Tuesday, October 2, 2007

País do faz de conta

Este é realmente o país do faz de conta, um país pequenino, parado no tempo, em que qualquer tentativa de crescimento se esborracha e esmorece perante a real crueza das instituições e da sua incompetência. As universidades públicas portuguesas criam monstros de dimensões atrozes, ou por motivações meramente políticas e estatísticas de conveniência ou de circunstâncias (como atingir pseudo-metas de desenvolvimento...), ou por birras pessoais dos trutas das cátedras, que se julgam arrogantemente detentores e donos do inalienável poder de criar licenciaturas para as quais não existe mercado de trabalho, ou que as flutuações sazonais ou "da moda" lançam no desemprego os recém-licenciados, porque simplesmente o país não precisa deles... Se calhar o país não precisa é de mais trutas, e devia zelar pela extinção progressiva dos que ainda temos, em vez de os acarinhar.

Depois do ovo chocado, nasce a cria do monstro, o tal que assumirá dimensões gigantescas, até para os limites geográficos do nosso país. Depois é ver estes reptilianos órfãos, estes recém licenciados, a emigrar, ávidos justamente daquilo que o país nunca teve para lhes oferecer: empregos condignos, em condições compatíveis com a sua área de actividade e formação, e bem pagos. Este país vive o síndrome da forretice, do investimeno de vista curta, da miséria natural - paga-se mal, e mais mal se pagaria se não assumisse dimensões de escãndalo haver licenciados a 600€ por mês.

Pois bem, o monstro truta choca o ovo, abre a casca e condiciona o desgraçado recém licenciado a acreditar que não existem alternativas para aquilo que ele mesmo, monstro, criou. Vergonha. Há faculdades e cursos em que é a regra a ausência de utilidade prática dos seus licenciados. Mas as vagas contiunuam a abrir, todos os anos. Na área das ciências biológicas e exactas (que me é particularmente cara...) veja-se cursos como física, matemática, biologia, bioquímica, biologia marinha, ciências do meio aquático. Qualquer licenciado proveniente destes cursos me merece o máximo respeito, e não julguem que desdenho. Mas decerto serão os próprios licenciados provenientes destas licenciaturas a assumir que não existe verdadeiro emprego, a não ser em claras e flagrantes excepções. E chega-se precisamente onde eu queria chegar.

Hoje em dia, muito do que se apregoa como emprego não o é. Ser cientista, na maioria das vezes, é ser um assalariado num regime ainda mais precário que a precariedade socialmente aceite, que é a do regime de recibos verdes. Mas quando o ícone que os alunos visualizam é o cientista, romantizado, ostracizado, abnegado, dedicado até à exaustão, é fácil de compreender que esta visão possa seduzir, e transformar-se num objectivo de vida. E o monstro truta da cátedra alimenta o vício, força a demonstração que "é a única via, isto está muito mal, não há emprego..."
Aliás, o interesse do monstro não é ingénuo, nem pode ser... quando ele influencia, fá-lo no seu próprio interesse: pode ser que ganhe mais uma orientação, mais uma publicação, mais um degrau no qual se apoie para as provas de agregação.

E depois a questão das vocações... Muitos dos que conheço não têm nem queda, nem jeito, nem disposição, nem vocação, nem ambição, nem possuem sequer a capacidade intelectual (a verdade tem de ser dita, e é politicamente incorrecto dizer que há idiotas, mas que os há, há!!!) para serem cientistas. Só o são porque não têm alternativas. Ou porque o monstro truta da cátedra já fez, de forma muito competente, o seu papel de sedutor/arauto da desgraça. Mas onde é que já se viu sítio onde, para se ser o melhor, não se tem vocação para isso?

Como queremos qualidade? Não podemos querer. E é ao monstro truta da cátedra que temos de pedir responsabilidades.

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