Wednesday, June 13, 2007

Se a opinião pública soubesse...

Num país como o nosso, em que falar de corrupção é quase tão banal como discutir os feitos da Selecção, pode parecer redundante, inútil e até insultuoso que se refira a ciência como um bom palco de actividades de corrupção. Num país em que as suspeitas recaem, e de modo fundamentado diga-se!!!, sobre as autarquias, polícias, serviços públicos, agentes desportivos e actores políticos, a ciência será encarada pelo grosso da opinião pública como uma actividade marginal, caso de uma franja escassa da população, logo não meritória de atenção.

E que diabo, se se fala de uma presidente de câmara municipal que se pira para o Brasil em face de um processo de corrupção, para quê falar de meia dúzia de indíviduos acabrunhados de bata e óculos, enfiados nos seus laboratórios, quando podemos ter muito circo (e pouco pão, mas essa é uma discussão secundária...) com esta senhora? Porque ela até fala alto, com sotaque do Norte, gesticula, alegadamente não tem papas na língua, não é feia ou asquerosa, e teve a lata de roubar descaradamente, o que constitui por si só uma prova de testículos? Não, o que a gente quer é gajas destas, queremos lá saber da corrupção na ciência... Pelo menos, a avaliar pela reacção que esta temática desperta na generalidade da opinião pública, creio que reproduzo os pensamentos que correm pelos dois dedos de testa do cidadão nacional média. E se nem o Saldanha Sanches fala disto, então é porque isso é coisa pouca.

Mas aqui é que a opinião pública se engana. Se a opinião pública soubesse...

Por exemplo, se a opinião pública soubesse que cada projecto financiado pelo estado português pode chegar aos 200.000€, e que muitos deles são obtidos (eu diria até sacados) com expedientes emnos claros, então se calhar poderíamos já ter muitos sobrolhos franzidos.

Se a opinião pública soubesse o mal que estes professorzecos fazem ao país... então alguém começaria a pensar em pedir contas a alguém. O atraso estrutural que assola o nosso país em termos de educação tem pouco a ver com défice financeiro, mas sim com uma total incapacidade cultural em ultrapassar a herança do fascismo, do compadrio, da cunha, do beija-mão, da hierarquia fundamentada em pressupostos de superioridades e inferioridades, do classismo, de falta de competitividade e de competição, da contabilidade dos favores. Se se pensar que o nível de vida comparativamente mais baixo em que vivemos é o resultado de ausência de políticas de formação, nomeadamente ao nível científico (que é a alavanca do desenvolvimento das sociedades europeias normais, americana e japonesa) então todos poderíamos estar bem mais satisfeitos com os nossos serviços públicos de saúde, de segurança social, de protecção, de defesa do património cultural... Mas como alguns gostam de engrxar, e outros gostam de ser engraxados, junta-se a fome à vontade de comer: o que é de todos é simplesmente desbaratado para pagar favorecimentos e a manutenção do estatuto. Vejam o exemplo dos orçamentos das Universidades públicas: como se vai reduzir a dotação orçamental se se pretende manter este panelão gigante e sem controlo a partir do qual comem muitos afilhados? Com que cara vê o padrinho a redução do tamanho do panelão, ou o corte na quantidade de arroz que é disponibilizado por todos nós para alimentar a sua enorme, desmesurada, absurdamente grande família de parasitas?

Se a opinião pública soubesse que os seus impostos são canalizados para pagar mordomias verdadeiramente arábicas a alguns (poucos) eleitos rofessores do Ensino Superior público, garanto-vos que o bichinho tão nacional da inveja começaria a despertar da sonolência. Pelo menos esse despertaria.

Se a opinião pública tivesse acesso às contabilidades (que nem sequer são auditadas!!!, em pleno século XXI) dos projectos financiados pelos dinheiros públicos e visse almoçaradas e jantaradas pagas em marisqueiras, consertos de automóveis, computadores portáteis, aí já a expressão decerto mudaria para um inegável aumento do mau estar.

Se os contribuintes sopubessem que os seus impostos são utilizados para pagar salários a gente que só é funcionário público pela cunha ou pelo mais obsceno amiguismo, se soubessem que os concursos públicos de admissão à carreira docente (ou até de investigação) são invariavelmente viciados, a raiva começaria a tomar conta das consciências.

Se os pais deste país que suportam as depesas dos seus filhos nas Universidades soubessem que os mesmos que convencem, acolhem e "ensinam" os seus filhos (eu usaria mais o termo "iludir", porque estes de que falo são os verdadeiros mercadores de ilusões) são os mesmos que os escravizam em nome do "esforço que a ciência merece", então começaria a instalar-se um clima de motim.

Se os portugueses em geral soubessem que o Estado investe milhões de euros de dinheiros públicos em ciência que a única coisa que produz é engorda de curricula vitae, que não dá origem a rigorosamente nenhum conhecimento aplicável e útil, então a depressão começaria a ocupar o seu lugar junto da raiva.

Se os cidadãos nacionais tomassem noção do despesismo brutal em salários principescos, previlégios injustificados, esquemas dúbios, e arranjos mafiosos que muitos dos investigadores verdadeiramente terceiro-mundistas que dominam a noss praça científica se dedicam, então seria o descrédito total. Muito do que se anuncia na nossa comunicação social é um logro, não passam de palavras sem qualquer conteúdo. Vejo frequentemente expressões modernas como "dinamizar", "aprofundar", "estabelecer", "cooperar", nos mais variados contextos; são palavras que, regra geral, não transmitem uma noção de acção, de transformação. Servem o único propósito da cagança científica, do satisfazer a necessidade de se ouvirem a si mesmos e de se rodearem de assembleias de medíocres com os quais engrandecem os seus egos.

E conhecendo as realidades que conheço, não deixo de ficar com uma imensa ânsia de me transformar em Geppetto, aquela personagem criadora do Pinóquio: sentaria os mentirosos sobre o meu joelho e dar-lhes-ia todo o incentivo a que mentissem. Se ao menos não servisse para mais nada, podia ser que o nariz dos mentirosos servisse para desentupir esgotos. Ao menos, já estariam habituados a estar perto da porcaria.

1 comment:

Unknown said...

Gostei de ler/ saber mais sobre o E. Superior e a Investigação em Portugal.

Este 'post' e o seu comentário no Público de hoje foram transcritos como comentários para o blog http://pslumiar.blogs.sapo.pt/

no 'post' sobre ''Estatísticas e política'', tema 'educação e ciência'.