Friday, March 28, 2008

O que há de bom

Por vezes, sou questionado se tudo o que existe na Ciência nacional é mau. Respondo invariavelmente que não, embora o que existe de mau seja por vezes péssimo, e quase destrói o frágil equílibrio entre o bem e o mal que é apanágio de todo o universo.

O que há de bom na nossa Ciência são as crianças. É verdade. Com isto estou a incluir nesta definição de "crianças" a enorme quantidade de jovens recém-licenciados que, imbuídos de um espírito de sacrífico enorme, se dedicam a gastar os melhores anos das suas vidas às actividades científicas.

Temos de tudo: os idealistas, que acreditam que a Ciência é o caminho do progresso (sub-categorai na qual sempre incluí), e que o conhecimento matará a fome, resolverá os problemas ambientais, curará todas as doenças e será responsável, em última análise, por uma maior sensação de bem- estar a toda a população humana e ao resto do Mundo. Temos também os acidentais, aqueles que até tiveram experiências positivas (ou não) no mundo do trabalho, mas decidiram correr o risco de se dedicar à Ciência, para viverem mais uma actividade. Há os conformados, que só estão na Ciência porque o País os atraiçoou, ao levá-los a acreditar que a licenciatura pela qual optaram teria uma saíde profissional condigna; por vezes, nem saída profissional tem, quanto mais condigna. Há os carneiros, que fazem Ciência porque os seus colegas também a fazem, e todos juntos constituem a manada que ouviu atentamente os ensinamentos de todos os docentes e chefes e cumpre à risca as instruções de serem eternas virgens, a quem só a Ciência interessa; renegam á família, ao dinheiro, aos prazres da vida, e fazem Ciência, e olha de soslaio e com desdém os outros, os normais. Há os incautos, que até tinham planos de vida, mas de bolsa em bolsa foram esgotando os seus sonhos, e foram passando os anos, até se apanharem enredados numa situação da qual não há escapatória. Há os brilhantes, os que emigram, os que são disputados por todos os grupos; quase invariavelmente, são os mesmos que o País vai buscar anos depois, e com fausto e confetis, lhes paga um laboratório no IGC.

Todos juntos, constituem uma turba de milhares de jovens inteligentes, a quem o País deve muito, regra geral, e nunca reconhece. São mal pagos, trabalham horas a mais, nem sequer têm vínculos, estão desorganizadas como classe, vivem em casa dos pais, alegram-se com pouco (basta uma publicação e são os mais felizes da Terra), não têm direitos nem regalias sociais, são esquecidos ou desprezados pelas estruturas para as quais contribuem gerando Ciência, são a espinha dorsal do Sistema Científco Nacional, dão aulas muitas vezes de borla (são uma das costelas do Ensino Superior Público), sofrem barbaridades atrozes na Segurança Social, vivem sistematicamente a prazo, lutam entre si pela obtenção de uma bolsa de 745€ mensais, e são, acima de tudo, o grande depósito da esperança e da capacidade criativa do nosso panorama científico. Por isso, lhes tiro daqui o meu chapéu; posso discordar com muito do que ouço dos meus bolseiros, mas sou o primeiro a reconhecer-lhes o direito a existisrem com dignidade. Porque são o que de melhor este país tem. Sem sombra de dúvida.

Pelo menos até aos trinta anos, depois a maioria transmuta-se - passam a "chefes".

2 comments:

Brotero said...

Também há os “chico-espertos”, brilhantes para alguns que necessitam de urgente consulta de oftalmologia, vindos de classes priviligiadas com recursos económicos “assez bien”, mas que na verdade não fazem mais do que seguir os exemplos que vêem de cima ou dos lados e que ulteriormente, como muito bem refere, são premiados por um ministro que se julga o Marquês de Pombal do século XXI. Por isso e por outras coisas mais que não quero falar, os novos estrangeirados vão ser aqueles que um dia hão-de desaparecer deste país e continuar a sua "brilhante" carreira no estrangeiro, porque encontraram o país real dos seus sonhos e não quiseram continuar a sonhar. Entretanto, os "subdesenvolvidos" cientistas que mantêm e mantiveram a ciência a funcionar neste país de “faz de conta” e de “opereta” vão desaparecendo sem que alguém seja capaz de fazer o possível para dignificar o seu trabalho e o seu esforço ao longo de anos. São estes e não os que hoje estão no poder etéreo da política da “fuga para o abismo” que precisam ser valorizados e acarinhados, não em qualquer 10 de Junho promovido pelo dirigente do Palácio das Laranjeiras, mas sim no dia a dia no seu trabalho. Como o Marquês de Pombal do sé. XVIII, o actual pretendente a successor pombalino também não entendeu que o país não se modifica mandando vir uma chusma de avençados que mal chegam ao doce lar, começam a enraizar-se no lodo barracento da vaidade mesquinha nacional e cristalizam de forma irreversível deixando para trás as doutas filosofias mal digeridas e mal aprendidas nos países de tirocínio. Para esses, chegou o tempo glorioso da mumificação….

cristina rocha said...

Caro André Silva

Como uma das "crianças" idealistas, muito obrigado por este post e pelo blog.
Apesar do meu percurso não estar a ser fácil, continuo a acreditar e a ter certeza de que não conseguiria estar noutro lugar.
Não é fácil realmente, mas continuo a descolar-me para onde for preciso para poder continuar a fazer ciência, deixando para trás amigos, familiares, para ganhar por mais uns meses, outros amigos, outras "famílias".
Luto por um sonho que sei que vale a pena, apesar de tantas vezes amargo, mas principalmente procuro realizá-lo no meu país (pelo menos até quando for possível, tentando adiar a todo o custo uma partida para fora, mas se tiver de ser, que seja).
Coragem, acho que este é mesmo o mote dos idealistas: coragem para agir, coragem para questionar e desafiar.
Que os sonhos nunca morram, ou a nossa classe de verdadeiros cientistas se perderá para sempre.