Sunday, September 2, 2007

Ainda as responsabilidades do Estado

Nem mesmo o mais fiel acólito da ideologia neo-liberal gostaria de ver uma sociedade ocidental totalmente desregulamentada. O papel do Estado é assim fundamental, quanto mais não seja na harmonização e arbitragem das relações entre os cidadãos. Só assim se justifica que existam tentativas de concertação social, em rondas negociais anuais, que visem o estabelecimento de mútuo acordo dos assuntos que dizem respeito ao trabalho. A partir dessas rondas, são adoptadas resoluções e, acima de tudo, há preceitos que ganham força de lei, com o surgimento da imprescindível legislação laboral.

Mais uma vez, na Ciência, não existe nada disto. E até certo ponto, existiu (e chamo a atenção para o tempo verbal - no passado) uma justificação aparente para esta questão. Quando o financiamento da ciência era uma questão absolutamente marginal na nossa sociedade, eu até poderia aceitar que a regulação da sua actividade fosse incipiente. Quando o Estado financiava a actividade de algumas dezenas ou pouquíssimas centenas de indíviduos, e ainda por cima com uma quase garantia de empregabilidade no final do período financiado, o cenário das bolsas era, DE FACTO, transitório. Esta natureza fez com que a necessidade de regulamentação das relações nunca fosse assumida. Mas agora???? O Estado, no que à investigação nacional diz respeito, é o maior empregador nacional, financiando directamente largos milhares de investigadores. Assim, não é de todo aceitável que a instituição Estado se divorcie do seu papel de parceiro social e ignore, de forma sistemática e com o maior dos descabidos descaramentos, esse seu papel. Modernidade, equidade e justiça são conceitos que não se coadunam minimamente com abusos próprio da uma ditadura sul-americana, e que o Estado permite diariamente nas suas próprias instituições de investigação científica. E vejam: apregoando bandeiras como as do choque tecnológico, parcerias com MITs e Carnegie Mellons, acordos com Fraunhofer Institutes...

O trabalhador da ciência nunca é reconhecido como tal, e a própria terminologia "trabalhador"constitui verdadeiro cavalo de batalha há mais de uma década para a nomenklatura científica nacional, e apesar de sérias recomendações da União Europeia no sentido de se considerar estes trabalhadores como detentores dos direitos e garantias de todos os demais. E a estratégia é simpes: é a da avestruz, se o problema não se vê, então é porque não existe; se o investigador não é um trabalhador, então não tem os direitos dos trabalhadores. Simples, e inovocam-se argumentos giríssimos, como o facto de que o investigador científico está "em formação". Se virmos que, hoje em dia, todas as estratégias empresariais e outras, falam de aprendizagem ao longo da vida, posso concluir que o próprio Ministro da Ciência estará em formação - logo, não deve receber um salário, mas antes uma bolsa, e a 12 meses... de 745€ mensais + seguro social voluntário indexado ao salário mínimo...

Mas isto até nem é o mais grave. O mais grave é a total falta de protecção social. E até calha bem que a questão da flexisegurança esteja em discussão quase permanente em Portugal (só para situarmos o conceito), porque na Ciência o que existe é a flexi-insegurança, e por total omissão do Estado. O Estado dá dinheiro para que se investigue, mas não controla minimamente as relações que se estabelecem dentro dos próprios laboratórios. E num país como o nosso, de saudosistas e aspirantes a Salazares, desregulamentar é o mesmo que abrir a porta a todas as formas de exploração e de abuso. É confrangedor observar a situação de algumas instituições de investigação, integral ou parcialmente financiadas pelo Estado (alegadamente para servir "os interesses estratégicos nacionais") em que os chefes são imperadores de algibeira, mandando e desmandando, decidindo arbitrariamente qual o futuro dos seus colaboradores, e sem precisar de dar qualquer justificação para os seus actos. Para despedir um bolseiro do Estado, é tão simples como uma carta dirigida à entidade financiadora do próprio Estado - e está o gajo na rua, limpinho!!! E estas cartas são instrumentalizadas, na base do "ou te portas bem, ou como eu decido a meu bel-prazer, tens de ter cuidado". E ninguém pede contas, ninguém investiga as razões do conflito, ninguém arbitra, ninguém define compensações para a parte que mais vulgarmente sai lesada que, é a do trabalhador da ciência, naturalmente.

Se for ao contrário... O Estado criou uma entidade virtual, que deveria apurar as reais condições em que o conflito existiu. No entanto, atentem por favor nas minhas palavras, pois é uma entidade completamente virtual, nunca regulamenteda, que nunca vi em acção. Agora despedimentos baseados em critérios abusivos e em resultado de abusos de poder discricionário, são mais do que muitos.

No próximo post falarei das péssimas condições em que alguns grupos de trabalho, pagos pelo Estado, trabalham, com óbvio prejuízo da saúde dos investigadores.

No comments: