Friday, May 7, 2010

Ciência perdida

O MCTES faz de forma recorrente anúncios de mais bolsas, mais incentivos, mais planos e projectos, mais aberturas de iniciativas, em suma, maior disponibilização de verbas para que se faça mais investigação em Portugal. Faz estes anúncios dando sempre a entender de que mais é melhor, e que agora sim, estaremos no bom caminho para o desenvolvimento científico nacional. Traçam-se objectivos e definem-se metas, sem que se avaliem conveniente e publicamente o sucesso de iniciativas anteriores. Confesso que a mim me faz alguma confusão, já para nem dizer que me repugna, o facto de se fazerem anúncios avulsos, sem uma ulterior definição de uma política para o sector, e sem se fazer um esforço apurado dos resultados dos programas anteriormente anunciados e implementados. Parece que tudo se faz aos solavancos, de forma desgarrada, sem nunca se conseguir exactamente acertar no cerne da questão. E estes anúncios vão surgindo, de forma consistente e sistemática, sem que haja um aumento nem da qualidade, nem tão pouco do impacto da Ciência no bem-estar dos cidadãos e das empresas. Inutilmente, portanto.

Eu creio que este problema da desustruturação da política científica nacional decorre de um erro que se comete de forma contínua. Não se fala com quem se deve, nem nunca se define uma série de parceiros com quem se discuta. Quando a questão é a definição de vencimentos, salários e bolsas, tão pouco há discussões com parceiros sociais. Não há uma organização que de uma forma concreta represente os bolseiros, por exemplo, e as discussões com sindicatos do ensino superior não abarcam os cientistas. Em relação à definição das políticas científicas, as discussões com o Conselho dos Laboratórios Associados está inquinada à nascença. As direcções dos LAs são tudo menos 100% democráticas, e representam na maioria das vezes as ambições pessoais dos seus constituintes, não resultando portanto da vontade expressa dos membros dos próprios LAs. Assim, e quando as necessidades destes são criadas, são automaticamente transformadas em "necessidades reais da ciência nacional e de resolução premente", e são resolvidas. São necessiudades-umbigo travestidas de de "interesse nacional". Não há nenhum forum de discussão, objectivo, crítico e válido, sem estar inquinado pelos egoísmos mesquinhos e habitado por quintas e quintais da maioria das vacas sagradas que compõem a entourage científica do Ministério. É fácil ver quem é "considerado": quem surge em programas de televisão de forma sistemática (4XCiência é um excelente exemplo, pela RTP, pago por todos nós, e em que habitam as mais estranhas e incompetentes criaturas da nossa praça), os júris, as comissões de honra, os mandatários para a Ciência das mais variadas candidaturas, os supostos peritos que vendem as baboseiras nos noticários, os vaidosos dos eventos científico-sociais, os colunáveis dos prémios da ciência, enfim, toda este conjunto de gente para quem a actividade científica é um trampolim de ascensão social. A ciência-chique. E no meio disto tudo, anda a verdadeira Ciência perdida, anda o dinheiro a ser gasto e as oportunidades a se perderem.

Por mais que se anuncie dinheiro, como investimento ou como despesa, não será nunca possível manter um rumo com mão segura, se não se sabe para onde dirigir a nau. E não serão as paredes dos gabinetes ministeriais interlocutores à altura de qualquer ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Criem-se plataformas de investigadores desalinhados, independentes, criteriosos e honestos, e logo a direcção será clara. Mas investigadores sem pedigree, porque os puro-sangues preferem os ares condicionados dos salões de baile pagos pelo erário público. Gaste-se menos em caviar e marketing, e mais em equipamentos, bolsas, químicos e estágios e ganharemos todos. Sem qualquer dúvida.

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