Friday, February 15, 2008

A superioridade moral III

Depois da acalmia, a reflexão. Há lugar a comentar os comentários, há lugar a chamar os bois pelos nomes e há lugar, mais uma vez e sempre, a pôr o dedo na ferida. Porque é uma ferida larga, profunda, que alastra velozmente alimentada pela estupidez, e que se propaga a todos os sectores da sociedade, Ciência incluída.

Eu cresci num País que se diz democrático, e que assenta no primado do Direito. O exercício da liberdade é, para mim, condição sine qua non para o usufruto da cidadania. Habituei-me, se calhar erradamente, a acreditar que na Educação reside a cura para todos os males, que sem excepção, são filhos da ignorância. E sempre avaliei os outros, as suas atitudes e as suas respostas, à luz de conceitos como a ética, escrúpulos e bom senso.

Ora bem, parece que há gente que vive acima disto. Há gente que se acha permanentemente no Olimpo, que nunca se acha sujeita a crítica. Há gente que é arrogante ao ponto de achar que humilhar é um seu legítimo direito. Há gente que acha que todos os expedientes são válidos, logo aceitáveis, para fazer vencer o fruto da sua presunção. Há gente que acha que a órbita solar se desenrola em torno do seu umbigo. Há gente que usufrui da dúvida, da hierarquia, da fama de louco, para dominar e calcar. Há gente com um despotismo embriónico crónico, baseado numa presumida superioridade intelectual, cultural, curricular, científica e também moral. Há artistas e demais agentes de artes de saltimbanco, que se especializam em enganar tudo e todos, quais contorcionistas mentais cujo fito é manterem-se na crista da onda, virando o bico ao prego sempre que lhes convém. Há os idosos, que acham que a combinação sinérgica de idade e experiência são simultaneamente postos e argumentos para fazer com que determinadas coisas nem se discutam, eternizando tabus pardos de legitimidade duvidosa. Há os habilidosos, que conseguem hipnotizar as hostes, convencendo-as a pregar o moralmente indefensável. E há os securitários, que precisam de se sentir seguros pela berraria das multidões, e se rodeiam de idiotas pouco pensantes para dar a ideia de que são muitos, e, logo, têm razão.

Portugal é um país interessante, exactamente pelo facto de haver muita gente a falar muito, daquilo que sabe muito pouco. É um país interessante pelo simples facto de ser ainda virgem em cidadania, em respeito pela diferença, em saber aceitar que os outros possam levar as suas vidas sem Cardeais Cerejeiras que os ameacem com os fogos dos Infernos. É um País interessante pelo facto de adorar como deuses exactamente aqueles que os outros países renegaram, expulsaram ou dispensaram, um pouco à semelhança de uma parábola viciada do filho pródigo. É um país interessante pelo facto de existir tão pouca vergonha na cara em exibir arrogância e pedantismo, reminiscências absurdas de uma aristocracia que felizmente se aboliu. É igualmente interessante por haver tanta gente disposta a ocupar os cargos de pequeno ditador, qual Charlie Chaplins anémicos, para dominar os outros. É um país interessante por ser uma terra de cegos, em que basta meio olho para alguém se achar Rei.

E claro, é um país de burros, obedientes, silenciosos, que não se importam de exibir essa mesma burrice com dedicação e aprumo. E de incautos, porque aquilo que se convencionou "parecer mal" é hoje encarado com normalidade, como dizer asneiras em público. Asneiras tomo-as como coisas irreflectidas, incongruências, incoerências, falácias, infantilidades, futilidades e inutilidades. Enfim, tudo aquilo que para alguns, faz um bom aluno de doutoramento, ou faz um bom cientista.

Este é o país das esquizofrenias consentidas, em que a coberto da fama, se apregoam as maiores ignomínias, impune e sistemáticamente. Está na altura de haver quem distribua antipsicóticos, sob pena de sermos considerados um manicómio colectivo, ou uma aldeia de macacos dementes e com pitorescos hábitos, para inglês ver, nas férias de Verão.

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