Este campo da Ciência, em termos de abusos e apropriações, é realmente fértil. Quando nós pensamos que já vimos tudo, que nada de imoral ou pouco ético pode ser inventado, há sempre uma cabeça iluminada para questionar este pressuposto, criando mais um tipo novo de atropelo, ou reinventando um velho. É a criatividade científica, no seu melhor, posta ao serviço da intrujice.
O bolseiro de investigação serve o propósito de investigar no âmbito de um projecto. Se o projecto é seu, de autoria moral própria, ou por decreto de um terceiro, essa já uma discussão que ultrapassa este âmbito. Mas numa coisa, todos teremos de concordar, e que inclusivamente é preconizado no estatuto do bolseiro: o bolseiro investiga, e não serve para suprir necessidades permanentes de instituições. Daqui se depreende que um bolseiro que esteja umbilicalmente ligado a um dado projecto, que pode até ter sido contratado para um efeito específico ao abrigo desse mesmo projecto, serve para dar andamento às necessidades inscritas nesse projecto, e não para andar a acudir a outras tarefas que não as inicialmente definidas. Mas isto é na teoria, pois a praxis, como veremos, é bem diferente.
A coberto das mais esfarrapadas, absurdas, inverosímeis e incríveis desculpas, faz-se gato-sapato de algumas pessoas. Eu sei que há bolseiros que ilegalmente prestam serviços em laboratórios, que depois concorrem de forma absolutamente inqualificável com laboratórios privados. Quando se usa mão-de-obra de forma gratuita (o bolseiro nada custa ao laboratório, visto ser pago por uma instituição terceira, muito vulgarmente até pelo Estado por intermédio da FCT), é natural que alguns laboratórios consigam prestar serviços a preços baixíssimos, desvirtuando as sãs regras de concorrência vigentes num mercado competitivo. Então, estamos perante algo de grotesco:
a) o bolseiro frequentemente não recebe por essa tarefa
b) os laboratórios privados, pelo simples facto de terem encargos com o seu pessoal, não têm possibilidade de competir com estas instituições
c) o bolseiro, pago por todos nós, não está a desempenhar as tarefas para as quais é contratado
Para além da imoralidade de se usar gente desviada das suas funções, que nem sequer é paga, e da questão da concorrência desleal com o sector privado, surge aqui uma quarta barbaridade, que é o destino final do dinheiro que esses laboratórios dos centros auferem pela prestação dos serviços prestados pelos bolseiros. E falo de muito dinheiro.
E aqui chega-se a mais um cancro do sistema científico nacional, que são os sacos-azuis. Existem situações de serviços prestados ilegalmente pelos centros de investigação (ou pelo menos por alguns dos seus laboratórios) pois não é possível facturar essa prestação de serviço. Nem o bolseiro passa recibo, nem tão pouco esses laboratórios têm contabilidade organizada para poderem facturar esse serviço que prestam. E é natural que em algumas áreas, dada a pouca aposta do sector privado na Ciência (se virem bem, os investimentos são astronómicos e por vezes proibitivos) há só instituições informais de vão-de-escada, sedeadas em centros de investigação (inclusivamente laboratórios associados) e que só usam bolseiros-escravos metidos nestas maroscas. O dinheiro entra, sem qualquer controlo, para servir os mais variados propósitos. Nem me atrevo a imaginar quais, pois como está bom de ver, não tenho nenhum saco azul ao meu dispôr.
Chega-se ao cúmulo de haver empresas legítimas que, aceitando esta promiscuidade, contratam estes "serviços" pois não conseguem sequer realizar algumas das técnicas que são requeridas, no âmbito de processos de tomada de decisão, de controlo de qualidade ou inclusivamente judiciais.
Uma vez, soube de um bolseiro que foi colocado perante a seguinte situação, pelo seu chefe: "só lhe pago se for você a angariar os seus proprios clientes". E eu soube disto porque ele mo contou pessoalmente. Que ciência é esta?
E quem dirige este tipo de instituição? Naturalmente, os Al Capones do sistema científico nacional, que são quem usufrui de verbas que jorram sem qualquer controlo. Mais uma vez, a realidade ultrapassa a ficcção.
Thursday, April 10, 2008
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