O Nobel português José Saramago saiu da sua hibernação cívica para nos brindar com mais uma sentença da portugalidade. E fez muito bem, pois a crise que o país atravessa se baseia exactamente no cerne das objecções levantadas pelo escritor. Vemos situações exemplificadas pelo celebérrimo "dá-me o telemóvel já!!", vemos contratações de ex-governantes por grandes corporações das mais variadas áreas, vemos esquemas de corrupção generalizados por todo o País, inclusivamente na Ciência, que é a área que nos toca. E alegremente nós, os cidadãos honestos, honrados e cumpridores, que tentamos todos os dias escapar aos tentáculos do poderoso polvo da falta de ética e da falta de vergonha na cara.
A falta de sentido crítico é algo que é profundamente paralisador do panorama social. Eu posso conceber opiniões diferentes, até opostas da minha; o que mais lamento é a ausência de opiniões, de perspectiva, de sentido do certo e do errado. Não consigo aceitar a falta de propostas, a falta de alternativas, o estaticismo, o sentido de que tudo está mal e nada há a fazer, como se o destino que nos foi traçado fosse um dogma inquestionável e imutável. Não aceito, com a placidez e bonomia de alguns, a injustiça, a corrupção, a compreensão de que as coisas funcionam de modo a beneficiar alguns e prejudicar outros. Não acredito na recompensa divina do Céu para os sofredores, e do Inferno para os pecadores, pois acho que a justiça faz-se aqui. Não creio ser capaz de suportar o conceito deste oportunismo militante (e com a agravante de ser financiado pelo Estado português, que somos todos nós!) que se verifica na Ciência portuguesa, nem tão pouco aceito de bom grado a convivência de raças de alegados senhores com presumíveis servos, num ambiente que se quer de franca discussão no sentido de criar conhecimento. Não acredito nas interpretações idiossincráticas e frequentemente abusivas que me querem impingir aqueles que normalmente mais têm a ganhar quando elas são emitidas. Não acredito em heróis, pois o tempo deles se acabou há muito, quando este país perdeu a inocência de ser criado num regime verdadeiramente democrático.
Acredito sim no mérito, na igualdade de oportunidades, na solidariedade; a única hierarquia que concebo é a da intelectualidade, da criação de uma autoridade natural e reconhecida por todos, mas sem nunca descurar que somos todos meritórios da mesma confiança e da mesma atenção, como seres humanos.
Por isso, dou por mim a pensar sobre qual o futuro deste blog, qual o futuro da Ciência nacional, e qual o meu próprio papel futuro no seio deste circo insano. Pelo número ainda baixo de comentários e participações, creio que este fenómeno que iniciei de denúncia e reflexão sobre os contrangimentos da Ciência nacional seja um fenómeno subterrâneo e ainda muito restrito. No entanto, asseguro a todos os meus fiéis companheiros de viagem que a procissão ainda vai no adro, apesar de estes breves momentos de contemplação.
Wednesday, April 23, 2008
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1 comment:
Vivo em Londres e este blog mantem-me em contacto com o universo cientifico/universitario do Portugal que deixei ha 10 anos.
Faz parte da minha leitura obrigatoria!
Obrigado
Jorge
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