Thursday, January 31, 2008

A superioridade moral II

Pelo que vejo, leio e ouço, estamos bem pior do que aquilo que eu julguei há alguns anos, quando era verde nestas andanças e me decidi a empreender uma viagem pelo conhecimento.

Hoje em dia, vê-se muito imberbe (tanto na vida, como curricular) a querer ter papel de destaque, a ter a intenção de usurpar posições de destaque, a achar que tem direito a tempo de antena patrocinado. Vê-se muita ignorância, e pouco bom senso, e escassas são as vozes avisadas que ainda pensam livre e autonomamente, pela sua própria cabeça. Vê-se igualmente pouquíssima iniciativa, discussão, proposta, e os debates são regra geral estéreis, e invariavelmente dominados pelo pensamento do politicamente correcto e da aparência inócua, que são ditames dos iluminados da nossa praça. Fala-se muito do que o Sr. Fulano disse, citações avulsas, repetições de mensagens em vez de se assumir as opiniões próprias, na sua defesa coerente.

Vê-se muito cacique e respectivos cães de guarda e de fila, que não hesitam em morder os calcanhares que quem ousa discordar dos argumentos absurdos que os seus líderes já não se coíbem de esgrimir impunemente em público. Vê-se quintais com bases muito frágeis, e territórios da exclusividade de algumas pessoas, como se a Ciência fosse estanque e propriedade só de alguns. Vê-se muita apropriação indevida dos louros dos outros, vê-se casos patológicos de gabarolice e fraude, vê-se corrpução em todas as suas formas, vê-se muito idolatria, muita engraxice e interesse sujo, vê-se muito herói de trazer por casa e muito sebastianismo bacoco, vê-se muita cegueira intelectual, vê-se muito salvador da Pátria e uma extrema incapacidade em distinguir as opiniões válidas das absurdas. Vê-se também uma gigantesca falta de sentido crítico, um seguidismo acarneirado, e uma crença idiota e quase religiosa nas personagens míticas. Tudo isto junto, passa um atestado de incompetência intelectual a muito investigador da nossa praça, que mais não fazem do que defender incondicionalmente os líderes, e papaguear argumentos fáceis, sem nada fazerem por mudarem o que (acham que) está mal.

Ao mesmo tempo que estas entourages crescem, balanceadas no momentum de serem hordas de carneiros dóceis, temos a eternização da figura do chefe. Como é uma verdade universal que não temos sempre razão, também será lícito assumir que estes mesmos chefes pretensamente inatacáveis não a poderão ter sempre. É assim incompreensível esta fidelidade canina, que ultrapassa sistematicamente os limites do razoável; em algumas situações, que não envolvessem os seus líderes, os apaniguados até dariam razão a opiniões discordantes; no entanto, e dada a sua proximidade em relação aos visados, subvertem-se os argumentos para apupar os contestários. Se isto não é fascismo...

Há os sofredores voluntários, apreciadores de autoflagelação, e de sofrimento gratuito, "em nome da Ciência". Há também os ascetas da Ciência, os que "nada querem para si", excepto as humildes migalhas que esperam um dia vir a receber, como prémio justo da adulação. A esses será facultado o Reino dos Céus, sem dúvida.

Há muita criançada condicionada na ilusão do Heil to the Chief, que se habituaram desde os bancos da escola a deificar a impostura. São esses que alimentam as trupes sem-fim que abastecem a ignorância científica. Vê-se aqui muita ignorância e iliteracia, em que há quem não saiba ler argumentos, e dispare quando julga estar a ser atacado.

E depois há os outros, que acham que é com relógios de ponto que se mantém a disciplina e a produtividade de uma actividade que é criativa, como a científica. É que o cúmulo de argumentos destes é que não existe nenhum dado em que alguém se possa basear para argumentar que a qualidade e a dedicação estejam em relação directa com o tempo que se dedica a uma actividade científica. Bastará a esses lembrar o tão vulgarizado costume nacional de "fazer cera" para impressionar o chefe. Obviamente partindo do princípio que o chefe valoriza estes "agrados"... E há também os chefes que acham que o seu poleiro é eterno, e que vale tudo para o manter. O narcisismo de alguns destes últimos é incrível e chega a ser ostensivo. Não assumem a possibilidade de perda de influência, pois mais vale ser-se muito importante numa coisa pequena, do que somente importante numa coisa grande.

E, acima de tudo, há aqueles que ostentam a superioridade moral como uma bandeira, ou uma mortalha, ou um impenetrável escudo, para se acharem nos píncaros de algo que só eles conseguem ver. São os que constroem castelos de cartas, que à mais pequena objecção entram em ruína, e que se refugiam na filosofia ancestral do "Último dos Resistentes". Que romantismo, que coisa melodramática, que quantidade de energia gasta inutilmente... Envergam esse reduto de propriedade moral como uma arma, que brandem perante a mudança, no orgulho arrogante de serem os "the special ones". Aqui, podem ser alguém, mas nesta aldeia global que estamos a construir são pequenos grãos de areia que contribuem para o areal imenso do conhecimento. Por isso se exige um bocadinho mais de humildade. Ou de silêncio.

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