Thursday, May 31, 2007

Diphylobotrium latum

Existem muitos parasitas. Um dos casos mais interessantes que conheço é do designado Diphylobotrium latum, um parasita extremamente interessante, pois não se limitar a estar placidamente a sugar os exsudados do hospedeiro. Os exsudados são normalmente líquidos que são libertados pelos processos comuns do funcionamento biológico do hospedeiro - assim, não lhe farão grande falta. Mas o bicho de que vos falo hoje não se limita a estar agarrado a uma qualquer membrana ou parede à espera do bodo do exusdado. Tanto quanto me lembro (as minhas cadeiras de parasitologia já lá vão há um bom par de anos...), e foi exactamente esta peculiaridade que mais me fez apreciá-lo, o dito bicharoco fixa-se à mordidela, e alimenta-se do sangue do hospedeiro que flui através da ferida. E como se transmite através de peixe, nomeadamente alguns de consumo corrente em Portugal, é um bom parasita nacional. Não é exclusivo do nosso país, mas é claramente um parasita com expressão interesante entre nós. Muitos de nós são hospedeiros deste nosso amigo, sem o sabermos, e vivemos com uma sensação desagradável que permanece, durante meses, anós ou até fracções importantes da nossa vida. Bicho engraçado.

Este blog é para falar de Ciência, não SOBRE Ciência. E poderão perguntar onde quero chegar com esta prédica aparentemente a despropósito do Diphylobotrium latum. Pois bem, amigos, o cenário da ciência nacional revê-se na alegoria que fiz deste nosso companheiro de viagem. A ciência portuguesa é de parasitismo. E, à semelhança do que faz o títilo deste post, existe um estirpe de parasitas do sistema que vivem exclusivamente à custa do trabalho, do esforço, da dedicação e da entrega e do amor dos outros. Vejamos...

Quando era aluno de doutoramento, esses verdes anos..., convivi de perto com várias realidades, como a prostituição cientifica/intelectual (em que alguns se vendem às tendências do momento, para arranjar mais um dois paperzitos - isso será o tema do próximo post, comprometo-me...), com a subserviência institucionalizada, com a hipocrisia hierárquica, mas principalmente com o parasitismo que é apanágio do panorama geral.

Tive dois orientadores, um que ainda hoje muito prezo, e outro que não valia (e não vale) um caracol, para não dizer coisa pior. Fui ao engano e enganei-me, assumo, mas parece que a ciência portuguesa não é virgem nesta andanças dos orientadores enganarem os alunos. Ao longo da minha estadia no local onde me doutorei tive o desprazer de conviver com dois mundos antagónicos, um que valoriza o esforço mas sempre com os pés bem assentes na Terra (onde vive o meu orientador) e outro, feito de aparência, fragilidade intelectual e arrogância, que era onde circulava o meu outro orientador. Qualquer semelhança era pura coincidência, e anos volvidos, consigo distinguir claramente o que os separava. Se em relação a um (está fácil de adivinhar qual deles...) sempre senti estabelecer uma relação de discussão franca e aberta de ciência, com o outro a discussão era mais no sentido de eu evitar que a dita senhora (nestas coisas, desculpem-me as feministas, as mulheres são bem piores do que os homens, talvez por resquícios da oprssão que o bicho-fêmea ainda brande como bandeira da sua necessidade de emancipação) fizesse das suas, e me envergonhasse publicamente. Só lamento não lhe ter batido. E fazer das suas para mim significava vociferar, do alto da sua total (e quero frisar o termo total) ignorância científica as suas sentenças. Era absolutamente incrível que alguém de tão fraco gabarito científico se arrogasse o direito de tecer as consideraçõs que tecia, e que ouvi tecer aos meus companheiros de infortúnio. Para além nde não estar habilitada a fazer investigação na área, tinha aveleidade de achar que estava, comprometendo o futuro do grupo. E depois criava com demasiada frequencia a sensação entre os seus alunos de que estava ali para provar aos alunso que estes não tinham razão, mesmo que trabalhassem naquilo há anos e ela não conhecesse sequer os conceitos com os quais eles trabalhavam. Não falto à verdade se disser que a maioria dos meus artigos foi enviada a esta senhora depois de já terem passado por mim e pelo meu orientador, e de já terem sido aceites para publicação. Assim, todos ficávamos satisfeitos: eu publicava com o meu orientador (os reais autores dos trabalhos) e ela achava que pwercebia umas coistas e que mandava em mim - o célebre "arrotar umas postas de pescada", ou "mandar uns bitaites".

Mas ela também publicava, e aqui reside o busílis deste post. Ela também publicava, mesmo não contribuindo literalmente com nada. E não publicou tão pouco como isso, pois como eu ela tinha mais alguns alunos de doutoramento, que a desprezavam profundamente do ponto de vista intelectual. Publicou tanto que lhe deu para passar a associada, a prestar as provas de agregação, e na fase final da minha escravatura, a conseguir a cátedra. Que bom e doce parasitismo, quando corre bem. E como bom Diphylobotrium latum, não agradeceu coisíssima nenhuma, e foi a correr engordar à custa de outros hospedeiros mais ingénuos.

Compreendam que não me queixo, estou só a fazer um pequeno esforço de contextualização da temática do Diphylobotrium latum. Pois bem, hoje acho que avaliando aquilo que essa sujeita me fez, e por comparação com aquilo que eu faço aos meus alunos de pós-graduação, que ela adoptou uma postura típica de D. latum. Sem qualquer pudor, mordeu a carne, abriu a ferida e chupou o sangue. E depois largou a semente para ir colonizar novos territórios férteis. E continua a disseminar o seu dente por mais vítimas incautas, sem contribuir minimamente para o enriquecimento destas alminhas, com a total conivência do Estado e das entidades públicas de financiamento da Ciência nacional. Mas ela não é a única. O Estado quando financia deve fiscalizar o que anda a financiar. Senão corremos o risco de estarmos a pagar ilegalidades, imoralidades ou até monstruosidades. É elementar que assim seja, parece-me que só aqui é que nunca ninguém se lembrou disto.

Parece que em Portugal se institucionalizou a falsa premissa de que os trabalhos dos orientandos terão de incluir o nome dos chefes, sem que para isso os chefes tenham de contribuir. Meus amigos, isto é a mais pura das poucas vergonhas, e digo isto sendo "chefe". Desde quando alguém que não faz pode exigir a inclusão do seu nome entre os legítimos autores de um dado trabalho? Eui sei que isto pode parecer lirismo, mas para regular este tipo de situações devem existir várias alternativas.

A saber, e a instituir por quem regula a ciência paga pelo Estado:

a) um código de conduta científica, a ser adoptado por todos os que recorrem a um fundo público através da decisão de um juri
b) mecanismos de denúncia e de fiscalização independente relativos a situações reportadas
c) autonomia estatutária e regulamentar dos alunos financiados por entidades independentes (ex.: a FCT) de modo a evitar a apropriação indevida e abusiva dos recursos humanos, como alunos de doutoramento, por grupos de investigação
d) possibilidade de criação de mecanismos de sanção disciplinar e afastamento dos círculos dos concursos a financiamento quando comprovadamente houver incumprimento de qualquer uma das partes, após investigação e apuramente das circunstâncias em que o aproveitamento indevido ocorreu
e) criação de um comité de apuramente sem qualquer vínculo a instituições universitárias, de modo a garantir a isenção, careza, transparência e independência dos avaliadores relativamente aos avaliados/investigados.

Sem qualquer uma destas medidas moralizadoras, de fundo, de controlo, nunca será possível, termos uma ciência de qualidade em Portugal. A competitividade deve advir da qualidade, e não da instalação de feudos e de falsos conceitos, como da vassalagem científica, que só abrem caminho à especulação, ao célebro "curriculum a metro", à angariação de alunos de pós-graduação (esses escravos do século XXI; conheço um sujeito catedrático que tem alguns docentes que lhe devem uns favores, e que os manda para o bar da faculdade angariar alunos com falinhas mansas), ao parasitismo científico, à apropriação das ideias e da inovação, e ao estabelecimento de individualidades cristalizadas na cátedras das universidades públicas.

É que no âmbito da terapêutica é muito fácil combater o Diphylobotrium latum, e até a maioria dos parasitas: metronidazol. Aqui o fármaco de eleição é um processo em tribunal aos cabecilhas e os outros assustam-se logo todos e largam a ferida, que é com quem diz em bom português a Teta.

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