Como não tenho qualquer comprometimento moral ou intelectual, excepto com a minha consciência, tenho por hábito cortar a direito, e estebelecer considerações tanto sobre os chefes como sobre os subordinados. Também já referi por mais do que uma vez que, neste país de espertalhões de espírito rural e de vigaristas de bairro e saltimbancos intelectuais de meia tigela, não existem heróis, porque esses estão reservados aos multiplex dos centros comerciais, que é o mesmo que dizer que só no cinema. Então o caso que aqui hoje trago vem como consequência de mais uma conversa informal com um amigo de um Laboratório Associado sobre uma temática que me cheira a escândalo.
Vejamos: criou-se uma carreira de investigação que, bem ou mal, permitiu a contratação ao abrigo do Programa Ciência 2007 de umas largas centenas de doutorados pelas instituições de investigação nacionais. Como qualquer situação contratual, esta contempla um alegado regime de exclusividade, pelo que, teoricamente, os investigadores auxiliares estão impedidos de exercer qualquer outra actividade que colida com o desempenho da investigação. Aceito-o e apoio-o: eu sou docente universitário de carreira, e compreendo estar sob a alçada de um contrato de trabalho, bem como de um regulamento disciplinar que em caso de incumprimento das condições definidas no primeiro me obrigará a por a cabeça no cepo e aceitar as decisões que possam ser tomadas pelo órgão universitário que tutela a minha actividade. Posso ser sancionado até com o despedimento, caso seja provado que desempenho actividades que extravasem as minhas funções docentes e que colidam com esta actividade. Mais uma vez, sei-o, aceito-o e compreendo-o.
Pois é, mas parece que alguns investigadores auxiliares não o sabem, ou não o aceitam, ou não o compreendem. Parece ser mais ou menos recorrente que (soube hoje), com total beneplácito, alto patrocínio, benção ou conhecimento das direcções dos LAs, investigadores auxiliares andam a dar aulas!!! E de uma maneira sistemática, não fazem biscates para os quais sejam honrosamente convidados na qualidade de especialistas... Então cria-se uma profissão, regulamenta-se a mesma e depois anda a chico-esperteza nacional a usar as artimanhas do costume, tão caras às cátedras (os culpados do costume...) a ganhar pelos dois lados??? Mas o que é isto???
É por estas e por outras que eu digo que não há heróis. Parece só haver vilões.
Vejamos atentamente: o desempenho de excelência só está ao alcance de quem se ocupe de uma actividade com profunda dedicação. E a área da Ciência, para mal dos nossos pecados, ainda é pior, pois vive como consequência de uma desejável (mas por vezes inexistente) paixão pelo saber, pelo trabalho, pela geração e divulgação do conhecimento. O que se passa nestas instituições, de alegado elevadíssimo desempenho (cujos expoentes máximos são os LAs), é que se continua a viver à portuguesa, com a pequena mafia, a cunha, a amizade, o compadrio e toda a parafernália de estratagemas que possam servir o propósito da decadência de um conceito e com o usufruto de benesses ilegítimas. Depois, também não aceito que gente tão bem paga como os investigadores auxiliares mantenha tachos no exterior dos muros da instituição à qual estão vinculados. Assim como eu vivo em função de um regulamento, não aceito que os outros vivam simultaneamente dentro e fora da lei. Até posso compreender (embora não aceite) que os investigadores auxiliares, em virtude da falta de consistência destes programas de contratação de doutorados, não saibam muito bem o que lhes vai acontecer daqui a uns anos e queiram manter um pézinho numa fonte de rendimento alternativa, como a docência universitária. Mas, meus caros amigos, aqui não há meios termos, nem pode haver: se se assume ser docente, é-se docente; se se pretende ser investigador, é-se investigador. Agora ficarmos na tentação de usufruirmos do melhor dos dois mundos, para além de ser imoral, é ilegal, e constitui mais uma das trafulhices que no mundo da Ciência são comuns. E tanto mais comuns quanto mais próximos das direcções dos LAs forem os trafulhas/docentes universitários de ocasião.
Friday, May 30, 2008
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5 comments:
Caro colega: neste aspecto estou em total desacordo consigo !! Aliás este seu comentário contradiz o seu lema segundo o qual "Docência e Ciência (as duas são uma e a mesma coisa)" !!! Afinal em que ficamos ?? Se um investigador cumprir os requisitos mínimos que lhe são exigidos na sua actividade de investigação, que mal tem que também dê algumas aulas por semana para enriquecer o seu CV ??
Caro Filipe, disse e disse bem: "algumas aulas por semana" não é fazer disso profissão, e eu até considerei isso no meu post. Se eu for taxista e docente, acha que serei bom em alguma das duas?
Pior do que isso, são aqueles que são docentes de carreira e que já atingiram o topo e que por artes mágicas não dão aulas, sendo substituídos pelos seus "colaboradores". Uma vergonha.
Caro André: Então estamos de acordo e fui eu que o entendi mal ! Se há realmente "investigadores" a darem muitas aulas por semana então concordo que isso é mau e nesse caso compreendo as suas críticas.
Caro André: gostaria de trocar emails consigo. Se você estiver interessado agradeço que me envie o seu email do local de trabalho para (investigadorportugues@yahoo.com). Eu contacta-lo-ei posteriormente a partir do meu email do local de trabalho.
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