Wednesday, April 30, 2008

Vocações ou a falta delas

Este talvez seja dos posts mais complicados de escrever. Porque joga com aspectos muito sensíveis das opções de vida de muita gente, e pode fazer com que alguem se possa sentir atingido com algumas das considerações aqui tecidas. No entanto, considero que talvez seja dos aspectos mais centrais do deplorável panorama científico nacional. E falo da questão das vocações.

Conheço centenas de investigadores, e contam-se pelos dedos de duas mãos aqueles que considero terem uma vocação adequada ao desempenho da investigação. E vocação compreendo como um conjunto de características que incluem, simultaneamente, inteligência, abnegação, capacidade de trabalho e de auto-sacríficio, imaginação e criatividade, grande capacidade de observação e resistência à adversidade. Sem a conjugação de, pelo menos, algumas destas características, será sempre impossível fazer investigação de forma plena. E o problema é que aquilo a que por vezes assisto é pessoas a fazerem passar-se por investigadores de ponta sem haver a conjugação de nenhum destes factores. E vejo gente que só faz investigação porque não tinha outra ocupação à qual se dedicar. Isto é péssimo. Nem consigo imaginar razão pior para se fazer investigação.

O mercado de trabalho está inundado (ou nunca esteve sequer preparado para absorver) licenciados de determinadas áreas do conhecimento. Pelo menos, falo do mercado de trabalho nacional. As universidades formam levas de licenciados sem qualquer aplicação prática e imediata, que só servem para aumentar o número de desempregados, por um lado, ou o número de candidatos a bolseiro, por outro. É óbvio que existe uma desadequação entre oferta e procura, e entre aquilo que a investigação necessita e o que os licenciados aspiram. E é deste caldo de desadequações que os fazedores de sonhos se aproveitam, para promover ilusões de que pelo caminho da investigação patrocinada pelo Estado se consegue ir adiando a verdadeira questão de fundo, que é a incapacidade em encaminhar todo este manancial de cérebros para algo mais palpável do que uma bolsa. Não estou contra os bolseiros, estou é contra esta política de que mais vale ter uma bolsa do que nada; porque ter "nada" não deveria nunca ser opção.

Convenhamos: eu sei que nunca serei um excelente jogador de futebol. Isso só está ao alcance de alguns. Aceito-o e compreendo-o. O mesmo raciocínio deveria estar subjacente a todos os que consideram a licenciatura condição sine qua non para a felicidade, para a prosperidade e para serem felizes na vida amorosa. Licenciatura ainda hoje é panaceia. Esta visão institucionalizou-se e ganhou força de dogma. É pelo facto de o acesso ao ensino superior se ter democratizado, banalizado, abandalhado e facilitado que se permite que qualquer indíviduo possa ter a pretensão de se licenciar, e de almejar a vôos intelectuais para os quais manifestamente não foi talhado. E depois é um vê-se-te-avias para arranjar emprego, e tudo vale, incluindo inundar os centros de investigação. Muitos dos mentores de algumas licenciaturas públicas são o principal obstáculo à modernização do sistema: nunca, por intermédio de uma análise sistemática, fria e racional com base nos pressupostos das necessidades do país e da oferta formativa, conseguem chegar à evidentíssima conclusao de que aquilo que criaram é inútil, e, consequentemente, passível de ser extinto. Somos assim confrontados com cursos sem grande empregabilidade, quando a têm. Neste ponto, surte ainda bestial efeito a inflação desmedida das médias de curso, garante máximo de que, pelo menos, o efeito paliativo da bolsa se fará sentir. Vivemos assim uma bolsa-dependência, para escamotear o défice de empregabilidade crónica que grassa neste país. E daqui resulta o triste facto de termos, quase literalmente, todo o cão e gato (desde que cumpra a meta estatística de ser detentor de uma "boa média"; reparem no vício terrível de que não é preciso ser brilhante, basta parecê-lo) a aceder a posições de investigação que deveriam estar reservadas unicamente aos mais capazes. Depois é vê-los, 15 dias antes do final da bolsa, sem perspectivas de emprego real, a pensar em prolongar a agonia com o providencial balão de oxigénio que é... uma outra bolsa!!!

1 comment:

Filipe said...

Quem são os mais capazes ? Os que acabam o curso com médias de 17 para cima ?? Não me faça rir !! Uma licenciatura é uma corrida de 100 metros mas uma carreira de investigação é uma maratona! Ser-se bom nos 100 metros não implica ser-se bom na maratona e vice-versa !! Já vi muito na vida e por isso acredite no que eu lhe digo !!