A questão de se dar o nome, com tamanha frequência no nosso país , como se fosse um fado, um destino, uma fataliqade, uma necessidade inapelável, encerra em si um complexo de inferioridade, de mesquinhez, de fazer passar uma imagem de falsidade e aparência que só existe por sermos nós os verdadeiros herdeiros da deseducação fascista. Um dos melhores acontecimentos, e que ainda hoje opera na sociedade portuguesa, prende-se com a democratização no acesso ao ensino superior. Aquilo que é de facto uma conquista da democracia converteu-se, paulatinamente, num poço de problemas irresolúveis, tanto mais que a sua resolução dependeria da (boa???) vontade de uma seita de indíviduos.
Vejamos:
As cátedras das Universidades Portuguesas estão pejadas de senhores e senhoras (por esta exacta ordem) que se formaram (ou licenciaram) nos idos do Arroz de XV, quando o Botas e a sua visão hierarquizada da sociedade permitia que o dinheiro, o estatuto, a beatice e a intensidade do mofo que emanava das sobrecasacas se sobrepusessem aos outros critérios na entrada para o Ensino Superior. Convenhamos, só uma pequeníssima fatia da população podia dispensar os seus filhos da obrigação de irem buscar sustento, quanto mais agora permitir-lhes andarem a perder tempo em estudos... Era a 4ª classe, "porque se eu não precisei, ele também não precisará", para a esmagadora porção dos portugueses.
Então a elite, tal como todas as elites que surjem como reflexo de regimes totalitários (as intelligentsias), fez o que pode (o que até não foi muito) para evitar que outros achassem que podiam comer da mesma gamela. Era escandaloso o proteccionismo corporativista balofo e sem qualquer sustentação ideológica que impedia o acesso de gente ao ensino superior. Ainda hoje se vê, mas com menos preponderância: para se ser médico em Portugal só se tem de ter 22 de média de licenciatura, 3 braços, um fígado suplente debaixo do banco de trás e uma boa dose de presunção aos dezoito anos, que é quando se sabe mais sobre os factos da vida. E digo-vos, baseado na minha experiência profissional: há médicos francamente burros, e formados em universidades portuguesas. Mas têm 3 ou 4 braços, acredito que tenham o tal fígado e presunçosos são com toda a certeza.
Mas com o advento do 25 de Abril, as coisas facilmente assumiram outro pendor, outra orientação, e houve que se fazer re-ajustes. E foram os re-ajustes que se fizeram que entalaram todo o futuro da Universidade tal como a concebemos: Os poleiros continuaram a existir, as nomeações, as entronizações, os direitos adquiridos, as mordomias (tive um professor que era conduzido por um chaffeur até às aulas, sendo eu aluno da Universidade do Porto), os escândalos, os tachos, os cargos feitos à medida, as verbas a serem distribuídas de acordo com as necessidades, a ciência a ser feita pelos amigos, a exploração dos alegados subalternos. Onde eu quero chegar é à seguinte conclusão: o movimento social, político, ideológico, cultural e até moral que colocou Portugal no centro do Mundo político em 1974 nunca foi encarado como uma necessidade para as elites da ciência nacional, que ainda hoje preferem a pequenez controlada de um vão de escada, em que quem fala rapidamente pode ser apontado, à competitividade fundamental para um engrandecimento justo e meritório dos verdadeiros cientistas da nossa praça. Enquanto houver perseguições políticas ou pessoais, enquanto houver concursos em que os critérios de avaliação não são fornecidos aos avaliados, enquanto a seriação for feita por indíviduos ligados aos avaliados, enquanto os critérios de avaliação tomarem em linha de conta unicamente parâmetros para um concurso desse ano, enquanto não houver uma verdadeira separação entre avaliação científica e avaliação pedagógica, enquanto não houver moralização extensiva com afastamento das maçãs podres, enquanto o Ministério Público não investigar e auditar as contas dos projectos financiados pela FCT e dos Laboratórios Associados, então não nos queixemos nunca de que a investigação que fazemos é má. Será sempre má enquanto não houver liberdade de contrapor às palavras das vacas-sagradas as opiniões mais válidas de quem tem realmente valor.
Por isso me indigno contra a fatalidade em que muitos dos meus colegas se enredam quando entregam as suas ideias para que outros, verdadeiros parasitas, dêem o nome, e usurpem a glória. A isto chama-se prostituição científica.
Sunday, August 19, 2007
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