Tuesday, May 4, 2010

As portas do cavalo do ensino superior público

Isto da função pública e da docência universitária em Portugal tem muito que se lhe diga. Tapa-se o sol com a peneira para ocultar a realidade do eleitor/contribuinte, inventam-se chavões que se repetem à exaustão, tão vazios de significado que chegam a roçar a idiotice. Como aquele que diz que só se contrata 1 funcionário público no advento da reforma de 2. Pois.

Quando se fala de Ensino Universitário, parece por vezes que não se fala de Função Pública. Mas fala. São todos pagos pelo Orçamento de Estado, que a todos nos custa, e invariavelmente somos confrontados com situações de corrupção, mais ou menos ecandalosa e sistemática, que fazem com que nos lembremos que estamos em Portugal. Se ainda algum de nós tivesse dúvidas.

E onde quero eu chegar? À porta da cavalo da carreira docente universitária, pública, moderna e espertalhoca. Então não é que, em virtude dos constrangimentos de contratações, ditados pelos espartilhos dos défices, os nossos Doutores lá descobriram uma engenhoca administrativa (vulgo "um esquema") para continuar a autoperpetuar a sua influência por bons e longos anos, nos corredores das Universidade e Politécnicos portugueses? Senão, vejamos.

Hoje em dia, temos as contratações congeladas, ou perto disso. E como os critérios das contratações são tendencialmente cada vez mais claros, "fica mal" metermos os familiares de calçadeira. Como metíamos há 20 ou 30 anos, à má fila... "Que chatice, isto de se ser transparente levanta problemas, eu que queria meter o meu afilhado, rapaz cordato e pouco competente, espevitado q.b. só para manter os cães de fila dos outros candidatos à distância, não vai poder entrar neste meu pequeno feudo? Era só o que faltava" - assim pensa o catedrático nacional. Assim, pensa, e pensando, assim criou as "bolsas de interessados". E estas "bolsas de interessados" são hoje em dia aquilo que designo como a porta do cavalo do ensino superior público nacional. Porque nem são concursos, nem nomeações de docentes convidados, nem obedecem a critérios transparentes, nem tão pouco envolvem formalismos processuais que garantam equidade de oportunidades a todos os candidatos "a concurso". Pois nem concursos são!!! As instituições de ensino lançam pedidos, por intermédio de correio electrónico (cuspindo ostensivamente no Diário da Républica), de supostos interessados. Definem perfis mais ou menos abstractos, com algumas indicações das funções a desempenhar, com as características que pretendem em supostos candidatos (como se nós não soubéssemos a quem aquele perfil corresponde), e definem um prazo, findo o qual entronizam o predilecto. E é de predilecto de que se fala, pois não há direito a recurso, reclamação, impugnação ou qualquer outra figura jurídica. Porque quem o faz, fá-lo inteligentemente: no fim desses pedidos que por vezes circulam nas nossas caixas de correio electrónico, o texto de abertura da "bolsa de interessados" é claro - esta abertura não configura qualquer processo de selecção ou concurso, e da decisão não decorre nenhum recurso. Toma lá que já almoçaste.

Depois do predilecto lá estar, é meio (ou mais...) caminho andado para entrar na brilhante carreira académica pública portuguesa. Fecha-se o círculo.

Se isto não é uma legitimação da cunha, então o que é? Se isto não é enganar as pessoas, então o que é? Se isto não é do conhecimento do MCTES, então de quem é? Como é possível chegar-se ao ponto do desplante de inventar tais expedientes para se contratar (leia-se, pagar favores) desta forma? Como é possível que fechemos os olhos? Como é possível que ainda consigamos dar crédito a estes figurões, na rua, na televisão, nos livros, em qualquer lado que seja um espaço de cidadania? Por mim, acho que seria preferível amontoar gravetos e troncos, e queimá-los a todos. Fazer um auto-de-fé com os colunáveis da ciência com letra pequena, em nome da decência, com sardinha assada e arroz doce no fim, mas só para os justos.

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