais Ciência Viva, que não contemplam bolseiros, mas depois vamos a ver, um barão telefona à galardoada e está o caso desbloqueado, temos mais um bolseiro fora do plano, e pago com verbas à medida.

Lodaçal, e profundo. Mas foi um mar de rosas, nem que seja só por um dia.

Comentário no Jornal Público 16/3/2008

Estou absolutamente de acordo com alguns dos comentários aqui apresentados. Não basta engalanarmo-nos para a festa, há que merecer ser convidado. E hoje, e esta é a pura realidade que constato todos os dias, o país vive claramente acima das possibilidades em termos de investigação científica. Os bolseiros são mal pagos, temos calotes monumentais junto de fornecedores porque pura e simplesmente, o Estado não nos paga o que nos deve, temos de conviver com barões e agentes parasitários do sistema, que teimam em manter o beija-a-mão do Estado Novo, e acima de tudo, temos uma classe dirigente constituída por malfeitores, que sabem muito bem como dar a volta à situação, mas por mero situacionismo e falta de vontade política, eternizam esta situação. Não há competitividade, há compadrio; não há justiça nem mérito, há feudos e cristalizações; não há coragem em mudar, há sistematicamente entraves colocados ao conceito das avaliações isentas; não há transparência na atribuição de verbas em concursos, há antes uma corrupção generalizada nos braços do MCTES. E acima de tudo, há muita vontade de do pouco ou nada se fazer muito, e publicitá-lo. Ver mais em http://scientias.blogspot.com

Tuesday, March 11, 2008

Balanço

Chegados a 3 anos de legislatura, ficam a faltar uns escassos 12 meses para que o Povo se pronuncie. E como nunca tantas vezes a Ciência serviu propósitos de enganar as pessoas, urge uma reflexão atempada do que deve ser um voto útil em termos do que nos aqui ocupa.

Hoje em dia, existe a consciência de que o capital intelectual é o que distingue sociedades prósperas de meros grupos de indíviduos organizados em castas e de forma primitiva. É o conhecimento, e a sua busca e acumulação que fazem com que algumas nações ganhem guerras, enquanto que outras as perdem. E é neste deve e haver de massa cinzenta que muitos países decidiram já jogar cartadas fortes. O nosso país é daqueles desencantados e desconfiados, que espera para ver, como se duvidasse dos axiomas acima delineados, para agir e investir. Pois é, um dia, quando o Estado e os privados se decidirem, já é tarde.

A Ciência, ao longo desta legislatura, foi arma de arremesso, foi 1ª página de jornal, foi motivo de eventual regozijo nacional, foi orgulho bacoco, foi uma forma de cimentar na opinião pública a ideia de modernismo e agilidade governativas, foi pretexto para nos agigantarmos, foi causa de assinatura de protocolos, foi tudo, e acima de tudo não foi nada. Nunca estivemos tão na mesma, com a agravante de haver quem tenha aproveitado para se engalanar, com pompa e circunstância, para este casamento logo desfeito entre ciência e sociedade. Houve até algo inusitado, que foi um ministério da Ciência que se achou no dever de legar aos homens do presente e do futuro algo que ainda ninguém percebeu para que serve ou servirá. MITs, Carnegie Mellons e acordos similares, quais elefantes brancos, que alimentam o fatalismo faduncho do anedotário nacional, e que só nos dão mais um amargo de boca de frustração e oportunidade perdida, para logo desembocarem numa legitimada fuga de cérebros que prevejo num futuro próximo. Foi um passo meritório, em que o próprio ministério português abriu as portas da emigração dos inteligentes portugueses que queiram sair, para nunca mais voltar, desta praia de desordenamento em que a ciência portuguesa vive.

Foram mais anos de estaticismo, de assumpção de uma realidade que é tão pestilenta que nem nos deixa outra alternativa senão pedirmos a clemência de Bruxelas. Ai se não fossem os projectos europeus, ou as opiniões estrangeiras, que nós ainda hoje íamos pedir ao Cardeal Cerejeira que financiasse os projectos. Hoje a corrupção continua instalada, generalizada, institucionalizada, tornada oficial por decreto real, feita religião pelos avaliadores das bolsas e dos recursos da FCT, e apoiada em delírio pelos desígnios proteccionistas das cátedras públicas. E toda a gente sabe disto!!, mas se o Dr Marinho Pinto quiser falar, tem a palavra. Pode ser que alguém se doa.

Nunca, como hoje, se viveu com tanto desdém e complacência o mal tão bom em que vivemos ontem.

Friday, February 29, 2008

A vontade em (não) mudar

Este espaço pretende ser um espaço aberto de sugestão, crítica e denúncia, e não somente um local de bota-abaixo despropositado e infame. E como já coloquei perante a blogosfera mais do que as denúncias suficientes e lancei os debates que eu creio serem propositados, creio que chegou o momento de ser construtivo.

Apresento sugestões de meios, que eles existem, de melhorar o sistema, começando pela criação de mecanismos objectivos de moralização progressiva:

A - definição de políticas a médio e longo prazo da Ciência nacional. Não nos basta andar a reboque de estatísticas, pois temos de saber onde melhorar e não fazê-lo só do ponto de vista numérico, com a produção em linha de montagem de mais doutores, sem que haja uma orientação muito clara para a satisfação das necessidades do País. Não é necessário produzir mais doutores para engrossar esta legião geracional de frustrados, que estuda e se doutora para não ter outra solução que não emigrar ou aceitar trabalhos para os quais são manifestamente over-qualified; O MCTES tem de saber onde previligiar as suas intervenções, abrindo novos concursos, de forma sistemática e consistente, para bolsas de doutoramento, ou permitir a participação activa das empresas nas discussões tidas em sede de Conselho dos Laboratórios Associados.

B - o MCTES tem a obrigação moral e política de tornar transparentes os seus procedimentos, nomeadamente no que diz respeito aos processos de avaliação de candidaturas da FCT. Seja em bolsas, seja em projectos, seja em avaliações do desempenho dos laboratórios e centros, seja na criação de facto de figuras que já estão previstas há muito e que nunca foram claramente formalizadas. Sob pena de sermos cada vez mais um país de caciques, em que um telefonema para o número pessoal de alguém bem instalado a nível ministerial permitir ilegalidades ou que se procedam a actividades que não estão previstas nem na lei nem nos editais. Isto é intolerável, pois saber que alguns podem fazer aquilo que está vedado à maioria é corrupção.

C - O MCTES, como sustentáculo político da actuação governativa no que diz respeito à Ciência, tem de conhecer a realidade, e terá então de criar ferramentas de aferição do que se passa no terreno. Não basta confiar a gestão de dinheiros públicos a pessoas, sem que os seus desempenhos sejam avaliados. Devem ser criadas ferramentas de arbitragem de conflitos e listas de exclusão, para impedir que os faltosos continuem a usufruir de dinheiros públicos. Não é aceitável que haja de modo sustentado casos comprovados de favorecimento, de corrupção, de ilegalidades e de abusos documentados sem que o Estado ponha fim a estes comportamentos. E para que o Estado saiba, nada mais terá a fazer do que incentivar a denúncia destas situações.

D - A FCT deve ser dirigida por alguém, numa base naturalmente rotativa, que esteja dentro das temáticas da Ciência mas sem comprometimentos político-partidários ou mesmo universitários. O processo de nomeação deve, na medida do possível, recair sobre figuras consensuais (que as há...) e não sobre colegas de Instituto ou de Faculdade do minsitro.

E - Os concursos públicos de financiamento científico devem ser periódicos, e essa periodicidade deve ser estritamente respeitada. Não é sustentável que a comunidade científica seja informada erradamente acerca de prazos de algo que nunca chega a existir. Para além de ser uma enorme perda de recursos, é ridículo que pessoas supostamente responsáveis mintam.

F - A avaliação de candidaturas deve ser realizada por paineis diferentes, de concurso para concurso, de ano para ano, e com a definição prévia dos critérios de avaliação, para evitar avaliações por medida e escândalos como todos nós conhecemos.

G- O Estado deve criar mecanismos de excelência que promovam a competitividade, e não fazer avaliações cegas. Exemplifico com o facto de algumas avaliações estarem inquinadas pela análise demasiado estrita dos curricula vitae dos proponentes dos projectos. Os CVs de cientistas jovens, pelo simples facto de serem mais novos e consequentemente teram carreiras mais curtas, dificilmente poderão ser comparados com CVs de cientistas seniores. A análise desta situação só pode levar alguém avisado a concluir que isto é caricato ou resultar de má fé no processo avaliativo, de modo a beneficiar um determinado estado de coisas que favorece poucos em detrimento dos muitos que não são comtemplados.

H- O Estado deve definir muito bem o que se pretende da carreira de investigação, e dotar os LAs de ferramentas (leia-se, dotações orçamentais e estatutos) para que haja uma dignificação desta actividade profissional. Não se pode fazer conviver, debaixo do mesmo tecto, investigadores de 1ª (nomeadamente docentes universitários) com investigadores de 2ª, que são contratados pelo facto de serem excelentes mas mesmo assim estarem sistematicamente na contingência de finalizar o contrato e serem colocados numa situação de desemprego.

I - Os regulamentos de fontes de finaciamente devem ser agilizados para acompanhar a evolução. Regulamentos de elegibilidade que emanam do mais profundo obscurantismo burocrata do Estado Novo não se coadunam com uma visão moderna da Ciência, e forçam os investigadores a criarem sacos azuis para financiar actividades corriqueiras.

J - Os estatutos dos LAs e restantes laboratórios creditados devem ser escrutinidados, para se evitar situações de eternização de alguns cientistsas seniores em posição de destaque, não merecidas como resultado da sua avaliação de desempenho, e que resultam de processos de favorecimento pessoal por parte das direcções.

Está visto que isto é tudo uma questão de vontade política.

Thursday, February 28, 2008

Comentário no Jornal Público 28/2/2008

Parabéns aos autores do projecto, aos seus colaboradores e ao Instituto que o acolhe. O IPATIMUP é um exemplo do que de bom se faz em Portugal, claramente ao nível internacional, e só pode, no seu todo, estar de parabéns por mais um sucesso. É uma prova de quem Portugal existem dezenas, centenas e se calhar até milhares de investigadores qualificados para desenvolver trabalho de mérito, reconhecido internacionalmente, e que só não façam mais porque tanto o Estado (principalmente) e as empresas não assumam uma atitude pro-activa na prossecução de uma política científica DE FACTO, e séria. É igualmente pena é que notícias destas não sejam mais abundantes, e logo mais normais, na nossa comunicação social. Mas fica também a advertência: a ciência não vive de prémios, vive também (e muito) do dia-a-dia de esforço dos fracassos que justificam a evolução do conhecimento. Por isso se exige mais respeito para quem a faz.

Friday, February 22, 2008

O esquema

Há uma moda em algumas Universidades públicas portuguesas, bem antiga por sinal, que consiste em haver docentes que são pagos para não dar as aulas que lhes competem. Alguns são muito bem pagos, pois encontram-se em topo de carreira, e encontram-se totalmente para lá do braço da lei, pois não há quem denuncie algumas destas alarvidades. E o caso é sério, quanto mais não fosse pelo número elevado de docentes que praticam esta modalidade de chulice.

Pois bem, a moda reside em convencer ou obrigar alunos de doutoramento (ou outros, embora estes sejam os mais frequentes) a dar as aulas que competiriam aos seus chefes. Há casos de verdadeiro escândalo, pois durante semestres inteiros os docentes em causa nem sequer se deslocam à sala de aula ou aos laboratórios onde deveriam leccionar, pois as aulas são integralmente asseguradas pelos díscipulos. Só surgem para recolher os despojos, que é como quem diz, a pauta para assinar e o vencimento para recolher, no fim do mês. E não falo só de aulas, pois existe um recurso a este expediente para avaliações, trabalhos, vigilâncias... Aquilo que estranho é que não haja conhecimento destas situações por parte dos Conselhos Científicos. O que mais me parece é que este órgão é conivente e pactuante com situações deste género, pois os Conselhos Científicos são constituídos por gente que recorre a estratagemas semlhantes quando podem ou quando lhes convém.

Agora vejamos o seguinte: a Universidade pública contrata um docente, que é pago por intermédio de uma dotação orçamental própria, proveniente do Orçamento de Estado e consequentemente do bolso de todos nós. E é contratado para executar uma função, que neste caso é a de ensinar. Depois, porque não existem mecanismos de controlo sobre estas situações, o funcionário público, do Estado, pago por todos nós, entende que não quer continuar a exercer a sua função. Ao invés do comum dos mortais, que ou aguentaria a situação ou apresentaria a sua demissão do cargo, arranja um escravo que o substitua, e muitas das vezes de forma gratuita. Resumindo: recebe e não faz, e ainda tolhe a vida de um terceiro.

Tenho conhecimento de gente que utiliza estes esquemas para se dedicar às mais variadas actividades: docência noutras instituições, política partidária, actividades empresariais, actividades científicas, passatempos lúdicos... Se umas são mais ou menos condenáveis, outras serão quase compreensíveis (como o caso da Ciência). No entanto, nada transforma uma atitude de laxismo e de exploração numa virtude, pelo que considero uma vergonha o que grassa por algumas escolas das Universidades portuguesas.

Como se diz em português corrente, "assim não custa".

Monday, February 18, 2008

A confusão, o caos e as más intenções

O atraso científico estrutural a que nós assistimos em Portugal pode ser combatido de várias formas. E cabe ao Estado criar legislação que permita que se vença esse atraso, principalmente por intermédio de um acréscimo sustentado de autonomia das unidades de investigfação em contratar quem muito bem entendam. Foram assim criadas as posições de investigador auxiliar, pagos pelo centros (e com vencimentos muito apetecíveis, convenhamos; alías, concordo inteiramente, quem quer qualidade, pague-a), mas com contratos assumidos em modalidades interessantes.

A ideia inicial era contratar esta gente a 10 anos. Depois, os cortes orçamentais causaram um movimento de marcha-atrás radical, e os contratos foram equacionados para ser a 5 anos. Depois de mais cortes orçamentais, adoptou-se o último formato, 3+1+1: 3 anos de contrato, e se houver dinheiro, mais um ano; se continuar a haver dinheiro, mais um ano. Final do contrato e rua. Sem mais contemplações, e acreditou-se que se iria resolver o problema premente do emprego científico em Portugal. Uma bolsa encapotada... camuflada para parecer um emprego legítimo com direitos sociais. Incrível a maneira como se vendem ilusões, principalmente que se apregoadas pelos docentes de carreira, que é quem inventa estas asneiras crassas, sob o lema omnipresente de "pimenta no cu dos outros é refresco".

Depois, a questão das expectativas profissionais e das atribuições em termos de responsabilidades. Eu acredito sinceramente que um investigador auxiliar é um indivíduo com uma formação absolutamente brutal e extremamente sólida numa determinada temática científica. Então, estamos aqui perante um paradoxo: os investigadores auxiliares, que são descartáveis, são imensamente melhores que muitos directores de laboratório ou de departamento. O ovo da serpente está a chocar-se.

E depois a questão da sua função: orientam alunos, submetem projectos e depois são despedidos? Como se garante a continuidade destas iniciativas se se corre o risco (e muto sério, já veremos adiante) de muitos destes indivíduos poderem ser dispensados sem qualquer contrapartida?

Há uns anitos, andou a circular um mail de um director senior de um LA que pedia encarecidamente aos doutorados do seu centro que incluíssem obrigatoriamente (o carácter de obrigatoriedade é que é de morte...) investigadores seniores, docentes universitários portanto, nos projectos, para evitar o prolema de alguns destes projectos correrem o risco de ficarem órfãos a meio do percurso. E porquê? Tal recomendação surgiu na ressaca de um pedido de demissão de um destes investigadores, que era estrangeiro, e achou que este país fosse normal; surpreendeu-se, pois deu com uma chefe clássica - e a única solução foi abandonar o centro nacional e deixar o projecto a quem não percebe nada daquilo. Mas não será isto uma subversão do espírito do emprego científico do Estado? Será que o Ministério da Ciência, da Tecnologia e do Ensino Superior pode sacudir a água do capote, juntamente com o Conselho dos Laboratórios Associados, e achar que não são, no mínimo, co-responsáveis, por mais este abuso?

Pois é, quanto mais se anda mais se vê a fragilidade da Ciência deste país. O caos, a confusão e as más intenções.

Friday, February 15, 2008

A superioridade moral III

Depois da acalmia, a reflexão. Há lugar a comentar os comentários, há lugar a chamar os bois pelos nomes e há lugar, mais uma vez e sempre, a pôr o dedo na ferida. Porque é uma ferida larga, profunda, que alastra velozmente alimentada pela estupidez, e que se propaga a todos os sectores da sociedade, Ciência incluída.

Eu cresci num País que se diz democrático, e que assenta no primado do Direito. O exercício da liberdade é, para mim, condição sine qua non para o usufruto da cidadania. Habituei-me, se calhar erradamente, a acreditar que na Educação reside a cura para todos os males, que sem excepção, são filhos da ignorância. E sempre avaliei os outros, as suas atitudes e as suas respostas, à luz de conceitos como a ética, escrúpulos e bom senso.

Ora bem, parece que há gente que vive acima disto. Há gente que se acha permanentemente no Olimpo, que nunca se acha sujeita a crítica. Há gente que é arrogante ao ponto de achar que humilhar é um seu legítimo direito. Há gente que acha que todos os expedientes são válidos, logo aceitáveis, para fazer vencer o fruto da sua presunção. Há gente que acha que a órbita solar se desenrola em torno do seu umbigo. Há gente que usufrui da dúvida, da hierarquia, da fama de louco, para dominar e calcar. Há gente com um despotismo embriónico crónico, baseado numa presumida superioridade intelectual, cultural, curricular, científica e também moral. Há artistas e demais agentes de artes de saltimbanco, que se especializam em enganar tudo e todos, quais contorcionistas mentais cujo fito é manterem-se na crista da onda, virando o bico ao prego sempre que lhes convém. Há os idosos, que acham que a combinação sinérgica de idade e experiência são simultaneamente postos e argumentos para fazer com que determinadas coisas nem se discutam, eternizando tabus pardos de legitimidade duvidosa. Há os habilidosos, que conseguem hipnotizar as hostes, convencendo-as a pregar o moralmente indefensável. E há os securitários, que precisam de se sentir seguros pela berraria das multidões, e se rodeiam de idiotas pouco pensantes para dar a ideia de que são muitos, e, logo, têm razão.

Portugal é um país interessante, exactamente pelo facto de haver muita gente a falar muito, daquilo que sabe muito pouco. É um país interessante pelo simples facto de ser ainda virgem em cidadania, em respeito pela diferença, em saber aceitar que os outros possam levar as suas vidas sem Cardeais Cerejeiras que os ameacem com os fogos dos Infernos. É um País interessante pelo facto de adorar como deuses exactamente aqueles que os outros países renegaram, expulsaram ou dispensaram, um pouco à semelhança de uma parábola viciada do filho pródigo. É um país interessante pelo facto de existir tão pouca vergonha na cara em exibir arrogância e pedantismo, reminiscências absurdas de uma aristocracia que felizmente se aboliu. É igualmente interessante por haver tanta gente disposta a ocupar os cargos de pequeno ditador, qual Charlie Chaplins anémicos, para dominar os outros. É um país interessante por ser uma terra de cegos, em que basta meio olho para alguém se achar Rei.

E claro, é um país de burros, obedientes, silenciosos, que não se importam de exibir essa mesma burrice com dedicação e aprumo. E de incautos, porque aquilo que se convencionou "parecer mal" é hoje encarado com normalidade, como dizer asneiras em público. Asneiras tomo-as como coisas irreflectidas, incongruências, incoerências, falácias, infantilidades, futilidades e inutilidades. Enfim, tudo aquilo que para alguns, faz um bom aluno de doutoramento, ou faz um bom cientista.

Este é o país das esquizofrenias consentidas, em que a coberto da fama, se apregoam as maiores ignomínias, impune e sistemáticamente. Está na altura de haver quem distribua antipsicóticos, sob pena de sermos considerados um manicómio colectivo, ou uma aldeia de macacos dementes e com pitorescos hábitos, para inglês ver, nas férias de Verão.

Wednesday, February 13, 2008

Comentário no Jornal Público 13/2/2008

A boa e a má moeda
Há um par de anos, o actual Presidente da Républica escreveu um artigo de opinião em que fazia a análise da conjuntura política do momento. E nesse artigo dizia que a "má moeda acaba por expulsar a boa moeda". Este exemplo é de facto sintomático: um cientista jovem de excelência, boa moeda portanto, com inegável mérito, que foi até hoje financiado e suportado por instituições estrangeiras, é pago para se instalar em Portugal para produzir a Ciência que tão bem pratica. Os meus sinceros parabéns ao Henrique. Mas fica a questão: será que o caso do Henrique não é tão somente a excepção que confirma a regra de que vivemos num País de oportunistas, de equiparados a doutores, de saltimbancos e charlatães, sem ética e escrúpulos, de parasitas bem colocados na hierarqua científica que tentam garantir a todo o custo que casos como o do Henrique não se repetem com demasiada frequência? Se se repetissem, iriam abalar o statu quo da pequena ciência que se pretende ir fazendo, para manter tachos e mordomias. É o "portuguese way of life", este deprimente marasmo de inciativa a que voluntariamente as instituições universitárias públicas e centros de investigação se dedicam, como má moeda que são.

Friday, February 1, 2008

A questão das assinaturas

Vinha hoje a conduzir o meu automóvel quando ouvi na TSF que o Jornal Público tinha elaborado uma investigação que apontava para a possibilidade o Primeiro Ministro José Sócrates ter assinado projectos que não seriam, alegadamente, da sua autoria, duarnte os vários anos em que esteve ao serviço da Câmara Municipal da Guarda e nos gabinete de engenharia onde exerceu funções. Teceram-se várias considerações a propósito da iniciativa, e nesse sentido surgiram as opiniões do Bastonário da Ordem dos Engenheiros e de outras personalidades ligadas às obras e edificações. O estudo jornalístico indica que muitas das assinaturas foram apensas a projectos nos quais o Engº. José Sócrates teria dado a sua "assinatura de favor". Creio ter sido este o termo utilizado para se referir a tal acto.

Não faço a mínima ideia se tal corresponde à verdade ou não, nem sou especialista em caligrafia para afirmar que a letra que surge nos projectos assinados é do Engº José Sócrates ou do seu colega de curso. Sei que a opinião entre os comentadores convidados era unânime, no sentido de condenar a atitude, caso viesse a ser comprovada. E havia até quem defendesse a ilegalidade da medida, visto configurar um crime de fraude. Mais uma vez, é-me absolutamente indiferente se o Engº José Sócrates o fez, mas acho que o País merece melhor do que ter um Primeiro Minsitro que se envolva em vigarices. caso se venha a comprovar...

O meu propósito é outro, e assenta na premissa de que só se assina aquilo que se faz. E "assinaturas de favor", na Ciência portuguesa, são mais do que muitas. Todos nós conhecemos decerto projectos que não foram escritos por quem os assina, facto que contribui decisivamente para um enviesamento da avaliação do desempeho e da qualidade científica de muitos investigadores. Sei por exepriência própria o que é ser vítima de sedução ou de pressão por parte de uma chefia para escrever projectos em que é essa chefia, numa atitude de despotismo parasitário, que impõe a obrigatoriedade da coordenação e da responsabilidade do projecto passar a ser sua, e não dos legítimos autores que deveriam ter direito ao usufruto da propriedade intelectual. Sei que os argumentos para que os subalternos se deixem subjugar intelectualmente se baseiam em falácias, como a menor possibilidade de êxito no processo de avaliação. Compreendo que seja um argumento de peso, e que possa fazer equacionar a coordenação do projecto científico.

Mas não podemos de modo algum viver reféns deste estado de coisas. As entidades financiadoras não podem fazer avaliações em função das estaturas científicas de quem assina indevidamente. É urgente criar um código de conduta que impeça apropriações da autoria moral e da propriedade intelectual de muitos projectos. Caso haja incumprimento no disposto neste código, por suspeita por parte dessa entidade, por denúncia, ou por outro qualquer motivo, os prevaricadores devem ser impedidos de concorrer a financiamento da instituição em causa durante um período alargado. Caso contrário, estaremos a beneficiar os autores e beneficiários desta fraude, que atinge proporções gigantescas em alguns laboratórios.

Este é um mecanismo que decerto impedirá o surgimento de curriculum a metro.